Gramsci
Gramsci é a criação dos anos 1960, o símbolo de uma geração ávida por liderança, mas confiante somente naqueles que estavam seguramente mortos – preferivelmente mortos, como Gramsci, na interminável luta contra o inimigo “fascista”.
A ideia do herói revolucionário não é, de forma alguma, nova. Na realidade, é um dos mais interessantes paradoxos do marxismo que este tenha combinado uma teoria da história que nega a eficácia da liderança com uma prática revolucionária que depende inteiramente da liderança para seu sucesso, e que foi capaz de consolidar-se no poder somente por estabelecer hábitos de adoração ao herói revolucionário.
Gramsci foi para os anos 1960 o que Lenin e Stalin foram para os anos 1930 e 1940; ele convenceu seus seguidores de que a prática revolucionária e a correção teórica são preocupações idênticas; de que o aprendizado traz a sabedoria; e de que a sabedoria é revolucionária. Ou seja, ele mostrou que os de esquerda são intelectuais, e que os intelectuais de esquerda têm o direito de legislar.
Ele assim sustenta uma das premissas indispensáveis do esquerdismo moderno: a premissa segundo a qual, em virtude de meu conhecimento e inteligência superiores, eu, o intelectual crítico, tenho o direito de legislar sobre você, o homem que meramente prejulga.
A súbita canonização de Gramsci depende de certas características de seu destino que o tornaram mais que simplesmente útil aos revolucionários sentimentais dos anos 1960. Primeiro, ele estava morto, e então, como indiquei, incapaz de enganar por meio de sua fraqueza ou abalar por sua força.
Stalin foi desmascarado, e certa suspeita começou a cair sobre Lenin. É verdade que sempre houve Trotsky, mas Gramsci possuía uma vantagem de que Trotsky não poderia lançar mão: ele não apenas estava morto, mas havia morrido na luta contra o fascismo.
Mesmo se aceitarmos a identificação – altamente fortuita – do nacional-socialismo com o fascismo italiano, falar de um ou de outro como o oposto político verdadeiro do comunismo é cair em uma ingenuidade perigosa. Comunismo, assim como fascismo, envolve a tentativa de criar um movimento popular de massa unido a um Estado submetido à regra do partido único, no qual haverá total coesão para o objetivo comum.
Envolve tomar conta – em “nome do povo” – dos meios de comunicação e educação, bem como implantar um princípio de comando sobre a economia. Ambos os movimentos consideram a lei muito falível, e os parâmetros constitucionais muito irrelevantes – pois são essencialmente “revolucionários”, governados desde cima por uma “disciplina de ferro”.
A diferença mais importante, historicamente, é que enquanto os governos fascistas mais frequentemente chegaram ao poder pela eleição democrática, os governos comunistas sempre o fizeram por meio de um golpe de Estado. A réplica seria que o comunismo talvez seja assim na prática, mas somente porque a prática traiu a teoria.
É claro, o mesmo poderia ser dito do fascismo, mas foi uma importante estratégia da esquerda – e o maior componente da propaganda soviética pós-guerra – contrastar um comunismo puramente teórico com o fascismo “realmente existente”, de forma a reforçar a visão de que o comunismo e o fascismo são opostos. Assim, uma promessa de paraíso é contrastada com a realidade do inferno.
Não somente isso ajuda a associar à causa da revolução todos aqueles que estiveram envolvidos na “luta contra o fascismo”; também reforça um hábito intelectual independente, sem o qual muita propaganda comunista seria totalmente ineficaz – o hábito de pensar em dicotomias, de representar tudo como um “ou/ou”, de induzir o pensamento, por quaisquer meios, de que aqueles que não estão conosco estão contra nós.
Contudo, há outra razão para a canonização de Gramsci. Ele ofereceu a teoria que prometeu ao mesmo tempo resolver o problema dos “tão falados grandes homens” e estabelecer o direito do intelectual à ascendência política. Em outras palavras, ele buscou efetivar a transição da interpretação à transformação.
A política comunista envolverá a substituição sistemática da hegemonia dominante. Assim, a superestrutura será transformada de forma gradual, ao ponto em que a nova ordem social, cuja emergência foi permanentemente bloqueada pela velha hegemonia, pode finalmente vir à tona sob seu próprio impulso.
Assim, o partido deve ser integrado à sociedade civil – ele deve gradualmente impor sua influência em toda a sociedade e, na realidade, substituir toda organização que sustenta alguma posição dentro da hegemonia da influência política.
Para o realista que pergunta como, nesta sociedade do futuro, conflitos devem ser acomodados ou resolvidos, Gramsci não tem resposta. Pois o comunista divide com o fascista um desprezo primordial pela oposição: a proposta da política não é viver com a oposição, mas liquidá-la. A questão da oposição é, no entanto, a mais importante questão da política moderna.
Presume-se que as condições de conflito são sociais, e modificáveis, dependentes das “relações antagônicas de produção”, estas relações contra as quais os marxistas tudo objetam. Mas se as condições de conflito residem, como elas evidentemente o fazem, na natureza humana, então ter esperanças por sua remoção é acalentar uma esperança inumana e ser levado a uma ação inumana.
O apelo da teoria política de Gramsci é evidente. Ela oferece a completa justificação para o intelectual de esquerda em sua ânsia por poder. Além disso, o intelectual não precisa imergir no proletariado de forma a trabalhar pela revolução. Pelo contrário, ele pode tranquilamente seguir comodamente em qualquer cargo político ao qual tenha sido convidado, e trabalhar para a queda da hegemonia “burguesa” enquanto aproveita seus frutos.
Uma tal filosofia é extremamente útil para o intelectual – cujas visão e paciência seriam severamente desafiadas fora da universidade – e é a filosofia natural da revolução estudantil.
Gramsci iniciou, assim, um padrão de evasão comunista: um vasto movimento popular que é anticomunista nunca é um movimento de “massas”, ao passo que um golpe de Estado por intelectuais comunistas é sempre apoiado pelas “massas”, não importa a força e a natureza da oposição. Movimentos como o fascismo são movimentos da “pequena-burguesia” – e quão frequentemente encontramos esta bobagem nas páginas de nossos mais escrupulosos historiadores, quando escrevem sobre a ascensão de Hitler ao poder?
Em suma, a teoria dos Cadernos do Cárcere é a verdadeira teoria do fascismo: do poder que tomou conta da ambição de Gramsci, ao percebê-lo em outras mãos. Quando, em um de seus primeiros artigos, Gramsci descreveu o proletariado como o modelo de uma unidade ideal, uma fascio, ele antecipou em sua esperança precisamente a forma da ordem social que foi mais tarde alcançada pelo seu rival.
A filosofia da práxis – assim como o “dinamismo” filosófico de Mussolini e, como esta filosofia, muito influenciada por George Sorel – mantém seu charme para o intelectual precisamente porque lhe promete ao mesmo tempo o poder sobre as massas e uma unidade mística com elas. Mas esta é a promessa do fascismo, e se a esquerda precisa constantemente identificar o fascista como seu único inimigo, nós não precisamos de mais explicações. Pois há modo melhor de esconder as intenções de alguém que as descreva como as intenções de seu inimigo?
Sartre
Nenhum pensador europeu é mais verdadeiramente representativo da intelligentzia pós-guerra que Jean-Paul Sartre, e nenhum atesta melhor a consciência coletiva desta intelligentzia como uma consciência do Inferno. Ao mesmo tempo, os escritos de Sartre são charmosos, mefistofélicos, seduzindo o leitor com um tipo de graça diabólica em direção ao altar do Nada, onde tudo que é humano é lançado às chamas.
E ver um talento tão monumental dar expressão a tamanha falsidade é entender o poder da ideologia esquerdista e também a condição perturbadora que a inspira.
Um verdadeiro romancista poderia ver em Roquetin o que ele é: um adolescente moralista que traveste seu vazio em algo sagrado. Um tal romancista teria visto a pequenez humana de Roquetin, e reconheceria nele o pecado capital, e a suprema infelicidade, do orgulho. Mas Sartre partilha do vício de seu herói, e, em vez de se distanciar dele, ele busca, pelo contrário, dignificá-lo com os mais elevados atributos teológicos. Ele deseja trazer para se mesmo a salvação, a partir da substância dura de sua descrença.
Não há natureza humana, Sartre argumenta, já que não há Deus para haver uma concepção dela. Essências, como construções intelectuais, desaparecem junto da mente que as conceberia. Nossa essência não é determinada por nenhuma moralidade universal, e não existe nenhum destino pré-dado que poderia conter uma visão de natureza humana.
Para Sartre não há salvação no amor ou na amizade, todas as relações com os outros são envenenadas pelo corpo – o em-si – que encarcera nossa liberdade.
E a fria consciência da corrupção que leva o cristão a Deus leva Sartre, que não vê Deus, a seu santuário interno e solitário, onde o self é reverenciado em meio a desordenados ícones de seu fútil mundinho de faz-de-conta.
Ao liberar o gênio da autenticidade, ele pode, então, fazer sua ordem secreta, e sua ordem é destruição. Nada real pode ser “autêntico”. O autêntico define-se sempre em oposição aos outros – em oposição ao mundo que eles criaram e no qual eles se sentem em casa.
Em outras palavras, o marxismo destrói a realidade em favor de uma ideia.É exatamente esta postura da negação que conduz oself autêntico a identificar-se com a filosofia revolucionária de Marx. Pois mesmo se esta identificação é supremamente injustificada, ela oferece, no entanto, a mais fácil libertação de uma situação de intolerável dor: a situação de um ser completamente sozinho em um universo sem deuses.
A retórica da totalidade esconde o lugar vazio no coração do sistema, onde Deus deveria estar. Para Sartre, a totalidade não é nem um estado nem um conceito, mas uma ação. Não reside na natureza das coisas, mas é trazida a elas pela fúria “totalizante” do intelectual. A totalização é concebida em termos existencialistas, como a ação transcendental do self. Mas é também um momento milagroso de unidade, no qual o corte na realidade extingue-se e o mundo é curado. Esta união mística, como a união da lança e do Graal, junta as metades nostálgicas de um mundo clivado. Quando o intelectual chegar a tocar as candentes mãos do proletariado, então a mágica má da ordem “burguesa” está posta de lado e o mundo se completará.
É claro, é sempre como objetos materiais que nos relacionamos uns com os outros, e se O Ser e o Nada é um guia para a condição humana, então nenhuma transição para as “relações socialistas de produção” poderia superar esta incapacidade que nossos corpos mesmos impõem. Em todo caso, já não estamos cansados desta condenação tautológica da realidade capitalista, que define o que pode ser comprado como uma coisa e então diz que o homem que vende seu trabalho, ao tornar-se uma coisa, deixa de ser uma pessoa? De qualquer maneira, deveríamos reconhecer que, de todas as defesas mentirosas oferecidas para a escravidão, esta é de longe a mais perniciosa. Pois o que é trabalho não comprado, se não o trabalho de um escravo?
Vemos emergir de suas páginas as mesmas destrutivas fantasias, as mesmas falsas esperanças, o mesmo ódio patológico do imperfeito e do normal, que caracterizam todos os seguidores de Marx, de Engels e Mao.
As relações de mercado não são a expressão da liberdade econômica, mas a concreta sujeição do homem ao diabólico reino do Outro. A outridade envenena todos os benefícios que o capitalismo nos oferece: nossa democracia não é democracia verdadeira, mas meramente a “democracia burguesa”, e quando um homem vota sob nosso sistema de governo ele sempre vota como o Outro, e não como ele mesmo. Contra estas mentiras desgastadas, Sartre tenta novamente induzir nossa cumplicidade à percepção marxista da história moderna.
É inevitável que um jacobino moderno use a palavra “povo” como Sartre usa – para sugerir uma unidade que poderia realmente “escolher o socialismo” e construí-lo com suas próprias mãos coletivas, ou no mínimo, coletivizadas. E é inevitável que este “povo” fosse visto como uma forma de unanimidade. A alternativa – ação coletiva na ausência do acordo total – se parece muito com uma “instituição” para que Sartre chegue a reconhecê-la pelo que ela é, a saber, o melhor que está à disposição dos homens.
O operário é reduzido a mero instrumento, não pela labuta do capitalismo, mas pela retórica ardente do intelectual de esquerda. O operário é um meio para a exaltação intelectual, e pode ser abolido sem escrúpulo se não cumprir sua tarefa. É esta aniquilação totalmente intelectual do trabalhador meramente empírico que tornou possível seu extermínio em massa no mundo meramente empírico.
É com uma sombria incredulidade que alguém lê sobre seu apoio a regimes de extermínio que uniram os intelectuais e os trabalhadores somente em lugares de “reeducação”, nos quais eles arquejaram as suas últimas horas miseráveis.
A peregrinação de Sartre é um exemplo soberbo da busca revolucionária. Como Marx, ele estava cativado por um ideal de emancipação absoluta – de relações entre pessoas que não obedecem lei alguma exceto àquelas que são livremente escolhidas.
Ele comprometeu-se com a destruição e, mais ainda, com a destruição da liberdade limitada e imperfeita que ainda podemos atingir – uma liberdade distante, ainda, da “liberdade total” da qual gozam os sujeitos no império soviético. Desejando somente o que é abstrato e “totalizado”, ele condenou o que é real à miséria e à servidão.
Foucault
Não interessa o poder que reine nos céus da política, a vida intelectual na França tende a adotar os modos e maneiras dos jacobinos.
Na busca pela autenticidade, o esquerdista tem uma necessidade permanente de um inimigo. Seu sistema é o da destruição. Ele sabe do caráter ilusório dos valores e encontra sua identidade em uma vida vivida sem os enganos fáceis que regram a vida de outros. Já que ele não tem valores, a seu pensamento e a sua ação pode ser dada somente uma garantia negativa.
O inimigo deve ser uma fonte de mistificação e engano; ele deve também possuir um poder elaborado e secreto, poder sustentado através de um sistema de mentiras que subjaz seus valores. Um inimigo tal merece ser desmascarado, e há um tipo de virtude heróica em seu agressor, que liberta o mundo de tal asfixiante e secreta influência.
Sob a influência dupla de Marx e Flauber, o burguês emergiu do século XIX como um monstro que se esquecera de suas origens humildes. Ele era o “inimigo de classes” do dogma leninista, a criatura a quem somos convocados pela história a destruir; era também o depositário de toda moralidade, toda convenção, todos os códigos de conduta que poderiam impedir a liberdade e esmagar toda ebulição da vie bohème.
A burguesia finalmente emerge como a defensora de uma ilusória “normalidade”, preocupada em proibir e oprimir todos aqueles que, ao desafiar sua normalidade, desafiam também o domínio social e político que ela valida e dissimula.
O “burguês” da recente iconografia é um mito. Mas ele carrega uma semelhança com o cidadão comum que, vendo-se distorcido neste retrato, fica perturbado com o pensamento de possibilidades morais. De forma entusiástica, ele confessa crimes puramente hipotéticos. Começa a exaltar o gauchiste como o absolvedor de sua consciência corrompida. O galchiste, então, torna-se o redentor da classe cujas ilusões ele foi convocado a desmascarar, nada mais que a virtude necessária de sua profissão – ele desfruta de abundante privilégio social.
Escolhi Michel Foucault, o filósofo social e o historiador das ideias, como o representante da esquerda intelectual francesa. Deve ser ressaltado, ademais, que a posição de Foucault foi constantemente cambiante e que ele mostra um sofisticado desprezo por todos os rótulos disponíveis. Ele é também um crítico (embora, até seus últimos anos, um crítico um tanto quanto calado) do comunismo moderno. No entanto, Foucault é o mais poderoso e ambicioso daqueles que buscaram “desmascarar” a burguesia, e a posição da esquerda foi substancialmente reforçada por seus escritos.
O tema que unifica a obra de Foucault é a busca pelas secretas estruturas de poder.
Cada episteme, para Foucault, é a serva de algum poder ascendente, e teve, como sua função principal, a criação de uma “verdade” que serve ao interesse do poder. Assim, não há verdades estabelecidas que não sejam também verdades convenientes.
A província da linguagem e a província da razão são coextensivas, e se a loucura contém suas próprias “verdades”, como Foucault proclama, estas são essencialmente inexprimíveis. Como, então, podemos imaginar corretamente uma “linguagem” da desrazão na qual as verdades da loucura são expressas, e para a qual devemos agora afinar os ouvidos? A ideia de uma tal linguagem é a ideia de um monólogo delirante, que nem o homem da razão, nem o próprio louco poderiam entender.
No século XIX, a loucura tornou-se uma ameaça a toda estrutura da vida burguesa, e o louco, ainda que superficialmente inocente, é profundamente culpado por sua falência em submeter-se às normas familiares. A maior ofensa da loucura é contra a “família burguesa”, como Foucault a chama, e é a experiência desta família que dita a estrutura paternalista do asilo.
A retórica de Foucault vem para nos hipnotizar de alguma forma numa intrínseca conexão entre “burguesia”, “família”, “paternalismo” e “autoritarismo”. Fatos históricos – tais como a família camponesa ser mais autoritária; a família aristocrática ser mais paternalista que a família conhecida como “burguesa”; ou a classe média mostrar uma capacidade para acalmar a agitação da vida doméstica, o que raramente combinou com a parte mais alta e mais baixa do espectro social -, todos estes fatos são esquecidos.
É natural que a ascensão quase simultânea do sistema prisional, do hospital e do asilo de lunáticos não vai passar despercebida pelo suspeito iconógrafo do homem burguês. E há algo persuasivo na análise inicial foucaultiana da transição das punições exemplares de nossos ancestrais ao sistema de confinamento físico.
“É suspreendente que prisões se assemelhem a fábricas, escolas, quartéis, hospitais; que todos pareçam prisões?”, pergunta Foucault.
Não, não é surpreendente. Pois se desmascararmos as instituições humanas o suficiente, sempre encontraremos este núcleo escondido de poder pelo qual Foucault se sente fascinado e ultrajado. A única questão é se este desmascarar revela a verdade sobre seu assunto, ou se não é, pelo contrário, uma nova e sofisticada forma de mentira.
O que não é trivial é a ideia inteiramente sem garantia e ideologicamente inspirada de dominação com a qual Foucault lustra suas conclusões. Ele logo assume que, se há poder, então ele é exercido nos interesses de algum agente dominante. Assim, por uma artimanha, ele é capaz de apresentar qualquer ocorrência de ordem social – até mesmo a disposição para curar o doente – como um exercício furtivo de dominação que busca manter os interesses “daqueles no poder”.
Como uma instância de uma velha confusão marxista (a confusão que identifica uma classe como o produto do poder, e então o poder como a busca de uma classe), a análise de Foucault pode ser deixada de lado. Mas é necessário relembrar suas importantes consequências políticas.
Isto significa que toda “justiça” será reduzida a uma “luta” entre facções opostas, um julgamento por ordálio, no qual, presumivelmente, aquele que fala com a voz do proletariado receberá o prêmio.
Em resumo, é somente a maior ingenuidade, sobre a natureza e a história humana, que pode permitir a Foucault acreditar que sua “justiça proletária” é uma forma de justiça, ou que, na luta em busca dela, ele está libertando a sociedade da ferrugem do poder. Pelo contrário, toda ordem social é composta do “poder” de Foucault, e um Estado de direito, que é a mais alta forma de ordem, é simplesmente a melhor e mais mitigada forma dele.
O ‘desmascarar” de Foucault revela não a essência da ação e do pensamento humanos, mas meramente a substância subjacente da qual as instituições humanas e a própria vida são feitas. Reduzir tudo a este núcleo “escondido” é, em efeito, reduzi-lo a nada. E não poderíamos nos surpreender ao ver que é precisamente este nada que se torna, assim, o deus escondido.
Nota do blog: os trechos acima foram retirados do ensaio de Roger Scruton presente no livro Pensadores da Nova Esquerda, lançado no Brasil pela É Realizações editora.
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