Nossas instituições estão funcionando perfeitamente, repetem aqueles que desejam muito acreditar nisso. Há, também, o esforço legítimo de acalmar ânimos exaltados num ambiente em que golpistas andam assanhados.
Mas é preciso ser sincero: as instituições não estão funcionando tão bem assim. Em especial o STF, que deveria ser o guardião da Constituição, e acabou se tornando o maior fator de insegurança jurídica no país.
E foi nesse contexto que o general Villas Bôas publicou uma mensagem de alerta, alguns diriam ameaça, na véspera da decisão do Supremo sobre a prisão em segunda instância.
O ex-comandante do Exército afirmou, pelo Twitter, que houve “grande esforço para combater a corrupção e a impunidade” e que o País tem de seguir este caminho, sob risco de ocorrer uma “convulsão social”. Ele não citou diretamente o julgamento que a Corte fará nesta quinta-feira.
“Experimentamos um novo período em que as instituições vêm fazendo grande esforço para combater a corrupção e a impunidade, o que nos trouxe — gente brasileira — de volta a autoestima e a confiança. É preciso manter a energia que nos move em direção à paz social, sob pena de que o povo brasileiro venha a cair outra vez no desalento e na eventual convulsão social”, escreveu Villas Bôas logo após ter recebido a visita do presidente Jair Bolsonaro em sua casa.
Citando Rui Barbosa, ele diz que, “de tanto triunfar as nulidades, de tanto prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
É um repeteco do que fez na véspera do julgamento de Lula, em abril do ano passado, quando o general repudiou a impunidade e acrescentou que o Exército estaria “atento às suas missões institucionais”, sem detalhar o que pretendeu dizer com a expressão. Muitos leram como claro tom de ameaça.
O general Luiz Eduardo Ramos disse à Época que não há risco de uma “convulsão social” caso o STF derrube a prisão em segunda instância: “Não há risco. O país já teve um amadurecimento grande, não há esse risco”. Mas o deputado Paulo Eduardo Martins discorda: "Errado, General Ramos. O risco de convulsão social é enorme. Só não é peeceptivel pra quem vive na maldita bolha de Brasília".
De fato, os nervos estão à flor da pele, e lideranças bolsolavistas falam abertamente em fechar Congresso, unir "povo" e Forças Armadas em torno do presidente, mandar "cabo e soldado" para o Supremo. Não podemos ser iludidos aqui: o risco de convulsão social existe, é real, justamente porque nossas instituições não estão funcionando tão bem assim.
Isso não pode ser entendido como uma justificativa ou defesa de mensagens golpistas, mas sim como uma análise realista da situação. O STF vem jogando lenha na fogueira revolucionária há tempo demais. Há uma turma que aguarda apenas um pretexto para tentar incendiar de vez o país. Talvez consigam com a eventual soltura de Lula. Talvez não. Mas vão tentar.
Por isso espera-se bom senso e juízo do STF nessa decisão, que pode soltar vários criminosos, inclusive Lula e Dirceu. O editorial da Folha de hoje mandou recado direto para aquela que deve ser a fiel da balança, ministra Rosa Weber, sempre muito ciosa da importância da jurisprudência. Diz o jornal:
No caso em debate, já houve guinada em 2009 e outra em 2016. Não convém produzir agora uma terceira, que por sua vez encomendará uma quarta —pois dois ministros convictos de que o réu deve recorrer sempre em liberdade deixarão a corte nos próximos 20 meses.
Em vez de dar curso a reviravoltas, dificilmente desvinculadas de interesses circunstanciais, seria mais sábio se os ministros favorecessem a decantação das expectativas sobre as balizas para a aplicação do direito penal no Brasil.
Pode ser que o STF vá pelo pior caminho, e mesmo assim o Brasil continue sem maiores transtornos, anestesiado com a impunidade. Ou pode ser que tenha mesmo chegado ao ponto do basta, sem retorno, em que qualquer leitura de tentativa de assassinato da Lava Jato produza uma reação em cadeia, sem controle.
Apostar na "normalidade" e no histórico de "pacato cidadão" do brasileiro pode ser brincar com fogo. A Lava Jato foi um marco que mudou muita coisa, devolveu ao brasileiro a esperança de ver o fim da impunidade para os bandidos poderosos.
Não acho que o STF deva sempre se pautar pela "voz das ruas". Mas se a missão de manter a ordem faz parte das prerrogativas do Supremo, então seria aconselhável que os ministros levassem a sério o alerta - ou ameaça - do general Villas Bôas.