Nunca tinha lido nada de Yuri Vieira. Que desperdício! O prejuízo foi meu, certamente. Foi ler sobre seu livro A Tragicomédia Acadêmica – Contos Imediatos do Terceiro Grau, em A corrupção da inteligência, de Flávio Gordon, que fiquei curioso e o comprei. E logo o devorei.
Lembrei, depois, que meu editor Carlos Andreazza tinha me mandado de presente seu novo livro, A sábia ingenuidade do Dr. João Pinto Grande, cujo título já é uma comédia em si. Resultado: tive uma “overdose” de Yuri Vieira nos últimos dias, com a sensação de ter de recuperar o tempo perdido, de quando ainda não conhecia seus contos hilários, seu estilo envolvente.
Edmund Burke falou en passant do conceito de “imaginação moral”, que foi elaborado por Russell Kirk depois e se tornou uma ideia cara aos conservadores. G.K. Chesterton, T.S. Eliot, Tolkien e C.S. Lewis são exemplos claros de escritores que trabalharam bem com essa noção de “imaginação moral”, e transmitiram valores tradicionais por meio de suas histórias fantásticas e seus personagens encantadores.
Por acaso, terminei junto com os livros de Yuri a quinta e última temporada da série “Father Brown”, da BBC, inspirada no personagem criado por Chesterton, um dos meus favoritos (que delícia era ler seus contos antes de dormir!). Pois bem: o advogado de nome curioso, Dr. João Pinto Grande, remeteu-me ao Padre Brown, com sua postura cristã, seu desejo de realmente ajudar, fazer o bem, ser uma pessoa melhor, acreditar no outro, apostar no próximo, ter fé na humanidade, apesar de tudo.
Yuri passa as mensagens que eu tento também transmitir em meus textos, mas com incrível leveza e contando uma história divertida, muitas vezes surreal, que prende o leitor do começo ao fim. Até mesmo uma aula de Bitcoin e de escola austríaca ele conseguiu encaixar num conto que ficou, acreditem, leve e divertido. Há críticas ao feminismo, ao esquerdismo em geral, ao vegetarianismo radical, e tudo isso navegando pelas questões religiosas profundas, com excelentes diálogos.
No livro anterior, tem umas histórias bizarras que se passam na UnB como cenário, contendo críticas ácidas ao nosso modelo de ensino, aos professores, reitores, artistas e também psicólogos. Numa das histórias, em que o “artista” se torna uma “estátua viva” por acidente e é considerado um gênio, eu chorei de rir, mas depois percebi que era legítimo só chorar mesmo, sem rir, pois chegamos a esse grau de maluquice com nosso relativismo estético:
Até que um dia, desmaiou de exaustão sobre uma de suas telas. Sua cara ficou estampada ali. “Fantástico!”, afirmaram os críticos. “Ele encontrou um estilo próprio. Sente-se sua marca, sua personalidade em cada uma de suas obras. Um gênio!”
[…]
Fazia esculturas com argila. Usava-as, quando ainda úmidas, como travesseiro. Sua casa tornara-se um processo de criação artística. Os críticos aplaudiam. O dinheiro e a fama entravam.
Não é à toa que se trata de uma tragicomédia! A história com a psi também é extremamente engraçada, mas triste ao mesmo tempo, quando penso em tantos psicanalistas que conheço que são exatamente assim, super vaidosos, com um ego maior do que o mundo, tentando posar para a plateia em vez de realmente se conhecer a fundo, exatamente como a autoritária personagem que só se encontrou na academia, onde poderia exercer seu desejo de comando:
Quando se formou, Maria Eugênia foi trabalhar num sanatório. Não agüentou um mês. “Aqueles malucos! Nunca prestavam atenção no que EU dizia…” Depois tentou clinicar. Mas também não deu certo. “Os pacientes? Eles só queriam saber de si mesmos, não me deixavam falar…” Maria Eugênia teve, então, a feliz idéia de seguir a carreira acadêmica. “Mas Maria Eugênia…” “Cala a boca! Afinal quem que é a doutora aqui?” Havia encontrado o seu lugar. O lugar perfeito. Finalmente chegara onde ninguém seria louco o bastante a ponto de enfrentá-la. Os alunos a temiam e a admiravam. Nas reuniões e seminários era sempre sua a última palavra.
Se o leitor não conhece uma psi assim, é porque não conhece muitas psis. As taras moderninhas orientais, substitutas para uma religião mais exigente como o cristianismo, também são ironizadas nos contos, assim como o socialismo, a seita secular onipresente na academia. Um desses dinossauros viveu anos no esgoto e nem percebeu o tempo passar, exatamente como tantos militantes disfarçados de “professores” que pululam nossas salas de aula e não se deram conta da queda do Muro ainda:
Não acreditava que passara mais de vinte anos nos esgotos do Minhocão. Acabara o comunismo na União Soviética – acabara a União Soviética! – não havia mais o muro de Berlim e havia Mac Donald’s na China… Todos tinham um computador pessoal, internet e cartões magnéticos… Sim, ainda havia fome, miséria e injustiça… Mas, meu Deus, quantas transformações! E ele perdera vinte anos de vida! Tudo por causa dum relógio russo, comprado em Cuba, que usara todo aquele tempo e cujo ponteiro mal se movia. Triste, muito triste.
Nos contos novos, a criação do personagem Dr. Pinto Grande foi uma sacada e tanto, e em diferentes histórias lá está ele, o advogado humilde, que anda armado pois sabe que o mundo é uma selva, mas que está mais preocupado com os selvagens existentes em todos nós, que devem ser domados, domesticados, civilizados. Sua postura é elegante, contida, educada, e ele faz perguntas que levam o interlocutor a reflexões importantes sobre a essência da vida. E sempre com humor, claro, pois ele é fundamental para suportarmos melhor a vida:
Seu Roberto, antes de as pessoas perderem o bom senso, elas perdem o senso de humor. É sempre assim. Nós vivemos uma época complicada, revolucionária, cheia de gente que tenta negar, não os aspectos nocivos da nossa animalidade intrínseca, mas a própria natureza humana. Um dia, nosso corpo morrerá e não sobrará senão nossa humanidade. Nossa animalidade ficará na cova.
Tudo isso, repito, em histórias muito criativas, como as de Padre Brown, cuja pacata Kembleford seria o lugar mais perigoso do mundo, a julgar pela quantidade de assassinatos que o sagaz padre precisa desvendar. A influência de Chesterton parece evidente em Yuri, e não foi por acaso a escolha da epígrafe do livro, tirada de O que há de errado com o mundo, do escritor inglês: “Não apenas estamos todos no mesmo barco como também estamos todos mareados”.
Se essa mensagem for realmente absorvida, poderá haver mais tolerância de fato, mais humildade, mais boa vontade para com o próximo, mas sem romantismo bobo, sem falsas ilusões, sem a pretensão de que o amor seja suficiente para abandonarmos as nossas armas, necessárias para nossa defesa. Leiam Yuri Vieira! Estou certo de que não vão se arrepender, e terminarão a leitura pedindo mais Pinto Grande…
Rodrigo Constantino
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