“O presidencialismo no Brasil nasceu com um golpe militar que derrubou a Monarquia e proclamou a República em 15 de novembro de 1889. Diz-se que nesse dia o Brasil dormiu monarquista e acordou republicano. Desde lá, tivemos 34 presidentes e sete constituições republicanas. Assim como voltaria a acontecer em 1964, o golpe contou com o apoio das elites militar, política, econômica e intelectual. Era melhor o país não ter dormido”.
Eis como Bruno Garschagen começa o capítulo sobre o positivismo da República presidencialista brasileira, em seu excelente Pare de acreditar no governo. Garschagen, que não esconde suas simpatias monárquicas, argumenta que a Monarquia brasileira caiu por razões ideológicas e políticas, e não é um grande entusiasta do resultado republicano. Como culpá-lo? O que há, de fato, para se comemorar nessa trajetória republicana? Na verdade, que República?
O deputado Paulo Eduardo Martins vai na mesma linha: "Não há o que comemorar. O 15 de novembro de 1889 é o dia em que o Brasil que podia dar certo começou a morrer. D. Pedro II caiu e junto com ele foram-se os valores que davam rumo ao país".
Para ele, o golpe que derrubou a monarquia "foi coisa de meia duzia de positivistas, republicanos sem púbico, que deram um chute em nossos pais fundadores e fizeram do Brasil um país malcriado". Ele acrescenta: "O Império tinha lá os seus problemas, mas nenhum deles seria e nem foi solucionado pela república. Muito pelo contrário. Sem sustentação histórica, a república deu ao Brasil a direção e a estabilidade de uma biruta de aeroporto".
República significa “coisa pública”, e era o modelo idealizado pelos “pais fundadores” americanos contra a simples democracia, que poderia se tornar uma “ditadura da maioria”, como alertara Tocqueville. Na República, ninguém está acima das leis, e temos um governo de leis isonômicas, não de homens com poder arbitrário, acima das leis. Uma rápida observada nos ilustres políticos brasileiros e logo ficará claro que temos qualquer coisa, menos uma República.
Diante desse quadro, não é de estranhar que exista um número crescente de brasileiros que desejam a volta da Monarquia. Não sei se é solução, mas tampouco deve ser algo ridicularizado: vários dos mais ricos países são monarquias, inclusive a Suécia, adorada pelos “progressistas” como o “socialismo que deu certo” (um mito, mas não vem ao caso aqui).
O editorial do Estadão de hoje comentou sobre os desafios de nossa república, após divergir da tese mais negativa sobre o golpe: "A mudança de regime ocorrida em 1889 foi o resultado de um amplo movimento cívico, que teve a ousadia de pensar os problemas nacionais, apresentar propostas concretas e lutar por elas". O jornal continua, dando destaque para a opinião de Arminio Fraga:
“A democracia e a liberdade exigem um complemento de natureza solidária, que espelhe a importância de lacunas que ainda temos. Igualdade de oportunidades e uma rede de proteção solidária são cruciais”
Mas é preciso definir igualdade de oportunidades, uma vez que ela, no limite, é tão utópica e impossível como a igualdade de resultados pregada pelos socialistas. Partimos de lugares diferentes, a começar pela genética, pela família, pela vizinhança, pela herança tanto monetária como intelectual e de valores. Liberais podem falar em melhores oportunidades, nunca em igualdade. A única igualdade aceita pelo liberal é aquela que, de fato, define uma república legítima: igualdade perante as leis. E é isso que não temos!
O que os especialistas escutados pelo jornal desejam está mais para uma democracia igualitária do que uma república, e isso é parte do problema. Os "pais fundadores" da América temiam a democracia igualitária por ela levar a uma "tirania da maioria", que distribui "direitos" e "benesses" e ignora deveres e a proteção das minorias, dos indivíduos. O jornal conclui:
A causa da República não terminou no dia 15 de novembro de 1889. Persistem no País profundas desigualdades e perversos privilégios. Ao mesmo tempo, é de justiça reconhecer o profundo impacto positivo do ideal republicano na trajetória do País. Muito se fez ao longo desses 130 anos. E ainda hoje os valores republicanos inspiram muitas iniciativas e projetos que trabalham pelo bem público. Que a República continue sendo um ideal capaz de unir todo o País.
Há controvérsias. O ideal republicano é louvável sim, mas estamos muito longe dele. O que fica claro é que muitos confundem república com "tirania da maioria", com simples democracia, como se a "escolha da maioria" fosse o suficiente e sinônimo de liberdade. Não é, nunca foi. E no Brasil, como sabemos, sequer temos a escolha da maioria, e sim uma casta minoritária no poder, acima das leis que valem para os demais. Estão escusados, portanto, todos aqueles que não se sentem muito animados para festejar o aniversário de nossa "república".