Dono de incrível talento literário, agora reconhecido pelo Prêmio Nobel, o peruano Mário Vargas Llosa é também um ótimo escritor de crônicas políticas. E, ao contrário de muitos de seus colegas, ele não é um puxa-saco de caudilhos de esquerda, e sim um incansável defensor da democracia liberal. A coletânea de artigos reunida no livro “Sabres e Utopias” demonstra todo o bom senso e a racionalidade deste grande escritor. Tratam-se de qualidades raras entre os romancistas latino-americanos.
Sob a influência de grandes pensadores como Popper, Mises e Isaiah Berlin, Vargas Llosa defende a sociedade aberta, um modelo liberal de pluralidade e tolerância, contra todos os tipos de coletivismos autoritários. Para ele, não existem soluções definitivas para os males que assolam a humanidade. Podemos apenas evoluir, mas devemos sempre evitar as tentações utópicas, aquelas que prometem um paraíso terrestre e costumam entregar, na realidade, o inferno.
Vargas Llosa considera a liberdade política e a liberdade econômica dois lados da mesma moeda. Isso fez com que ele rejeitasse os autoritarismos de “direita” também. A economia de mercado deve sempre andar de mãos dadas ao Estado de Direito, com garantias individuais, como a liberdade de expressão e artística. Sua desconfiança em relação aos militares, que colocariam fim às ameaças marxistas no continente, sempre foi total. Pinochet, por exemplo, era visto como um “assassino e ladrão”. Não existem dois pesos e duas medidas, como acontece com muitos de seus colegas de esquerda.
A covardia “politicamente correta”, típica dos intelectuais da região, simplesmente não faz parte da personalidade de Vargas Llosa. Seus princípios liberais são seu único norte. Quando o presidente Lula abraçou o ditador Fidel Castro, enquanto o cadáver do dissidente Orlando Zapata ainda esfriava, Vargas Llosa escreveu sobre a sensação de asco que vivenciara. O escritor lamentou ainda as amizades do presidente brasileiro com a “escória da América Latina” e com a teocracia iraniana. A popularidade de um governante não representa obstáculo algum para o julgamento imparcial de Vargas Llosa.
A insistência das crenças utópicas abaixo da linha do Equador é um tema recorrente em suas crônicas. Para Vargas Llosa, não há problema se a busca pela utopia for uma aventura individual, por meio das artes e da literatura. O perigo é quando tentam transportar tal busca para o campo da política social. Querer “moldar a sociedade ignorando as limitações, contradições e variações do ser humano, como se homens e mulheres fossem uma argila dócil e manipulável capaz de se ajustar a um protótipo abstrato, concebido pela razão filosófica ou pelo dogma religioso com total desprezo pelas circunstâncias concretas, pelo aqui e agora, isso contribuiu, mais do que qualquer outro fator, para incrementar o sofrimento e a violência”.
O nacionalismo foi um dos maiores entraves ao desenvolvimento da América Latina, e por isso mesmo um alvo incessante de Vargas Llosa. O “outro”, um estrangeiro, sempre foi utilizado como bode expiatório para os nossos infortúnios. Os ataques aos “imperialistas” sempre alimentaram a retórica dos oportunistas. O antiamericanismo é a marca registrada de inúmeros intelectuais latino-americanos. Vargas Llosa se destaca neste mar de estupidez, reconhecendo que “o nacionalismo é a cultura dos incultos”. A globalização, econômica e cultural, tem sido uma bandeira constante do escritor.
Em suma, Vargas Llosa tem lutado a boa luta, consciente de que os liberais precisam vencer batalhas no campo das idéias, mas que a guerra jamais acabará. Não existem panacéias neste mundo. Devemos sempre evitar o fanatismo, as utopias, as soluções mágicas. Precisamos disseminar uma cultura da liberdade. Ele tem feito sua parte, sem dúvida, de forma brilhante.
Rodrigo Constantino
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