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O Supremo Tribunal Federal julga hoje se órgãos de controle, como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF - antigo Coaf) e a Receita Federal, podem compartilhar dados detalhados de fiscalização com o Ministério Público sem autorização judicial. O julgamento terá impacto em um total de 935 investigações, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR). O caso mais rumoroso é o que investiga o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) pela prática de “rachadinha”, ou seja, apropriação do salário de servidores do gabinete quando ele era deputado estadual.

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Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, atendeu a um pedido da defesa de Flávio e paralisou todas as investigações do país com base em dados obtidos por órgãos de controle. Segundo a PGR, a decisão resultou na paralisação de pelo menos 935 inquéritos policiais, procedimentos investigatórios criminais e ações penais que tramitam com a atuação do Ministério Público Federal.

O argumento para proibir o compartilhamento dos dados é que esta seria uma artimanha para driblar a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo fiscal e bancário de investigados. A PGR destaca que a elaboração e o compartilhamento com o MP dos informes de inteligência financeira, assim como o envio de representações criminais por outros órgãos de controle, encontram respaldo na legislação brasileira e em recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), organismo internacional formado por países-membros da OCDE e outros associados.

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Já fui um libertário. Meu livro mais recente, não custa lembrar, chama-se Confissões de um ex-libertário. Entendo o receio, portanto, de quem efetivamente quer proteger o indivíduo da sanha inquisidora do estado. As criptomoedas se tornaram populares nos meios libertários justamente como forma de driblar a fiscalização do estado, e há quem veja em sonegadores heróis.

Não penso mais assim. Acho que existe um equilíbrio saudável, que delega poder de fiscalização ao estado, sempre com limites, com mecanismos de pesos e contrapesos, para se combater quem anda à margem da lei. O império da lei, afinal, é um valor liberal clássico.

O trabalho de órgãos de controle como o antigo Coaf é fundamental no combate à corrupção. O Brasil não pode se tornar um "paraíso fiscal" do crime, sob risco de sofrer graves consequências financeiras. No mais, não podemos achar legal traficantes e políticos corruptos desviando recursos à sombra da lei. Isso não é libertário; isso é criminoso!

Compreendo também o risco da "fulanização" desses debates. Como entre quase mil casos há aquele de Flávio Bolsonaro, tudo passa a girar em torno desse nome mais famoso. Mas o debate real se dá em abstrato, sobre o Direito, a Constituição. É o argumento de Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP, em artigo publicado hoje na Folha:

A fulanização alimenta a percepção de que o tribunal se movimenta preponderantemente por razões outras que não jurídicas, instrumentalizando o direito e a essencial função de guarda da Constituição às conveniências dos ventos políticos.

Tem, também, uma face mais perversa: a construção de um inimigo público, contra quem é aceitável desrespeitar as regras. Essa lógica tem sido usada na retórica da Operação Lava Jato que, a cada decisão do Supremo, sai a divulgar listas de réus ilustres que seriam beneficiados pela decisão ou pela lei. É um reflexo, no andar de cima, de como a Justiça lida com a maior parte dos acusados de crimes no país: como inimigos.

A qualidade de um Estado de Direito pode ser medida pela capacidade de aplicar a lei a todos, indistintamente, sem beneficiar, sem prejudicar. Não se alcança Estado de Direito com menos garantias ou com superpoderes à acusação, tampouco com uma Justiça de fulanização.

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Os argumentos são válidos. Mas sabemos, também, que alguns ministros do STF usam apenas como verniz jurídico a preocupação com o Estado de Direito, pois no fundo estão em campanha contra a Lava-Jato. O ódio que sentem pelos procuradores e pelo ex-juiz Sergio Moro salta aos olhos. Não são motivos nobres, de legítima preocupação com o avanço do MP ao arrepio da lei. Apontar eventuais excessos é uma coisa; chamar a Lava-Jato de "organização criminosa" é outra, bem diferente.

O STF tem agido como principal fator de instabilidade jurídica no país, e também como uma blindagem dos corruptos poderosos. Não podemos nos enganar com discursos eivados de juridiquês que supostamente visam à preservação de direitos individuais, quando, na prática, o que temos são uns ministros que mais parecem advogados dos criminosos graúdos. O que esses ministros querem, de fato, é enterrar a Lava-Jato. E isso não podemos aceitar.