Salim Mattar, fundador da Localiza, é amigo de Paulo Guedes de longa data. Ambos são liberais convictos, cientes de que não cabe ao estado bancar o empresário. Quando Guedes virou ministro do governo Bolsonaro e convidou Salim para tocar a agenda de privatizações, Salim titubeou, pois imaginava os obstáculos existentes no estado e, afinal, tinha sua empresa para tocar. Não obstante, pela amizade, pelo espírito público e pelo desafio, acabou aceitando. E disse depois que, se soubesse que eram mais empresas estatais ainda e tantas barreiras criadas para dificultar ou impedir a privatização, teria aceitado logo de cara!
Ainda bem que temos alguém com a incrível capacidade de trabalho de Salim tocando essa agenda de desestatização. O Brasil tem um estado hipertrofiado, empresário, ineficiente e corrupto. O mensalão começou nos Correios, o petrolão na Petrobras, e a Eletrobras é palco de vários escândalos também.
O primeiro ano de governo serviu para Salim fazer o mapeamento de todos os tentáculos empresariais do estado brasileiro, e dar a largada no processo de enxugamento. São muitas amarras legais e burocráticas, mas ele já entregou mais do que a meta inicial. E, como garante em entrevista ao Valor, vem muito mais por aí: ano que vem teremos uma aceleração no processo de desestatização.
Hoje a União tem participação em 627 empresas. Em 2019, conseguiu sair de 67. No ano que vem, o governo quer deixar de estar em mais de 120 empresas. Mas o número pode saltar para mais de 300 se sair a venda da Eletrobras e suas cerca de 210 subsidiárias. Ele acredita que o Congresso autorizará a privatização no primeiro quadrimestre do ano.
Na lista de metas a cumprir em 2020 está se desfazer de participação direta minoritária da União em 57 empresas. Até 2022, a ideia é que o BNDESPar deixe de participar de todas as empresas. Se não faz sentido o estado ser banqueiro, e tampouco faz sentido o estado ser empresário, menos sentido ainda faz o estado ser banqueiro investidor de empresas! Essa decisão de reduzir a carteira do BNDESPar é totalmente acertada, portanto.
Há, ainda, o efeito benéfico de usar esses recursos para reduzir o endividamento público. Com a venda de participações pela BNDESPar, Mattar destacou que o banco vai pagar pelo menos R$ 100 bilhões para o Tesouro Nacional em 2020. Esse dinheiro será utilizado para abater dívida, o que, espera, resultará em menos gastos com juros e mais destinação de recursos para áreas prioritárias: segurança, saúde e educação.
Ele frisou que Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras não serão vendidos no atual governo. Não é por falta de desejo do secretário, nem do ministro. Mas o presidente Bolsonaro, convertido ao liberalismo apenas recentemente (e sem tanta convicção assim), não quer enfrentar esse custo político agora. É compreensível, ainda que equivocado. Mas governar é definir prioridades, então vida que segue.
Sobre o choque de realidade ao participar pela primeira vez (e última, segundo ele) de um governo, em contraste com a realidade dinâmica do setor privado, Salim Mattar comentou:
O governo é gigantesco e, por isso, moroso. Essa lentidão é contrapartida oposta ao que acontece na iniciativa privada. A tomada de decisão privada é muito mais rápida. Mas entende-se que no governo as coisas têm que ser mais cuidadosas. Essa lentidão faz parte do processo de governos. Não é uma coisa do governo brasileiro.
E é isso mesmo: o mecanismo de incentivos importa, e não é dos melhores no setor público. Alguns funções precisam passar pelo estado, não há muita alternativa. Mas o escopo do governo deve ser limitado. Tudo aquilo que puder ser feito pela iniciativa privada, melhor. A concorrência impõe maior disciplina, o escrutínio dos donos do capital cobram resultados ("o olho do dono engorda o boi"), a possibilidade de falência exige constante busca pela excelência, e a dependência da escolha voluntária dos consumidores demanda foco na qualidade dos serviços prestados.
Salim fez ainda um balanço desse primeiro ano sobre aquilo que encontrou em sua pasta, e que expõe o absurdo Leviatã que foi alimentado ao longo das últimas décadas por governos de esquerda:
Encontramos 694 empresas que são de controle direto da União, ou seja, estatal, ou subsidiárias das estatais ou coligadas. A Petrobras tem 56 subsidiárias e 78 coligadas. A BNDESPar tinha participação em 40 empresas de capital aberto e em 72 de capital fechado. Das 40 de participação, ela já vendeu algumas. Tem ainda umas 30 participações. Em outubro de 2018, em Belo Horizonte, antes do segundo turno em um hospital público grande, inaugurado recentemente, não tinha gaze para cirurgia. Naquele momento que não tinha gaze, a BNDESPar tinha mais de R$ 100 bilhões de participação em boas empresas. Eu pergunto para vocês? É ético o governo não ter gaze no hospital, mas ter R$ 100 bilhões em participações de empresas? Não seria melhor vender esses R$ 100 bilhões e fazer saneamento básico nas periferias de bairros de cidades pequenas? Nos últimos dez anos, o governo colocou R$ 160 bilhões em estatais dependentes, aquelas que não param de pé e precisa de subvenção anual. Mais R$ 30 bilhões em empresas que são superavitárias, mas que precisam de caixa para continuar investindo. São R$ 190 bilhões. Não seria muito melhor o governo investir em saúde, educação e segurança que ter um fundo de aplicação em ações?
Sobre a morosidade do processo de venda de ativos, Salim destacou a importância do fast-track:
Por isso temos o fast-track. No governo FHC gastaram-se 30 meses para poder vender cada empresa. Teve empresa que gastou seis anos. E em nosso governo já estamos com 20 meses para vender. Então detectamos que há um problema de lentidão do atual processo que vai pelo PPI, PND e BNDES. O fast-track vai acelerar.
Como resultado de tudo isso e das reformas estruturais, Salim espera a recuperação do nosso "investment grade" e um crescimento econômico mais acelerado nos próximos anos:
É possível no final de 2020. As agências estão cautelosas, mas a economia brasileira vai bombar em 2020. Estou sendo otimista? Talvez pelo crescimento da economia. Estou esperando 2,5% a 3% ano que vem. Em 2021, espero crescimento acima de 3%.
Tudo leva a crer que são previsões realistas. E muito disso se deve ao choque liberal da equipe de Paulo Guedes. Devemos gratidão ao espírito público de gente como Guedes e Mattar, que encaram os enormes desafios e o grande sacrifício pessoal de mexer nesses vespeiros para trazer maior racionalidade para a coisa pública, reduzindo nosso Leviatã estatal e permitindo, assim, maior geração de riqueza e empregos. O liberalismo é o melhor programa social que existe!
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