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Quem me acompanha sabe: sou um economista liberal que, de uns tempos para cá, passou a focar bastante em aspectos culturais na batalha pela liberdade. A ponto de alguns me “acusarem” de ter me tornado um conservador. Não ligo tanto para os rótulos, e não fico nada ofendido, mas digo que estão equivocados: liberal não precisa ser libertino e hedonista, tampouco indiferente aos temas culturais, e certamente não deve resumir a luta pela liberdade ao campo econômico.
O motivo é simples: economia é somente uma parcela da vida, e por mais importante que seja, não é tudo. Nem perto disso. Seres humanos não são máquinas de cálculo de custo e benefício utilitário o tempo todo, e quem diz o contrário é muito bem suspeito de cometer o que os psicólogos chamam de “projeção”. Nossas decisões são também morais, dependem dos nossos valores, especialmente daqueles que não podem ser calculados de forma objetiva com uma calculadora.
A esquerda entendeu isso faz tempo, e por esse motivo sempre focou tanto na cultura. Sabia que, ao dominar essa área, teria o restante de mão beijada. Já muitos liberais preferiram focar somente na economia, falar em PIB, em inflação, em retorno, em progresso material, em privatização, e deixaram de lado aquelas coisas mais elevadas que falam ao coração e ao espírito humanos. A história mostrou o alto custo dessa negligência para o liberalismo.
Pois bem: Marcelo Faria, num ataque indireto a Alexandre Borges, que tem sido uma das principais vozes da direita brasileira a reforçar essa necessidade de voltarmos a falar de cultura, resolveu afirmar que basicamente só a economia importa, ou que é claramente prioritária, ridicularizando quem coloca a cultura em primeiro plano:
Quem é Marcelo Faria? Eis o ponto: ele é presidente do ILISP, um instituto que carrega “liberal” no nome, e pior: que ataca, de graça, o Instituto Liberal do Rio de Janeiro, do qual sou presidente do Conselho, como se apenas aquele fosse representante do “verdadeiro liberalismo”. Ao menos tiraram do “quem somos” o ataque, deixando apenas registrado que não há qualquer elo entre os dois institutos, o que também é do meu interesse que fique claro. Mas por que esse ataque?
De minha parte, sempre que vi material interessante publicado no ILISP fiz questão de divulgar. Como já cansei de dizer aos meus leitores, meu lance não é o ego ou a vaidade, e sim o avanço da liberdade em nosso país. Quem quer que colabore nesse sentido terá meu apoio. Mas em nome da honestidade intelectual, não posso deixar que libertários com postura muitas vezes infantil ou rasa tentem monopolizar quem fala em nome do liberalismo.
Pergunto ao presidente do ILISP: eu não entendo nada de economia, por acaso? Sou economista, tenho livros sobre o assunto, inclusive com base na Escola Austríaca, e nem por isso acho que é besteira pensar que a cultura é mais importante do que a economia. Talvez Marcelo pudesse me dar umas aulas de economia, quem sabe? Ou talvez – apenas talvez – há também aqueles que acham que entendem de economia e por isso só colocam a economia como prioridade, pois no fundo não têm cultura alguma…
A cultura importa, e muito! Qualquer liberal deveria saber disso. O liberalismo clássico sempre foi um movimento calcado em valores morais, não em fórmulas econômicas. O mercado não sobrevive num vácuo de valores, e ele pode ser amoral, mas os indivíduos que o compõem não precisam – e não devem – ser indiferentes aos hábitos e costumes disseminados naquela sociedade. Isso é bem básico. Filipe G. Martins comentou o caso:
Quem diz que economia é mais importante que a cultura normalmente não entende nem de cultura nem de economia. Qualquer pessoa que compreenda por que o Adam Smith começou pela “Teoria dos Sentimentos Morais” e não pelo “Riqueza das Nações”, ou que saiba por que os escolásticos de Salamanca anteciparam em séculos as principais descobertas econômicas, não se surpreende com a afirmação de que a economia vem sempre após a cultura.
De Adam Smith a Thomas Sowell; de Max Weber a Alain Peyrefitte; de Albert Jay Nock a Samuel P. Huntington; de Harold J. Berman a Jan Narveson; de Meira Penna a Olavo de Carvalho; todos nos advertem sobre a primazia da cultura e sua centralidade para a conquista e manutenção de uma sociedade livre e próspera. Só quem discorda disso são os marxistas ortodoxos (com sua idéia estúpida de que a infraestrutura determina a superestrutura) e um punhado de libertários brasileiros, verdadeiros marxistas de mercado, que não sabem distinguir a mão direita da mão esquerda — felizmente, alguns liberais e libertários estão começando a amadurecer, deixar o economicismo de lado e a se dar conta de que sem cultura não há solução.
Espero que sim. Amadurecimento é a palavra-chave aqui. A sensação que fico é a de que alguns libertários se encantaram com alguns livros que leram, com alguns dogmas, e juram ter descoberto a pedra filosofal, com todas as respostas para os vários dilemas sociais. E pior: uma resposta boba, reduzindo tudo ao aspecto econômico da vida. Marx ficaria orgulhoso. Bernardo Santoro, que presidiu o Instituto Liberal (o do Rio, que preserva seu lado clássico em sintonia com conservadores de boa estirpe), comentou:
Essas pessoas que dizem que a economia é que define a cultura assimilaram bem e concordam com a teoria marxista da economia como infraestrutura e influenciadora de todo o resto, que seria a superestrutura social.
Já aquelas que explicam que a cultura é o fator predominante e ela precisa ser a estrutura que fundamenta uma economia de mercado, bem, essas sabem bem a fórmula de um país estável e desenvolvido.
Que os liberais com viés libertário entendam de uma vez por todas que a economia é muito importante, mas nem de perto é tudo. Sem uma cultura da liberdade o livre mercado definha. O liberalismo não prosperou na Inglaterra à toa, mas por conta da cultura desse povo, dos valores que os britânicos desenvolveram ao longo do tempo e que permitiu o advento do capitalismo liberal. Não compreender isso é realmente circular de olhos vendados no mundo moderno, e pedir para apanhar para sempre da esquerda.
PS: Aos que se interessam pelo assunto e querem se aprofundar nele, recomendo dois cursos meus da Kátedra: “A Trajetória das Ideias Liberais“, em que resumo o pensamento de 40 figuras importantes do movimento liberal/libertário/conservador, buscando o denominador comum entre eles e traçando uma cronologia do pensamento liberal; e “Civilização em Declínio: Salvando o Liberalismo dos ‘Liberais’“, em que argumento como o liberalismo virou vítima desses “liberais” que acabam agindo como inocentes úteis dos “progressistas” ao ignorar o aspecto cultural da sociedade.
Rodrigo Constantino
Rayanne Carvalho Moro
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