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O comunismo raiz só enxerga luta de classes por todo canto, e considera o livre mercado a essência do mal, pois busca igualdade de resultados, o que é incompatível com liberdade individual. Mas o "progressismo" moderno levou além a visão de "vítimas do sistema" para incluir todas as "minorias", criando assim a política identitária, e isso tem sido motivo de brigas internas na esquerda radical.
Prova disso é a entrevista concedida por Rafael Corrêa à Folha de SP. Nela, o radical comunista defende a ditadura venezuelana como uma "legítima defesa" às sanções impostas por Estados Unidos e Europa, prega igualdade de salário entre homem e mulher independentemente de valor gerado, mas quando chega ao tema identitário, ele rechaça a visão moderna parida por elites universitárias:
A esquerda tem abraçado novos temas, pautas identitárias. O que pensa disso? É um erro colocar isso como central em nossa agenda. Sim, são problemas, têm que ser tratados com muito respeito. Mas nem sequer resolvemos os problemas do século 18, as grandes contradições, a pobreza generalizada, a desigualdade, a exploração. E nos metemos a tentar resolver e ser vanguarda do mundo de problemas de última geração. Alguns estão na fronteira da questão moral, são polêmicos. Se ser progressista é assinar esse checklist, não sou progressista. Ficamos discutindo isso, e o que, sim, gera consenso na esquerda, a pobreza, a desigualdade, deixamos de tratar.
Creio, inclusive, que é uma estratégia do norte, da direita, colocar para nós estes temas conflituosos para nos distrair do essencial: que estamos no continente mais desigual do planeta. E hoje ficamos brigando sobre casamento gay, aborto em qualquer momento.
No plano pessoal, tenho o que chamam de posições conservadoras. O que me incomoda é que isso defina o que é ser de esquerda. Se Che Guevara estivesse contra o aborto sendo médico, não seria mais de esquerda? Se [Augusto] Pinochet estivesse a favor de aborto e casamento gay, não seria de direita?
Como, então, o sr. definiria a esquerda? Você pode definir esquerda como justiça. É preciso haver justiça de gênero, por exemplo. Não se pode permitir que no mesmo trabalho a mulher ganhe menos ou que tenha que ficar em casa para o homem trabalhar, cuidar dos filhos, e o homem não. Isso é justiça. Mas vêm as feministas e dizem que justiça é poder abortar quando a mulher quiser. Aí vem a polêmica.
Pessoalmente, como o sr. se coloca sobre esses temas morais? Sou opositor por consciência do aborto. Eu disse aos gays: existe a união de fato, com todos os benefícios de um matrimônio. Mas um matrimônio em princípio, por tradição em nossa sociedade, como parte da cultura, é uma união do homem e da mulher, e eu também sigo considerando isso como correto. Você vai escrever isso e vai ver o monte de gente que vou decepcionar, vão dizer: "Correa não é de esquerda".
Essa ideia de gênero, que um garoto de 12 anos se sente mulher, é uma loucura terrível. Sempre se deve respeitar. O que não se pode dizer é: "Você se sente mulher, então comece a se vestir como mulher". Pelo amor de Deus. Pode ser que alguma criança psicologicamente esteja preparada para ter outro sexo, pode ser uma exceção. Mas que não seja regra que um menino de 12 anos se sente mulher e temos que aceitar.
É interessante ver essa divisão interna na esquerda radical, a mesma que separa Bernie Sanders de Alexandra Ocasio-Cortez nos Estados Unidos. A esquerda mais tradicional quer alimentar a luta de classes com visão basicamente econômica, enquanto a turma nova prefere focar na questão identitária e no aborto. Uns odeiam o capitalismo e querem um estado hipertrofiado para fazer a "justiça social"; outros odeiam o cristianismo e querem destruir os pilares morais da civilização ocidental.
Ambos os lados da esquerda estão unidos pelo ódio às tradições liberais-conservadoras que fizeram do Ocidente a civilização mais avançada de todas. O livre mercado calcado num ambiente de valores morais cristãos foi o que deu essa enorme vantagem ocidental, e os marxistas querem minar o livre mercado, enquanto os neomarxistas obcecados com pautas identitárias querem minar os valores morais.
Os dois lados dessa mesma moeda podre estão equivocados e, no fundo, são movidos por ódio, não amor sincero ao próximo. Curiosamente, ambos buscam monopolizar as virtudes. Basta ver como Corrêa define o que é ser de esquerda: "Você pode definir esquerda como justiça". Ser de esquerda é ser "do bem", enquanto ser de direita é ser "do mal". Quando se coloca nesses termos, os conceitos perdem o sentido.
Mas, se for necessário escolher um lado dessa disputa interna, parece que a velha esquerda focada em luta de classes é menos insana do que seu filhote identitário. Até porque economia não é tudo que importa, e meu lado conservador dá mais peso aos valores morais.