Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Em 29 de julho de 1805, nasceu Alexis de Tocqueville – uma das provas de que não se deve abandonar em bloco o pensamento francês. Na verdade, nosso liberalismo do Império foi diretamente influenciado pelo liberalismo da terra da cidade-luz, de Constant aos doutrinários. Isso não deveria ser visto como algo intrinsecamente ruim.
Tocqueville coroa essa lista; lido no Segundo Império brasileiro tanto por saquaremas (os membros do Partido Conservador) quanto por luzias (do Partido Liberal), esse era o verdadeiro “mito”. Afinal, basicamente prever a Guerra Fria no século XIX – ao prenunciar que a Rússia e os Estados Unidos dividiriam a condição de grandes potências planetárias – não é para qualquer um.
Celebramos em julho de 2020 os 215 anos desse pensador central para apreender, apenas para nos atermos a alguns aspectos de suas fartas contribuições, uma crítica mais sofisticada e de um ponto de vista liberal à dinâmica da Revolução Francesa e, principalmente, um ponto de inflexão no relacionamento entre o liberalismo e a democracia. Neste último aspecto, cabe ressaltar sua monumental obra em dois tomos A Democracia na América.
Nesse trabalho referencial, o grande pensador político, historiador e aristocrata francês introduz à teoria liberal a aceitação da democracia como um fato inevitável para o novo período que se iniciava, ao mesmo tempo articulando de forma prudente e francamente atual os seus defeitos e riscos inerentes, com precauções que seriam típicas do ceticismo de um pensamento conservador. Suas páginas perfazem um profundo tratado sociológico, construído com base em observações diretas, acerca dos Estados Unidos da América de sua época, refletindo sobre as condições específicas do regime democrático ali instalado.
Tal abordagem permitiu a Tocqueville ainda refletir sobre o que se pode aprender com essas peculiaridades americanas para apreciar, em outros lugares, o fenômeno da busca por emancipar as massas e incluir um vasto campo da sociedade em um patamar mais equiparado de consideração e influência nos processos decisórios, derrubando as estruturas aristocráticas ou oligárquicas tradicionais. A tese principal de Tocqueville era a de que esse “movimento democrático” é irresistível e fatalmente prevaleceria.
Por isso, o liberalismo se deveria resignar a “discipliná-lo”, sem a pretensão de detê-lo. A seu ver, era preciso trabalhar para adaptar esse movimento aos tempos e lugares, modificá-lo de acordo com as circunstâncias e as comunidades políticas e qualificar as suas consequências, em um processo adaptativo, jamais destrutivo. Estava longe de ser algo que ele dissesse com absoluta felicidade, pois não deixava de louvar algumas das vantagens do regime aristocrático, mas de forma resignada e conformada.
Nada mais importante nos dias de hoje que associar as reflexões pioneiras de Tocqueville com as dos liberais que o sucederam, como o próprio Og Leme, ilustre pensador que foi diretor acadêmico do Instituto Liberal e se dedicou a analisar a relação conflituosa entre essa preocupação moderna com a participação majoritária no processo de decisões coletivas – verificadas no campo político – e a preocupação com a proteção das prerrogativas e liberdades individuais, própria do campo do liberalismo.
Devido à relevância ímpar desse grande francês para esse labor intelectual e esse enorme desafio social dos últimos séculos, não poderíamos deixar de registrar nosso sincero tributo.
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