Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal
Torcerei contra Democracia em Vertigem no Oscar. Pouco me importa se é uma produção brasileira, o que em outro contexto poderia despertar minha simpatia. É uma obra intelectualmente desonesta que não merece o respaldo que um prêmio como o Oscar confere. O documentário de Petra Costa é o epítome, a versão cinematográfica da narrativa de que o impeachment foi golpe.
Na verdade, acredito que a obra tenha sim seu valor. Se, por exemplo, precisarmos citar um exemplo de obra enviesada, que oculta e manipula informações, temos isso com Democracia em Vertigem.
Apesar de se propor a documentar os acontecimentos em torno do impeachment de Dilma, a obra é desonesta ao ponto de ocultar a informação de que Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, foi um dos autores do pedido. Para ilustrar a relevância do outrora petista, Hélio Bicudo foi vice de Lula quando este concorreu para governador de São Paulo em 1982. O documentário cita apenas Janaina Paschoal como “uma das autoras”.
O fator político primordial para a queda de Dilma também é oportunamente ignorado por Petra e a crise econômica acaba assim resumida: “Depois de uma queda no preço das commodities e uma série de erros econômicos, o país entra em recessão”. Não se explica quais seriam os erros econômicos e nem de quem foram os erros.
Ignorar a crise, resultado indiscutível da tal nova matriz econômica, levada a um extremo por Dilma, é uma estratégia típica dos petistas que tentam vender a ideia de que a queda do PT foi fruto de um descontentamento das elites com “pobre andar de avião” e “negro entrar na universidade”. Ignoram que o partido venceu quatro eleições presidenciais consecutivas – a última auxiliada pela maquiagem das contas públicas por meio das pedaladas fiscais – e que só perdeu o poder depois de milhões de pessoas irem às ruas pedindo a saída de Dilma, a qual chegou a superar o índice de rejeição de Collor. Não eram milhões de playboys indo às ruas, eram pessoas comuns, muitas das coisas haviam perdido seu emprego devido à recessão, muitos dos quais foram anteriormente eleitores do partido. Esse contexto proporciona os ingredientes políticos para um processo que é sempre de natureza dupla, isto é, jurídico-político.
Porém, Dilma não caiu só porque era impopular. É importante ressaltar que nem sequer a defesa da ex-presidente se esforçou para negar o crime, que era inegável. O Governo Federal usou bancos por ele controlados para se financiar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso não é interpretação, é um fato reconhecido até por Petra, que não nega isso em seu filme. Sendo assim, a defesa dos petistas se concentra até hoje em dizer que os presidentes anteriores fizeram a “mesma coisa” e passaram impunes. Ainda que isso fosse verdade, obviamente não isentaria Dilma de ser responsabilizada pelo malfeito; ocorre que é uma mentira deslavada. No gráfico abaixo, fartamente divulgado à época do julgamento do impeachment, podemos ver claramente que o saldo do Governo Federal junto à Caixa se manteve positivo por anos a fio, passando a ser negativo a partir de 2013 e em especial em 2014, o ano eleitoral:
Sim, as motivações de Eduardo Cunha para acatar a abertura do processo não foram nada republicanas, mas não foi ele o autor do pedido e tampouco isso desmerece esse pedido. É preciso pensar que, se Cunha fosse um aliado do governo, o pedido poderia acabar arquivado e o crime ficaria sem punição, como tantas vezes acontece em regimes presidencialistas. É da natureza do impeachment e é da natureza do presidencialismo. Do mesmo modo, se a popularidade de Dilma não tivesse degringolado por causa da crise, ela provavelmente teria concluído seu mandato. É uma ilusão pensar que o impeachment teria acontecido se o governo deposto fosse popular, e aqui está novamente o fator político, que não é político por interesses escusos de parlamentares à revelia do povo, é político porque esses parlamentares atenderam à vontade do povo. Tanto era essa a vontade do povo que o PT perdeu as eleições federais consecutivas.
Também está presente no documentário aquele suposto arrependimento histórico que os petistas passaram a ventilar por seus alinhamentos com o centro e com a direita. Dizem se arrepender, por exemplo, da aliança com o então PMDB e demais partidos, aliança essa que ajudou a prover governabilidade aos governos de Lula e até certo ponto do governo de Dilma. Dizem lamentar não terem seguido uma linha de reformas mais “radicais” e estruturais enquanto foram situação, significando com isso, é claro, uma guinada mais forte à extrema-esquerda. Ignoram que sem apoio do Congresso não teriam feito reforma alguma e talvez sequer tivessem logrado se perpetuar no poder por tantos anos. Foram justamente a aceitação da política econômica anterior e a manutenção do tripé macroeconômico, fatores tão criticados pelo PT anteriormente, que permitiram que Lula obtivesse sucesso econômico em seu primeiro mandato e conseguisse a reeleição. Prova disso é que foi justamente uma mudança de “matriz”, iniciada no segundo mandato de Lula, que acabou derrubando Dilma. Os petistas parecem se esquecer de que aquilo que pintam como sucesso depôs justamente contra bandeiras que sempre levantaram, como sua oposição ao Plano Real.
A esquerda continuará repetindo as mentiras sobre o impeachment – aliás, é bom que os pais fiquem atentos em como isso será retratado nas aulas de história de seus filhos – tentando impor sua narrativa por repetição. Nesse sentido, Democracia em Vertigem é até o momento, com suas duas horas de duração, a versão mais completa e incisiva dessa narrativa. Não há como separar análises técnicas da qualidade do documentário do que está ali narrado, e o que está ali narrado é um emaranhado de mentiras, omissões e coitadismo – o PT é sempre retratado como uma vítima do ódio das elites e os petistas como seres imaculados. Torcer contra o documentário no Oscar é para mim uma questão de honestidade intelectual.
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