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O liberalismo, desde o seu nascimento, foi tanto uma busca por liberdade como por ordem. Essa é a tese de Edmund Fawcett em Liberalism: The Life of an Idea, em que sugere quatro pilares básicos do liberalismo: aceitação dos conflitos inevitáveis na vida em sociedade; resistência ao poder estabelecido; progresso material; e respeito ao indivíduo.

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Segundo o autor, tais características distinguem o liberalismo de seus rivais do século XIX, o conservadorismo e o socialismo, assim como de seus competidores do século XX, o fascismo e o comunismo. Também o coloca como opositor de candidatos modernos, como o populismo nacionalista e a teocracia islâmica.

Falar de um movimento liberal único já é complicado, uma vez que ele não possui doutrinadores, uma Internacional monolítica, ou profetas como Marx e Engels para os comunistas. Não adota postura de seita fanática. O liberalismo, pela ótica de Fawcett, seria uma busca constante por uma ordem eticamente aceita do progresso humano entre pessoas civicamente iguais sem o apelo ao poder arbitrário.

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Num mundo em grandes convulsões e mudanças, o liberalismo teria surgido para tentar estabelecer uma ordem, mas dinâmica em vez de estática. Essa ordem deveria ser buscada sem uma autoridade divina também. O comércio internacional prevaleceria frente à guerra, e acordos substituiriam o uso da força. A educação e o ganho material ajudariam na obtenção dessa ordem ética. Indivíduos passariam a ser mais responsáveis por seus atos e decisões, escolhendo de forma mais sábia seu destino.

O liberalismo era e é, portanto, um ato de esperança na humanidade, um grito de otimismo que, para alguns conservadores, cheira à utopia. Mas avanços conquistados são inegáveis. Direitos civis, tolerância, governo constitucional, império das leis e liberdades individuais, tudo isso devemos em boa parte ao liberalismo. A crença otimista de que a sociedade e o caráter humano podem melhorar, progredir, está no cerne do movimento liberal. Mas, ao contrário do socialismo, o liberalismo não deseja criar uma “nova sociedade”, e sim gradualmente melhorar a existente.

Para o autor, enquanto o conservadorismo busca a estabilidade apelando para um passado fixo e idealizado, e os socialistas o fazem apelando para um futuro imutável e utópico, os liberais aceitam melhor as tensões criativas e imperfeitas do presente dinâmico. O fascismo apela para o nacionalismo, o comunismo para a unidade de classe, enquanto o liberalismo foca no indivíduo.

Os conflitos existentes na sociedade, para os liberais, não podem ser solucionados; apenas mitigados. Isaiah Berlin, com seu conceito de valores incomensuráveis, captura bem essa postura liberal. O que liberais modernos já não acreditam mais, em contrapartida a alguns economistas liberais do passado, é que o progresso material por si só levará aos demais objetivos nobres do liberalismo. A esperança é mais comedida hoje, mais realista.

Democracia e liberalismo não são sinônimos, como Guizot e Hayek atestaram. O liberalismo valoriza a liberdade política, mas não se engana quanto ao direito do voto ser garantia disso. O ceticismo liberal quanto ao poder serviu, ao longo do tempo, para se criarem mecanismos de pesos e contrapesos que pudessem limitar o poder estatal, mesmo quando o governo fosse eleito. O liberalismo é mais um fim, a democracia, um meio.

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O livro mergulha na vida e nos principais pensamentos de várias figuras intelectuais e políticas importantes para o liberalismo nos últimos séculos. O conceito adotado pelo autor é um tanto elástico, e inclui os “liberais” de esquerda. Não obstante, trata-se de um relato bastante interessante da trajetória das ideias liberais, tema do meu novo curso online que começou ontem pela Kátedra.

O mundo está uma vez mais diante de impasses importantes, de dilemas profundos, de ameaças totalitárias relevantes. Sempre que isso acontece, a confiança no liberalismo esvanece. Críticos alertam, com alguma razão, que as democracias liberais se tornaram covardes demais, excessivamente materialistas e hedonistas, e que sem a disposição ao sacrifício em nome de algo maior elas não têm chance contra seus inimigos.

Mas, em favor dos liberais, todos os profetas pessimistas do passado erraram, e o modelo liberal se mostrou mais resistente do que o previsto. Nem Hitler nem a União Soviética conseguiram derrubar a ordem liberal nos países civilizados. Não será o fanatismo islâmico que será capaz disso. Desde que as democracias liberais não sucumbam diante da tentação de se fechar, de matarem nelas justamente aquilo que faz a diferença.

O liberalismo se mostrou capaz de adaptações políticas quando necessário para sobreviver, de concessões. Pode não ser o ideal para os mais “puristas”, mas se a alternativa concreta é se transformar num regime fechado e totalitário, então as adaptações dentro do sistema democrático e da economia de mercado relativamente preservada parecem aceitáveis.

O projeto liberal, em sua essência, deve e vai sobreviver. Para Fawcett, isso engloba a busca por ordem apesar dos eternos conflitos e das mudanças ininterruptas, guiada pela resistência ao poder, pela fé no progresso, e o respeito aos indivíduos. É uma luta nobre que vale o sacrifício.

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Rodrigo Constantino