Esse é o fio condutor para uma defesa de um estilo de vida mais emotivo, mais “instintivo”, apesar de o autor reconhecer que não seja possível “desmorder” a mação do conhecimento. Eu já penso que a civilização como a conhecemos, em especial a ocidental mais avançada, serviu justamente para domesticar o animal homem, conter sua besta interior, e que isso, apesar de gerar mal-estar, como sabia Freud, serve para uma vida melhor, mais pacífica e com mais qualidade. Apesar das neuroses.
É essa premissa que Giannetti coloca em xeque em seu livro. Ele menciona a enorme quantidade de drogas – lícitas e ilícitas – consumidas pelos ocidentais, ou a violência reprimida que encontra vazão sempre que possível, para questionar se o tiro não saiu pela culatra. A culpa sexual incutida pelo cristianismo, por exemplo, merece ácidas críticas. Mas será que a “naturalidade” dos índios com o sexo era mesmo melhor? E até que ponto esse vazio existencial de hoje não é consequência justamente do ataque às religiões, do hedonismo existencialista, das bandeiras “progressistas” vendidas pela esquerda?
Em suma, julgo suas críticas aos excessos ocidentais como válidas, mas é preciso tomar cuidado com duas coisas: 1) não tomar o exagero como regra, e criar uma imagem caricatural da sociedade; 2) não idealizar as alternativas, como se outras civilizações tivessem de fato conseguido alcançar equilíbrios mais saudáveis. Giannetti não é um utópico boboca, apesar de beber um tanto em Rousseau e companhia nessa obra. Mas acho que peca por essa “falácia do Nirvana”: comparar uma realidade imperfeita com uma alternativa “sonhática”, bem ao estilo de sua companheira política, Marina Silva.
Giannetti enaltece nossa “vocação para a felicidade”, expressa em festas como o Carnaval, em que uma multidão se sacode ao ritmo de samba celebrando o simples fato de estar vivo. Ele elogia nossa maior sensualidade, como contraponto aos “quadrados” anglo-saxões. Mesmo em meio à precariedade material, saberíamos viver melhor, segundo o autor. Mas até que ponto não é justamente essa passividade que nos impede de avançar, de progredir mais, do ponto de vista material?
“O dom da vida como celebração imotivada”, escreve Giannetti. Mas fico com a impressão de que ele quer ter e comer o bolo ao mesmo tempo. Deseja mais progresso material, sem dúvida, pois reconhece que somos pobres, que fracassamos em diversas metas sociais, no básico até, como saneamento, educação, segurança, transporte e saúde. Mas quer chegar mais perto dos índices de conforto e riqueza dos países desenvolvidos mantendo esse nosso apego ao sensual, a um estilo de vida mais leve e hedonista. Até que ponto uma coisa não impede a outra?
Em outras palavras: será que nosso lado mais Tupi não representa um obstáculo às conquistas obtidas pelo anglo-saxão, e um tanto desprezadas pelo autor? Será que nossa receita deve ser o modelo ocidental com fortes pitadas nambiquaras e africanas, como sugere Giannetti? Em pesquisas espontâneas, o povo da Nigéria também se destaca pela aparente felicidade. Devemos concluir que não faz tanto sentido, então, mirar em exemplos como Austrália e Suíça, mas sim misturá-los com o modus vivendi nigeriano?
Como já disse, esperava um livro que fizesse o contraponto ao meu, sobre nosso jeitinho nacional, mas creio que seja mais complementar do que necessariamente um contraponto. Sim, nossas conclusões diferem bastante, e nesse sentido são mensagens opostas. Mas tomando suas reflexões filosóficas como alertas para certos excessos, acho que é perfeitamente viável se extrair uma síntese de ambos.
Até porque eu mesmo não jogo no lixo toda a cultura brasileira, achando de forma prepotente que devemos simplesmente fazer tabula rasa dela. Não! O que eu condeno também são os excessos, ou seja, minha tese é a de que o tiro saiu pela culatra, de que aquilo que poderia ser até vantagem comparativa, um charme a mais na vida árida dos seres humanos, transformou-se no maior fardo para nosso progresso. Dá para jogar a água suja fora sem jogar junto o bebê? Ou será que nossa sensualidade não criou um povo malandro e descolado, mas sim um povo otário mesmo?
Rodrigo Constantino