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Não é de hoje que se debate a crescente fragilidade dos jovens universitários, que passaram a demandar “espaços seguros” e “gatilhos de alerta” contra “microagressões”. Justo num ambiente em que deveria prevalecer o debate caloroso de ideias, há cada vez mais censura para “proteger” os jovens de todo tipo de “ofensa”. Os “flocos de neve” passaram a ser alvos de duras críticas, e merecidas. Mas é crucial analisar o que pode estar por trás do fenômeno.

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Foi o que fizeram Greg Lukianoff e Jonathan Haidt em The Coddling of the American Mind, livro que expõe como as boas intenções moldadas por ideias ruins têm preparado as novas gerações para o fracasso. Em vez de simplesmente detonar esses jovens mimados e arrogantes, os autores buscam ser compreensivos e sugerir mudanças de atitudes, principalmente por parte dos pais.

Os filhos devem ser preparados para a estrada da vida, não o contrário. E a vida apresenta riscos, ambientes muitas vezes hostis, grandes desafios. Os autores acreditam que esses jovens são “antifrágeis”, para usar o termo de Nassim Taleb, mas seus pais os tratam como se fossem de porcelana. Isso tem produzido um efeito nefasto nessa garotada, inclusive com aumento de casos de ansiedade, depressão e até suicídio.

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O livro condena três grandes mentiras: 1) A fragilidade, como se aquilo que não matasse tornasse esses jovens mais fracos; 2) O “raciocínio” emocional, como se cada um devesse confiar sempre em suas emoções; 3) O tribalismo, como se a vida fosse uma luta entre pessoas boas e pessoas malvadas (aquelas que discordam de nós).

A cultura em muitos campi universitários tornou-se mais ideologicamente uniforme, comprometendo a capacidade dos estudiosos de buscar a verdade e dos alunos aprenderem com uma ampla gama de pensadores. Os extremistas proliferaram na extrema direita e na extrema esquerda, provocando um ao outro a níveis cada vez mais profundos de ódio. A mídia social canalizou paixões partidárias para a criação de uma "cultura de cancelamento"; qualquer pessoa pode ser publicamente constrangida por dizer algo bem-intencionado que outra pessoa interpreta sem caridade.

As novas plataformas e meios de comunicação permitem que os cidadãos se retirem para bolhas autoconfirmatórias, onde seus piores temores sobre os males do outro lado podem ser confirmados e amplificados por extremistas e trolls cibernéticos que pretendem semear discórdia e divisão. O que há de novo hoje, argumentam os autores, é a premissa de que os alunos são frágeis. Mesmo aqueles que não são frágeis costumam acreditar que outros estão em perigo e, portanto, precisam de proteção. Não há expectativa de que os alunos se tornem mais fortes a partir de seus encontros com discursos ou textos que eles chamam de “desencadeadores” de emoções negativas.

Não que alguns problemas enfrentados não sejam reais. Eles são. Mas esses jovens passaram a acreditar que todos os seus desafios são “sem precedentes”, e cada obstáculo parece assim mais ameaçador do que de fato é. Além disso, a crença na própria fragilidade produz uma profecia autorrealizável, e os alunos passam a se enxergar como incapazes de lidar com esses problemas.

Muitos, especialmente mais à direita, tendem a achar tudo isso uma afetação exagerada de um bando de mimados ingratos, e alegam que faltaram umas boas palmadas de seus pais para impor limites e “tocar a real” a essa garotada. Eles têm um ponto, mas os autores, como afirmei, são mais tolerantes com esses jovens.

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Os autores apontam a crescente polarização e animosidade política, o que levou ao aumento de crimes de ódio e assédio no campus; os níveis crescentes de ansiedade e depressão na adolescência, que tornaram muitos estudantes mais desejosos de proteção e mais receptivos às grandes inverdades; as mudanças nas práticas parentais, que amplificaram os medos das crianças, mesmo quando a infância se torna cada vez mais segura; a perda das brincadeiras ao ar livre sem supervisão, sendo que as crianças precisam se tornar adultos autônomos; o crescimento da burocracia do campus e a expansão de sua missão de proteção; e uma paixão crescente por justiça, combinada com a mudança de ideias sobre o que a justiça exige.

Pais paranoicos e superprotetores têm colocado seus filhos nessas bolhas, e não é trivial mudar isso. Mas os seres humanos precisam de desafios ou nos deterioramos. Por exemplo, músculos e articulações precisam de estresse para se desenvolver adequadamente. Descanso demais faz com que os músculos se atrofiem, as articulações percam a amplitude de movimento, a função cardíaca e pulmonar diminua e os coágulos sanguíneos se formem. Numa analogia utilizada por Taleb, o vento apaga uma vela, mas ajuda a alastrar um incêndio. Os pais não deveriam desejar que seus filhos fossem como velas frágeis, que se apagam no contato com uma simples brisa.

Se protegermos as crianças de experiências potencialmente perturbadoras, aumentamos a probabilidade de essas crianças não conseguirem lidar com esses eventos quando deixarem nosso guarda-chuva protetor. Se enxergarmos os jovens como velas, então vamos tentar transformar o campus num local livre de ventania. Mas mesmo quem de fato sofreu traumas sérios na vida não deve fugir de “gatilhos”, e sim enfrentá-los. É o que toda terapia cognitiva ensina.

A obsessão com a segurança tem passado do limite saudável. O que é uma virtude quando calibrada e dosada se torna um vício se levado ao extremo. Os autores condenam uma cultura ou sistema de crenças em que a segurança se tornou um valor sagrado, o que significa que as pessoas não desejam fazer trocas exigidas por outras preocupações práticas e morais.

“Ensinar as pessoas a ver mais agressividade em interações ambíguas, a se ofender, a sentir mais emoções negativas e a evitar questionar suas interpretações iniciais nos parece imprudente, para dizer o mínimo”, afirmam os autores. Transformar universidades em locais “confortáveis” pode ser antagônico ao seu papel fundamental de fazer os alunos pensarem, o que pode ser desconfortável muitas vezes.

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Não há saída fácil e o problema é complexo, profundo. Mas se algo não começar a ser feito já para reverter essa tendência, as universidades serão apenas máquinas de mimo no futuro. Se é que esse futuro já não chegou!