Comentário de hoje no Jornal da Manhã:
Mencionar a expressão “articulação política” virou sinônimo, nas redes sociais, de defender bandidos e corruptos. Infelizmente, no caso brasileiro, muitas vezes será isso mesmo. Mas é preciso tomar muito cuidado com esse clima revolucionário, que criminaliza a própria política em si.
O governo Bolsonaro está num claro impasse: venceu com um discurso de inovar e enterrar a “velha política”. Ao mesmo tempo, como vários alertaram, não seria possível aprovar reformas importantes, que demandam três quintos no Congresso, com “prensa” da sociedade, bancadas temáticas ou puro patriotismo. Quem acreditou nisso embarcou numa fantasia romântica, numa farsa. Como aprovar as reformas necessárias sem articulação com o Congresso?
Conseguiram disseminar a ideia de que articulação política é sinônimo de mensalão e corrupção. Criminalizaram a própria política, que é assim no mundo todo: ceder em pautas não prioritárias, contemporizar, aceitar indicações (desde que com perfis técnicos), negociar emendas. Sem articulação nesse sentido, o que resta? Qual a alternativa concreta? Fechar o Congresso? Um cabo e um soldado? Tornar Bolsonaro uma espécie de imperador, de déspota esclarecido em nome do povo?Entendo a revolta popular: após mais de década de petismo, com esse Congresso que temos, e a péssima fama dos políticos em geral, falar em articulação política já remete ao mensalão, à pura compra de votos. Mas essa é uma visão deletéria e equivocada da política. Pior: é uma mentalidade que inviabiliza a política, e assim a aprovação das reformas necessárias. Esse discurso jacobino, vindo diretamente de alas do bolsonarismo, prejudica o próprio governo Bolsonaro.
Vamos pressionar Maia e companhia, cobrar transparência nas negociações, exigir decência nas tais articulações. Mas não sejamos ingênuos ou irresponsáveis. Os deputados foram eleitos por suas bases e focam nesses interesses. Não vão ceder a reformas impopulares só por patriotismo ou mesmo pressão nas redes sociais. A política é o que é, e precisamos ser realistas. Ou vamos afundar, com a sensação de pureza preservada…
Rodrigo Constantino
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