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Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal

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O “desafio” feito pelo presidente Bolsonaro aos governadores, para que estes zerassem o ICMS sobre os combustíveis em seus estados em troca de o governo fazer o mesmo, é uma proposta populista, irrealista e irresponsável. Claro que declarar o óbvio provoca ataques infantis como: “Diz que é liberal, mas é contra a redução de impostos”. Foi o que aconteceu com o governador Romeu Zema (NOVO-MG), que declarou: Sou a favor da redução de impostos. Mas não sou irresponsável. Peguei um Estado quebrado, com rombo de R$ 34, 5 bilhões. Nesse momento, Minas não pode abrir mão da arrecadação. É triste, mas a realidade é essa”. A declaração do governador gerou acusações pelas redes de que ele praticaria um falso liberalismo.

A primeira coisa a se notar é o contexto no qual Bolsonaro deu a declaração. O que ele disse exatamente foi: “Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias, mas na bomba não baixou nada”. O problema já começa aí. A Petrobras segue, desde o governo Temer, uma política de reajuste dos preços dos combustíveis com base em cotações internacionais do petróleo. Aliás, Bolsonaro já negou em outras ocasiões que interferiria nessa política. Diante disso, causa muita estranheza o presidente dizer que baixou três vezes o combustível, como se a decisão tivesse sido sua. Fica evidente sua estratégia defensiva diante de possíveis críticas quanto ao preço dos combustíveis, como se ele dissesse que fez sua parte, mas que agora o preço nas bombas é responsabilidade dos governadores.

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O preço dos combustíveis é uma fonte de preocupação não só no governo Bolsonaro, como foi em governos anteriores. Uma elevação dos preços tende a deixar grande parte da sociedade insatisfeita e a canalizar sua insatisfação para o governo. Essa preocupação está por trás de políticas desastradas, como a política de preços feita por Dilma, em que a Petrobras comprava petróleo e derivados no exterior, revendendo-os por um preço inferior no Brasil, o que obviamente gerava prejuízos na área de abastecimento da estatal. Esse fator nunca é considerado por quem usa aqueles gráficos toscos que comparam o preço da gasolina no governo Dilma com o governo Temer ou Bolsonaro. A política de reajuste em vigor é muito mais sensata do que a anterior, e justamente por isso o governo a deveria reforçar como algo técnico e fora do seu controle, o oposto do que fez Bolsonaro ao dar a entender que ele reduziu os preços na canetada. Obviamente, o cenário ideal mesmo para afastar de vez esse tipo de controvérsia seria a privatização da Petrobras.

Os preços dos combustíveis também são particularmente sensíveis para o governo por impactar os caminhoneiros, grupo que em grande maioria apoiou a eleição de Bolsonaro. O presidente teme uma nova greve dos caminhoneiros e não quer causar descontentamentos a esse setor. Por outro lado, também não quer ganhar a pecha de interventor e ser comparado com Dilma. A solução, então, é aproveitar as reduções feitas pela Petrobras como se fossem um mérito seu e jogar a culpa da não redução nas bombas nas costas dos governadores.

A proposta de Bolsonaro, que, no fundo é pura bravata, já que ele sabe muito bem que não será levada a cabo, é inviável por diversas razões. Primeiro que, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer benefício fiscal que denote renúncia de receita deve estar acompanhado de medidas de compensação para que a meta fiscal não seja descumprida. Ou seja, ainda que os governadores embarcassem na aventura, eles deveriam compensar o corte de alguma forma, muito provavelmente aumentando outros impostos, de modo que outros produtos tributados acabariam subsidiando a isenção de ICMS sobre os combustíveis. Em segundo lugar, a incidência sobre os combustíveis representa em média 20% do total arrecadado pelos estados com o imposto, que é responsável por boa parte da arrecadação nas unidades federativas. Para a União, abrir mão dos impostos que incidem sobre os combustíveis representaria apenas 1,7% do total de sua arrecadação, conforme dados do Confaz, deixando o governo federal numa posição muito mais confortável para fazer a provocação, já que quem realmente arcaria com o ônus seriam os estados e os municípios, os quais devem constitucionalmente receber 25% do total arrecadado com o imposto. Vale ainda destacar que o ICMS tem alíquotas fixas e que só podem ser alteradas por lei, não sendo, portanto, responsáveis pela não redução dos preços nas bombas, como acusa Bolsonaro.

Redução da carga tributária pode ser sim um objetivo a longo prazo, mas como vimos, propostas populistas como essa não atenderiam a esse objetivo, já que seria necessário compensar a perda de receita. Tampouco teremos condições de experimentar redução da carga tributária no contexto atual, em que fechamos o sexto ano consecutivo com déficit fiscal, e o político que diz o contrário não passa de um mentiroso ou de alguém em delírio. A reforma tributária que logo será discutida no parlamento terá como principal objetivo a simplificação tributária, que é um dos assuntos mais urgentes nesse manicômio fiscal que é o Brasil, mas não se iludam com a ideia de que ela vai no curto prazo reduzir, ou pelo menos reduzir consideravelmente, a carga tributária, que atualmente gira em torno de 34% do PIB. Para quem responde que basta cortar gastos, não há muito mais espaço para cortar: segundo o Ministério da Economia, as chamadas despesas obrigatórias já consomem 96% do gasto total.

Ainda há os que, interpretando de maneira errônea a curva de Laffer, dizem que a arrecadação aumentaria à medida que a carga tributária fosse reduzida. O que a curva de Laffer afirma é que, a partir de um certo ponto de elevação dos impostos, o governo efetivamente passaria a perder arrecadação. Isso não significa que, se o governo passar a cortar a carga tributária, partindo do patamar atual, a arrecadação vai aumentar. Isenção por isenção, até a Dilma fez, e olhem no que deu. Não é antiliberal criticar a proposta populista do presidente. Responsabilidade fiscal deve ser um valor tão caro para os liberais quanto a diminuição do peso do estado em nossos bolsos, até porque o populismo fiscal sempre cobra seu preço mais tarde.

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