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Entende-se que, em tempos de calamidades como guerras ou pandemias, muitos se voltem para os especialistas e para o estado como única resposta possível. É algo natural. Mas no Brasil, creio, a coisa vai um passo além.
O que o pânico com o coronavírus mostrou, até aqui, é que boa parte do povo brasileiro, ou melhor, da nossa elite, flerta mesmo é com o positivismo, o dirigismo estatal, a tirania dos especialistas. Mais até do que com o socialismo. É a grande praga ideológica do nosso país. Alexandre Borges comentou em setembro de 2019:
Em seu livro Pare de acreditar no governo, Bruno Garschagen aponta para o positivismo como nosso legado "pombalino", tão nefasto quanto o patrimonialismo. Na resenha que escrevi do livro, comentei:
Outras influências nefastas nessa mentalidade estatizante foram Comte e seu positivismo, e Vargas e seu castilhismo. Essa visão curiosamente não dependia do viés ideológico e unia figuras bastante diferentes em torno de um denominador comum.
O economista liberal austríaco Hayek foi um duro crítico do que chamava de cientificismo. Para Hayek, a razão humana não pode prever ou deliberadamente desenhar seu próprio futuro. O avanço consiste na descoberta do que fizemos de errado. Uma restrição grande à liberdade individual reduz a quantidade de inovações e a taxa de progresso da sociedade.
Não temos como saber anteriormente quem irá inventar o que. O conhecimento é disperso, e também evolui. Nenhum ser seria capaz de concentrar algo perto da totalidade do conhecimento existente, e ainda assim, este está sempre aumentando. Somente a redução drástica da coerção estatal pode garantir a evolução do conhecimento humano e consequente progresso. Quanto mais o estado planeja as coisas, mais difícil o planejamento fica para os indivíduos.
Hayek considerava que a liberdade fica muitas vezes ameaçada pelo fato de que leigos delegam o poder decisório em certos campos para os “experts”, aceitando sem muito questionamento suas opiniões à respeito de coisas que eles mesmos sabem apenas um pequeno aspecto.
Adotar uma postura de maior ceticismo, questionando até mesmo os especialistas nos assuntos, é fundamental, portanto. É a preocupação com o processo impessoal da sociedade onde mais conhecimento é utilizado do que qualquer indivíduo ou grupo organizado de pessoas pode possuir que coloca os economistas em constante oposição às ambições de outros especialistas que demandam poderes de controle porque sentem que seu conhecimento particular não é levado suficientemente em consideração. A humildade é fundamental. A arrogância pode ser fatal.
Temos visto muitos formadores de opinião tentando calar o debate sobre os melhores meios para se lidar com o coronavírus com base na arrogante declaração de que é preciso "ouvir a ciência". Fazem isso como se eles monopolizassem o discurso científico, justo uma turma que costuma levar Greta Thunberg e o alarmismo com o "aquecimento global" a sério.
Ignoram que entre os especialistas há muita discordância, e que já demonstram seu viés na seleção dos especialistas que corroboram sua visão prévia. Ignoram que os próprios especialistas desconhecem muito do problema, pois há extrema incerteza nos estudos até aqui. E ignoram que os especialistas em infectologia conhecem apenas uma parte do todo, numa sociedade que é bastante complexa. Adrilles Jorge resumiu bem:
Num momento de angústia profunda, medo, pânico até, é normal a busca de um conforto num ser onipotente e clarividente. Os "humanistas" seculares costumam encontrar essa entidade no estado. Não questionam a ignorância dos próprios "especialistas". E ridicularizam todos que rejeitam tantas "certezas" infundadas.
Será que existe algum meio-termo entre negacionistas terraplanistas, que negam a ciência, e arrogantes do cientificismo, que estão logo prontos para entregar todas as liberdades para a "tirania dos especialistas", que desconhecem vários aspectos da situação, bastante incerta? Eis a questão!