Vivemos em tempos estranhos, de muita afetação e histeria, na era do vitimismo em que o homem branco parece ter se transformado no grande vilão da humanidade. Entre os movimentos atrelados a esse Zeitgeist, o feminismo radical é o que mais cresce e ameaça os pilares de nossa civilização. Ao levar o conceito marxista de luta de classes para dentro da família, para o relacionamento entre homem e mulher, esse feminismo tem criado um ambiente terrível no convívio entre os diferentes sexos.
A paranoia com o “assédio sexual” é reflexo disso. Todos os homens, de preferência os brancos, passaram a ser vistos como predadores, estupradores em potencial, culpados já ao nascimento, só por ter um pênis. E tudo passou a ser considerado “abuso sexual”, desde o ato do estupro até uma cantada mais inocente. As feministas falam numa “cultura do estupro”, como se o Ocidente fosse o Afeganistão. Ela serviria para preservar o modelo patriarcal de domínio e opressão. Mas existe mesmo isso?
A quem se interessa pelo assunto – e acho que ele deveria interessar a todos – recomendo o excelente Rape Culture Hysteria, de Wendy McElroy. Ela demonstra de forma minuciosa, com fatos e argumentos, que não existe uma cultura de estupro na América, e sim uma histeria sobre a tal cultura do estupro, fruto de uma estratégia deliberada do movimento feminista.
As acusações não são baseadas em evidências, estatísticas sérias ou na razão, e sim em ideologia, em mentiras e manipulações dos dados para que ajudem na narrativa que demoniza os homens brancos. A histeria impede justamente um debate mais sério, calcado nas evidências. Ela produz muito calor, mas pouca luz.
O objetivo final do feminismo politicamente correto é ambicioso, e passa pela desconstrução das instituições, da cultura e dos valores ocidentais, para reconstruí-los do zero de acordo com um conceito completamente distinto de “justiça social”. Homens inocentes que têm suas vidas destruídas no processo são apenas “dano colateral” sem importância, pois os “nobres” fins justificam quaisquer meios. Esse sempre foi o mantra das revoluções.
A essa altura, algumas feministas já podem objetar: como um homem branco pretende falar sobre estupro? Essa tática é antiga, e sempre foi usada pela esquerda. O rico não poderia falar sobre políticas sociais pois não passara fome, sendo que foi o ex-operário quem mais espalhou fome e desemprego no Brasil. O branco não pode falar de cotas raciais, pois não é negro e não sofreu preconceito. E por aí vai.
Essa estratégia já impede um debate objetivo, mas erra duplamente o alvo. Afinal, os pontos que trago aqui foram retirados do livro de uma mulher, feminista libertária, e que foi vítima de estupro e violência doméstica. Essas características fazem com que a autora seja realmente odiada pelo movimento feminista, pois as típicas acusações para intimidar ou calar o oponente não colam em seu caso.
Apesar de ter sido estuprada e agredida, McElroy não quis apelar para a vitimização, e nunca considerou ter sido abusada pelo “homem”, uma abstração coletiva, e sim por homens concretos, de carne e osso. Ela está ciente de que a maioria dos homens que conhece estaria disposta a se colocar em perigo para defendê-la. Nada pode ser mais injusto, portanto, do que coletivizar a culpa, o que inclusive retira a responsabilidade dos indivíduos que cometeram os crimes.
As feministas radicais não querem saber disso, pois usam as vítimas de abuso como mascotes em seu jogo ideológico de poder. A autora mostra vários casos em que a cautela na hora de averiguar os fatos foi abandonada, com consequências terríveis para os envolvidos. Vidas foram destroçadas porque alguém mentiu ou se enganou. O que uma mulher diz, hoje em dia, tem de ser verdade e ponto. Valores básicos de nossa civilização, como o benefício da dúvida e o “inocente até prova em contrário”, têm sido abandonados.
Uma guerra entre os sexos tem sido promovida, principalmente nas universidades, destruindo o reconhecimento de que somos todos seres humanos com uma humanidade compartilhada. A diversidade entre os sexos, que deveria ser celebrada, é tida como um instrumento de opressão masculina. As próprias mulheres que não aceitam participar desse jogo feminista são atacadas, comprovando que o feminismo não tem nada a ver com a defesa da mulher ou da diversidade.
A “cultura do estupro” é uma construção social que deriva do conceito de “patriarcado”, um sistema de opressão em que as mulheres se tornam a classe vítima. É assim que uma poderosa e bilionária Oprah Winfrey, ou mesmo Hillary Clinton, esposa de alguém que realmente abusou de mulheres, podem posar de defensoras das vítimas oprimidas.
No afã de produzir esse clima de histeria, as feministas precisam de altas taxas de “abuso sexual”. É por isso que o conceito se tornou tão elástico, e as estatísticas passaram a ser utilizadas sem qualquer critério científico. Elas falam em uma em cada cinco estudantes abusadas nas universidades, o que é simplesmente absurdo e desprovido de base factual. Os dados reais apontam para dez vezes menos, ou seja, uma em cada 50 – e, dessas, uma em cada três sofreram estupro de fato.
O número ainda incomoda, claro, pois o ideal é zero. Mas é bem diferente falar que uma em cada cinco alunas serão estupradas, ou uma em cada 150! A taxa geral de estupro nos Estados Unidos estava numa mínima histórica de 40 anos em 2013. São dados que não corroboram a paranoia intencional, e por isso são ignorados.
Mas não é a realidade que move esse movimento, e sim a ideologia. É por isso que os indivíduos culpados não são o foco das feministas, mas sim todos os homens. No primeiro caso, a resposta adequada é criminal, uma punição legal; no segundo caso, é uma transformação de todo o sistema, da própria sociedade, dos conceitos de gênero, família, linguagem etc. A “estrutura de poder” precisa ser revolucionada, e eis a meta real das feministas.
Admitir que não existe no Ocidente uma “cultura do estupro”, que o estupro não é a norma, mas a exceção, condenada pela imensa maioria dos homens, seria abrir mão de uma poderosa narrativa revolucionária. É por isso que a razão precisa ser substituída pela histeria.
Texto originalmente publicado na versão impressa da Gazeta