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O coração conservador: do protesto rebelde minoritário ao movimento social majoritário

brooks

Por que os liberais e conservadores têm a razão a seu lado, a história e os melhores argumentos, mas tantas vezes perdem os “debates” e os votos? Esse é um paradoxo que acompanha a direita há tempos. Cheguei a “brincar” em várias palestras que nosso departamento de marketing é muito ruim, e há boa dose de verdade nisso. Claro, a luta é desigual, a esquerda coletivista apela para o sensacionalismo, exime o indivíduo de responsabilidade por seus fracassos, promete utopias e privilégios sem esforços. Mas mesmo assim, a direita fracassa na transmissão de seu conhecimento e seus valores, deixando a esquerda monopolizar as virtudes e os fins nobres. Por quê?

O livro The Conservative Heart, de Arthur C. Brooks, presidente do prestigiado American Enterprise Institute, procura responder essa questão, e o faz colocando os próprios conservadores contra a parede. Brooks não alivia a barra de seus pares, e justamente porque acreditam na responsabilidade individual, os conservadores devem parar de buscar bodes expiatórios para seus constantes fracassos eleitorais e verificar o que estão fazendo de errado.

O livro traz uma mensagem muito importante, que não deve ser confundida apenas com estratégia de retórica ou convencimento, como o famoso livro de Dale Carnegie, e sim como um alerta sobre os métodos equivocados dos conservadores nos debates. Faço aqui meu mea culpa, pois, lendo o livro, que é sem dúvida muito persuasivo, deparei-me em vários momentos com a lembrança de como errei ao deixar meu desabafo falar mais alto do que meu objetivo real de atrair mais adeptos para o liberalismo que acredito e defendo. Do que adianta “pregar para convertidos”, afinal?

Os ideais conservadores que fundaram a América, de livre iniciativa, responsabilidade individual e valores morais tradicionais, são responsáveis pela redução da miséria humana numa escala impressionante e jamais vista. Por que, então, os conservadores e liberais encontram tanta dificuldade de passar esses fatos adiante? Os conservadores, que fazem mais caridade do que os esquerdistas pelas estatísticas, deixam a imagem de altruísmo ficar totalmente com o outro lado: como? O capitalismo salvou bilhões da pobreza, e ainda assim é visto como injusto e elitista por muitos: por quê?

Em parte, Brooks acredita que o atual modelo capitalista de fato tem produzido muitas injustiças, permitido o aumento da riqueza dos mais ricos sem elevar todos os barcos ao mesmo tempo, como já fez antes. Mas isso é justamente por conta de um sistema mais intervencionista, que tem permitido um “capitalismo de compadres” que torna os Estados Unidos mais parecidos com os países latino-americanos, por exemplo. Não conseguir explicar isso aos leigos é falhar em apontar o verdadeiro inimigo, que não é o capitalismo em si, mas seu modelo desviado que concentra privilégios por meio do estado.

Mas isso não pode ser feito, segundo Brooks, somente com argumentos técnicos e muito menos com “economês”, um vício comum dos conservadores. Falar apenas de crescimento do PIB, de déficit público, de impostos, é ignorar o fundamental: valores. Esses são instrumentos, são meios que os conservadores entendem como necessários para os fins que defendem. E quais são esses? Liberdade, a oportunidade para que cada um, com seu próprio trabalho e esforço, possa subir na vida, ter uma qualidade digna de existência, e buscar sua própria felicidade.

Brooks acredita que os conservadores perderam o contato com essas reais finalidades, e que, ao não insistirem numa mensagem mais moralizante, deixam o caminho livre para os esquerdistas conquistarem toda a imagem de que só eles se importam com os mais pobres. Ou seja, os conservadores possuem os melhores caminhos para fins almejados por quase todos, mas não chegam aos seus corações com sua mensagem, criando antipatia, rejeição, desconfiança. Quem vota num político que não se importa com os mais pobres? A esquerda fez um bom trabalho ao associar tal egoísmo aos conservadores “elitistas”. É preciso desfazer essa falsa imagem.

Compaixão e justiça, essas devem ser as palavras resgatadas pelos conservadores em seus discursos. É fundamental parar de ser pautado pela própria esquerda e ficar apenas falando sobre o que é contra, e passar a defender os valores conservadores, a mensagem liberal contida na fundação da América. A esperança, não aquela falsa repetida por Obama, mas uma esperança genuína de quem acredita no potencial da nação e dos seus cidadãos, precisa exalar de cada linha conservadora e liberal. O conservadorismo não pode ser associado a um velho ranzinza sem senso de humor, que só reclama da vida. Isso pode gerar consolo para os revoltados, mas não ganha corações, nem votos.

A rede de proteção social, por exemplo, não deve ser descartada pelos conservadores, diz Brooks. Muitos, como Hayek e Reagan, defenderam a ideia, e justamente porque a direita sabe que o modelo de estado de bem-estar social como desenhado pela esquerda é insustentável, ela precisa defender a responsabilidade fiscal, mas sem perder de vista o objetivo: é para garantir a rede de proteção básica para os que realmente ficaram para trás, e precisam de ajuda para se reerguer. Essa mensagem não é antiliberal, e ao condenar qualquer ajuda estatal, a direita permite o monopólio da imagem de preocupação com os mais pobres pela esquerda.

O pobre não pode ser visto como um passivo para a sociedade, e sim como um ativo em potencial, que precisa de melhores oportunidades para deslanchar, por conta própria. Somente o trabalho dá dignidade, não esmolas. Muitos sabem disso, inclusive os pobres que já tiveram que aceitar benefícios temporários do governo. Os conservadores precisam bater nessa tecla: o trabalho não é um fardo, uma punição, mas uma bênção!

Brooks expõe o caso do Doe Fund, uma ONG que ajuda mendigos e sem-tetos, a maioria formada por ex-viciados, a se endireitar na vida, arrumar trabalho. Começam de baixo, limpando o lixo das ruas. A esquerda acha que isso é exploração. Os conservadores – e esses mendigos recuperados – sabem que não é exploração, e sim oportunidade de um recomeço. O trabalho dignifica o homem, eis uma mensagem conservadora que precisa ficar mais clara. Sem excessivo materialismo, sem falar apenas de dinheiro, pois não é disso que se trata.

A vida do próprio Brooks é interessante, pois foge do estereótipo conservador. Ele era um músico profissional, que vivia rodando o mundo em seus concertos, mal pagando o aluguel. Apenas mais velho, no meio dos trinta anos, resolveu voltar a estudar, fez faculdade à distância, recebeu seu Ph.D., e com pouco mais de 40 já era o presidente de um dos “think tanks” mais admirados do mundo. Esforço pessoal, otimismo, esperança, e oportunidades, tudo sem perder de vista o real objetivo, que é a busca da felicidade. Uma vida mais feliz, segundo estatísticas, depende de valores como família, comunidade, fé e um trabalho produtivo. São justamente os pilares do conservadorismo!

O “sonho americano” está em xeque hoje, com milhões de americanos dependendo de benesses estatais, sentindo que não há mais um ambiente de oportunidade justa para todos, para quem quer arregaçar as mangas e trabalhar, correr atrás de seus sonhos. Isso não é culpa do capitalismo liberal, mas do intervencionismo que cria o “capitalismo de laços”. Esse fato precisa ficar mais claro para o público em geral. Os conservadores devem lutar para resgatar o “sonho americano” focando no americano médio, naquele do andar de baixo, em vez de ser associado a um elitista defensor de bilionários.

Não é disso que se trata. Os conservadores e liberais respeitam os bilionários que chegaram lá por mérito próprio, mas sabem que a grande vantagem do capitalismo é oferecer a todos mais oportunidades, inclusive e principalmente aos mais pobres. Mas isso não está claro para muitos, e a própria mensagem conservadora é parcialmente responsável por esse engano. Um protesto rebelde contra “o que está aí”, como o Tea Party, pode capturar muitos adeptos, mas continuará sendo minoritário se não conseguir se comunicar com a ampla maioria.

E eis o xis da questão, para Brooks: uma rebelião é relativamente simples, basta identificar a causa do sofrimento (excesso de governo), recrutar outros insatisfeitos e lutar contra o inimigo. Mas rebelião, por definição, não é um movimento majoritário. Trata-se de um combate de “nós”, os mais fracos e justos, contra “eles”, os poderosos e opressores. Mas se os conservadores desejam sair da zona de conforto da rebelião e efetivamente produzir resultados duradouros, então precisam conquistar a maioria. Para tanto, precisam endossar valores aceitos pela maioria, fazê-lo em nome de conceitos morais, e unir o país em torno de uma agenda comum positiva, que resgate a esperança da população no futuro.

Rebeldes rabugentos não conseguem esse tipo de coisa. Os conservadores precisam aceitar que têm fracassado na comunicação com as massas, com os mais leigos, com aqueles independentes que não se importam muito com política, e votam mais com as emoções do que com a razão. Reagan deve ser uma inspiração, pois ele sabia da importância do bom humor, da mensagem positiva, do sorriso e dos valores morais. Atacar inimigos com virulência pode trazer alguma satisfação pessoal, mas não vai mudar o mundo, não vai atrair para a causa os indecisos. Pelo contrário: irá afastá-los, reforçando a imagem de que os conservadores são insensíveis.

O livro de Brooks deve ser lido por todos aqueles que desejam, mais do que o regozijo do próprio desabafo, um resultado melhor, um mundo mais livre e próspero, onde cada um pode buscar a própria felicidade em um ambiente mais justo de oportunidades melhores para todos. Não é fácil engolir “sapos” e evitar cair no jogo da própria esquerda, mas é fundamental criar o hábito de falar mais sobre o que defendemos em vez de bater no que rejeitamos. E fazer isso com um sorriso no rosto, com senso de humor, e com respeito aos que discordam de nossa agenda de forma legítima, provavelmente por não conhecerem a fundo nossos argumentos. Desejamos ou não conquistá-los para o lado de cá, que julgamos ser o lado correto, direito?

Rodrigo Constantino

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