Jair Bolsonaro, que já passou por tantos partidos quanto Ciro Gomes, precisava de uma sigla para poder disputar as eleições passadas. O PSL, do empresário Luciano Bivar, tinha uma para oferecer. Saiu acordo.
Mas todos sabem que era um casamento de conveniência. Não havia "amor" sincero. Havia uma tolerância, pois se tratava de um acordo comercial para um lado, político para o outro. E claro que haveria problema.
Afinal, na onda do bolsonarismo, o minúsculo partido de Bivar, que antes flertava com o Livres "progressista", tornou-se um gigante, a maior bancada no Congresso. E isso quer dizer, em termos monetários, mais de R$ 100 milhões de fundo partidário este ano, podendo passar de meio bilhão no ano que vem.
É dinheiro demais, o que atrai olhos grandes. E do lado do presidente, há o claro desejo de exercer o controle do partido que ajudou a inflar. Mas gratidão não é o forte em política. Além disso, muitos membros do PSL passaram a criticar coisas do governo ou os filhos do presidente, e isso é inaceitável para Bolsonaro.
O presidente tem um projeto personalista de poder, com seu clã familiar e adjacências leais do núcleo duro. Fora disso, não confia em quase ninguém. Reclama do Major Olímpio pedindo a cabeça de Flávio no partido, mas foi o próprio grupo bolsonarista que o colocou lá. Reclama do Delegado Waldir, mas idem. Quer se afastar dos problemas laranjas, mas o ministro do Turismo é escolha bolsonarista também.
Além do mais, para onde ir? Para a UDN? O Patriotas? Está claro que boa parte do PSL não iria acompanhar, e Bolsonaro teria o mesmo problema de Collor: uma legenda pequena. Mal ou bem, o PSL hoje é o partido que vota mais de acordo com as pautas do presidente, o que era de se esperar.
O dilema é evidente. Bolsonaro quer mais controle do "seu" partido, mas em política cada um mira em seus próprios interesses, a começar pelo presidente. Esse slogan de Brasil acima de tudo, inclusive do partido, é conversa para boi dormir. Está claro que Bolsonaro coloca sua família e seu projeto pessoal de poder acima de tudo, inclusive do Brasil, e certamente do partido.
Não é saudável para a democracia projetos pessoais de poder, populistas e com culto à personalidade. Nesse aspecto, considero bem melhor um projeto como o do Partido Novo, calcado em princípios e valores. Por mais centralismo que haja por parte do fundador João Amoedo, que colocou dinheiro do próprio bolso e muita dedicação, e com razão não quer ver seu "filho" ser desfigurado por grupos oportunistas, o Novo mira em ideias, não pessoas. Bolsonaro, ao contrário, é maior do que qualquer partido.
Alguns acham que isso é bom, pois nossos partidos não passam de siglas de aluguel, fisiológicos, e também alegam que Bolsonaro representa, em si, uma ideia, no caso o conservadorismo. Não estou convencido disso. Bolsonaro flertou recentemente com o liberalismo econômico de Paulo Guedes, mas seu histórico é outro. Tem cores conservadoras em questões culturais, mas descamba para o reacionarismo muitas vezes, e para o nacional-populismo tantas outras.
A situação delicada do filho senador mostrou que a prioridade não é tanto o Brasil, mas a família. A indicação do outro filho para a embaixada americana reforçou essa imagem. Até que ponto, portanto, Bolsonaro não está usando o liberalismo para seu projeto pessoal de poder? Impossível saber.
Partidos importam. Os próprios bolsonaristas adoram tripudiar dos tucanos, por exemplo. Ninguém confiaria num "liberal" do PDT de Ciro Gomes, por exemplo. Ou seja, a linha partidária ainda tem alguma relevância, e é bom que seja assim. Sou favorável às candidaturas avulsas, mas elas serão casos isolados. Democracia se faz com partidos, que deveriam representar ideias.
Em suma, o PSL é um "saco de gatos", e o presidente, por sua vez, necessita de um partido. Na falta de boas alternativas, talvez o casamento de fachada continue. Como em muito relacionamento "amoroso", a dificuldade surge mesmo na hora de dividir o bolo, de negociar os direitos sobre os bens do casal. Bivar e Bolsonaro tentam se entender. Se nenhum dos dois for guloso demais, é possível chegar a um acordo. Caso contrário, a separação será inevitável.
"Meu partido é o Brasil" é um slogan não só falso, como populista. Afinal, não existe um único povo monolítico, que pensa de forma igual, que possa ser chamado de Brasil. São várias vertentes diferentes, plurais. Daí a importância de partidos para representar as mais básicas diferenças de visões de mundo dentro do mesmo Brasil. Se os partidos estão desviados desse propósito, tornaram-se siglas de aluguel, fisiológicas, isso é outra discussão.
Mas o projeto pessoal de poder de um clã político, com culto à personalidade, que fala em nome de todo um mesmo Brasil, deve ser condenado por seu evidente viés populista. Precisamos melhorar os partidos, nas aboli-los de vez.