Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Nota-se uma ojeriza profunda ou uma repugnância rancorosa ao liberalismo em figuras que se apresentam como representantes dos mais diversos quadrantes do espectro político. Para uns, o liberalismo é uma força reacionária e tirânica de exclusão dos menos favorecidos. Para outros, a degeneração moral e a antessala do comunismo. Por que tanto ódio? O que faz do liberalismo um patinho feio tão visado?
Ludwig von Mises escreveu em seu clássico de 1956 A Mentalidade Anticapitalista que os críticos do sistema capitalista, psicologicamente saudosos de um momento histórico em que havia uma sensação de permanência muito maior, rejeitam a mobilidade que a economia de mercado proporciona. A incapacidade de se conformar com isso por haver quem, dentro dessa mobilidade, tenha conquistado melhores condições, seria uma das causas de revolta.
Ao mesmo tempo, aquilo que é produto de benefícios e vantagens monopolísticas oferecidas pelo Estado acaba sendo lançado na conta do capitalismo. Mises disse ainda que os críticos, especialmente entre intelectuais e artistas, menosprezam a ideia de que as conquistas tecnológicas e o monumental aumento de riquezas, expectativa e condições de vida no mundo se devem à moderna economia de mercado e ao acúmulo de capital.
O problema é que o conceito de liberalismo vai muito além do conceito de capitalismo. Não se trata apenas de uma discussão econômica. Mais do que uma ideologia apresentada completa e acabada sob a forma de uma cartilha ideológica, o liberalismo é, sim, um conjunto de ideias que podem atingir uma proporção doutrinária, mas que se manifestam historicamente, apresentando diversas linguagens, nuances e tendências distintas – nunca, porém, limitado ao economicismo.
As esquerdas costumam reduzir o liberalismo à sua dimensão econômica – o que não exime alguns liberais, diga-se de passagem, de ajudarem na construção dessa versão capenga, por se renderem a esse mesmo economicismo. Torna-se fácil reduzir o liberalismo a um monte de intelectuais de terno discutindo taxas e dados enquanto as pessoas morrem de fome no mundo real – ou enquanto os pobres não podem andar de avião. A exploração de uma caricatura facilita à esquerda o assassinato de reputação de uma proposta que, por definição, é avessa tanto a seu campo teórico quanto a seus projetos de poder.
Disse acima, porém, que o liberalismo é também uma experiência histórica. Mais do que uma ideologia ou um partido, o liberalismo é um conjunto de ideias e instituições delas decorrentes que marcam a perspectiva de estabelecimento de “regras do jogo” nas sociedades modernas. Nesse sentido, para além das realizações econômicas e tecnológicas do capitalismo, os liberais têm a seu favor uma série de princípios e edificações institucionais que podem reivindicar para seu campo.
O que motivaria o ódio contra a liberdade de se formar intelectual e culturalmente como se queira, de ler o que se queira, de pensar sobre o que se queira e como se queira? O que motivaria o ódio contra o sistema representativo, dando expressão, nas decisões políticas inevitáveis, aos interesses e concepções de maiorias e minorias, não estimulando a eliminação de nenhuma delas?
O conceito de “democracia” não é uma criação do liberalismo e os principais liberais, desde os mais antigos até os mais recentes – entre eles os fundadores do Instituto Liberal no Brasil, como Donald Stewart Jr. e Og Leme, influenciados pelas ideias de Friedrich Hayek -, reconhecem os desafios impostos entre os esforços pelo resguardo das prerrogativas e dimensões individuais e o incremento, por vezes exacerbado, das decisões majoritárias em questões tornadas coletivas. Porém, os regimes que mais adequadamente, ainda que sempre imperfeitamente, lidam com esse problema são as democracias liberais, não de qualquer outro tipo, porque conscientemente fazem o esforço de tentar equilibrar essas duas asas. Ainda hoje, os inimigos do liberalismo por vezes se dizem os verdadeiros defensores do “povo” ou mesmo da “democracia”, mas não querem perceber que seus receituários esmagariam o indivíduo.
Muito do que, enfim, se levanta como argumento para atacar o liberalismo é, na verdade, paradoxalmente, parte integrante do patrimônio por ele defendido. Nesse sentido, além dos que o reduzem ao economicismo, existem os que atribuem à liberdade por ele permitida a abertura do caminho para a libertinagem e a degeneração moral, sexual ou de qualquer outro gênero, explorada pelas esquerdas contemporâneas na dimensão da cultura.
Consinto em afirmar que, havendo mais liberdade, há mais condições de o erro se expressar, e podemos e devemos livremente atacá-lo e combatê-lo com o vigor da luta cultural, bem como com o resguardo da vida e da propriedade que o liberalismo sempre encampou –, mas também há mais condições de esse erro ser criativamente destruído e multiplicarem-se novos acertos. Esse ataque, que vem não das esquerdas, mas de tradicionalistas antiliberais e reacionários, parte da ânsia que alimentam – bem pouco prudente e conservadora, no sentido burkeano que o termo adquiriu, diga-se de passagem – por soluções completas, de quietude, de segurança. É outro tipo de anseio por falta de mobilidade, mas não tanto econômica – nesse caso, mais uma falta de mobilidade espiritual.
Um mundo que não esteja completamente subordinado a seus hábitos e preferências, uma comunidade política que não experimente uma completa homogeneização subordinada a uma concepção religiosa e a uma igreja específica, a determinadas regras estéticas específicas, sem questionamento, é um mundo danado, caminhando para o apocalipse, não importa o quanto a vida tenha melhorado em diversos aspectos, não importam quantos famintos tenham passado a comer, não importam quantas doenças tenham sido erradicadas. Melhor seria voltarmos à Idade Média ou às corporações de ofício…
Não estou entre os que defendem o liberalismo como uma cartilha ideológica radical, sobretudo embebida nas aventuras mais extremistas do Iluminismo francês, por vezes mais marcadas pelo democratismo que pelo liberalismo propriamente dito, como diria o professor Antonio Paim. Porém, entendendo o liberalismo como uma conquista político-econômico-institucional da modernidade, acredito firmemente que todos aqueles que não se deixam dominar pelo temor das mutações, instabilidades e imperfeições da humanidade verão nas suas realizações argumentos mais que suficientes para defendê-lo do ódio contra ele movido por aqueles que desejam o controle e o imobilismo – quer para exercer um poder que supostamente existiu no passado, quer para exercer um poder que nunca tiveram.
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