A decisão de limitar os juros do cheque especial a 8% ao mês — hoje estão em torno de 12% —, anunciada na quarta-feira pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), foi criticada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que falou em “tabelamento de preços”, e, segundo especialistas, pode prejudicar a oferta de crédito pelos bancos e ter um efeito contrário ao desejado pelo Banco Central (BC).
De fato, qualquer tipo de tabelamento, de teto de preço, soa como medida antiliberal. Em defesa do governo, há o argumento de que esse seria um típico caso de "falha de mercado". O setor bancário é muito concentrado no Brasil, com cinco grupos controlando o grosso do mercado, o que pode ser considerado um oligopólio.
Mas há controvérsias sobre a forma de lidar com o problema, que é real. A saída ideal é estimular mais concorrência, não decretar o preço máximo a ser cobrado. Isso é atacar o sintoma em vez da causa. E segundo bastidores, a equipe econômica teria ficado constrangida mesmo, pois sabe que não é esse o melhor caminho. O editorial do Estadão apontou o populismo da medida e chamou à responsabilidade a equipe de Guedes:
Tabelar juros do cheque especial é medida populista indisfarçável, incompatível com o discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Pode ser politicamente útil ao presidente Jair Bolsonaro, mas do ponto de vista econômico é injustificável e até perigosa. “Se fosse tabelamento, não tinha tarifa”, disse o presidente do BC, Campos Neto, respondendo às primeiras críticas. É um argumento pobre e ineficiente. Os bancos poderão cobrar a tarifa de quem pedir cheque especial com limite superior a R$ 500. A cobrança será de até 0,25% sobre o valor acima daquele limite. Com isso haverá um ganho adicional para as instituições financeiras e muitos de seus clientes terão um custo a mais, mesmo sem fazer um saque ou pagamento além do saldo normal.
O teto de juros, decidido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), pode parecer perfeitamente razoável diante do custo até agora imposto a quem se endivida no cheque especial. Em outubro, a taxa média para esse tipo de cobrança ficou em 305,9% ao ano, segundo o BC. Se os juros de 8% ao mês forem aplicados, o custo anual será de 151,8%. Ainda será enorme, mas a redução será considerável.
[...] Há um evidente problema de educação financeira. Além disso, bancos e operadores de cartões de crédito pouco ou nada têm feito para orientar os clientes quanto ao uso dos cheques especiais e dos cartões. De imediato, renegociações de dívidas podem ser um modo eficiente de tirar milhões de pessoas do aperto e, como subproduto dessa iniciativa, normalizar a vida financeira de um grande número de consumidores.
O BC já se interessou pelo assunto e poderá haver efeitos benéficos para a economia. Tabelar juros do cheque especial poderá até produzir algum resultado positivo a curto prazo, mas, na pior hipótese, será um estímulo a mais para um comportamento inadequado, desastroso para muita gente e muito ruim para a economia.
É um tanto surpreendente ver o presidente do BC render-se em tão pouco tempo às conveniências político-eleitorais do populismo. Medidas como o tabelamento de juros podem proporcionar votos a quem ambiciona uma eleição ou reeleição, mas acabam sendo econômica e socialmente nocivas. Os líderes da equipe econômica devem saber disso. Então, por que aceitam esse jogo?
Em nota, a Febraban afirmou que “considera positivas iniciativas para buscar maior eficiência e permitir a redução dos subsídios cruzados no sistema de crédito". Preocupa, entretanto, "a adoção de limites oficiais e tabelamentos de preços de qualquer espécie. Medidas para eliminar custos e burocracia e estimular a concorrência são sempre mais adequadas aos interesses do mercado e dos consumidores.”
Para o economista especializado no setor bancário João Augusto Salles, uma resposta imediata pode ser a redução da oferta de crédito: "Tabelar juros nunca é bom para a economia. Mexe-se com o mercado e começam as arbitrariedades, criando uma distorção que não é boa para a competição. Com isso, pode ser que os bancos não disponibilizem esse cheque especial para o cliente com tanta facilidade".
Salles ainda considera que a medida se choca um pouco com a proposta do governo: "É um gesto político. É um governo liberal que está protecionista. O que é uma incongruência. A política metendo o nariz na parte econômica".
Em suma, há um problema claro nesse mercado em particular, pois ninguém pode achar razoável uma taxa de juros de 300% ao ano estando a Selic, a taxa básica, em 5% ao ano. Claro que isso não é apenas "mercado", mesmo levando em conta o desespero de quem apela para cheque especial, a falta de conhecimento financeiro, o risco de inadimplência etc.
Mesmo levando em conta tudo isso, o valor é absurdo. "Algo precisa ser feito", é uma conclusão imediata. Mas é preciso tomar cuidado com esse "algo". Acho precipitado julgar que o governo aderiu ao populismo e virou as costas ao liberalismo, pois, como ficou claro, trata-se de um caso bem sui generis. Mas é um precedente perigoso. Não é compatível com o liberalismo qualquer tipo de tabelamento de preços. Nem mesmo nos juros indecentes cobrados pelos bancos no cheque especial...