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Primeiro Comando da Capital (PCC) e o envolvimento com Gritzbach
Primeiro Comando da Capital (PCC) reacende estratégia de “queima de arquivo” para não expor lideranças da facção.| Foto: EFE/Ney Douglas/Arquivo

A facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) atravessa um momento de instabilidade com rachas na cúpula de liderança, que voltou a ordenar o assassinato de pessoas ligadas ao crime organizado para evitar o vazamento de informações consideradas estratégicas, prática conhecida como "queima de arquivo".

A execução do empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, morto pelo PCC com tiros de fuzil na saída do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), no último dia 8, marca mais um episódio de ousadia e de mostra do poder da facção às polícias e à sociedade brasileira. Gritzbach havia firmado acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Segundo investigadores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-SP, a principal suspeita é que o crime foi motivado pela “queima de arquivo”, pois o acordo foi assinado em março pelo empresário, com revelações sobre o processo de lavagem de dinheiro do PCC, principalmente com origem no tráfico de drogas.

As investigações do MP-SP apontam que Gritzbach lavava dinheiro para a facção desde 2010 por meio da venda de imóveis, bitcoins, joias, postos de gasolina e fintechs – empresas financeiras digitais. Os imóveis e o mercado financeiro eram as duas principais frentes do empresário, que optava pelos métodos pela dificuldade de rastreamento.

Gritzbach foi morto ao desembarcar no aeroporto em Guarulhos, vindo de Maceió (AL). Na bagagem, o empresário levava mais de R$ 1 milhão em joias e outros objetos de valor. Segundo o boletim de ocorrência, ao qual a reportagem da Gazeta do Povo teve acesso, cerca de 40 bens de valor estavam nas malas do empresário, entre eles anéis com pedras preciosas, pulseiras, colares com pingentes, pares de brincos com pedras preciosas e um relógio Rolex.

Todas as joias são originais de marcas como Bulgari, Vivara e Cartier. O material foi apreendido e está com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que conduz a investigação. No último dia 9, a Polícia Federal (PF) abriu um inquérito para apurar o crime em conjunto com as autoridades paulistas.

PCC retoma “queima de arquivo” para não expor lideranças da facção

O empresário Antônio Vinicius Gritzbach tinha ligações com a “sintonia fina” do PCC, a alta cúpula da facção responsável pelas decisões do grupo. Ele era conhecido no mundo do crime pela lavagem de grandes quantias de dinheiro, em diferentes moedas, como real, dólar e euro, sem deixar rastros para as investigações policiais,

Segundo o processo, o empresário teria lavado mais de R$ 30 milhões provenientes do tráfico de cocaína, droga exportada pela facção para o mercado na Europa e no Oriente Médio. Parte dessa atividade criminosa ocorreu por meio da venda de imóveis de luxo na zona leste da capital paulista.

Em depoimentos, Gritzbach detalhou esquemas do PCC e prometeu apontar outros nomes da facção, além da origem do dinheiro ilícito. A colaboração foi interrompida com a morte do empresário.

De corretor de imóveis a milionário influente na maior facção da América Latina

Gritzbach começou a carreira como corretor de imóveis no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, e intermediou os negócios de Anselmo Bicheli Santa Fausta, traficante conhecido como “Cara Preta”. Segundo as investigações, "Cara Preta" era o responsável pelo tráfico internacional de drogas e armas, além de ser um dos líderes do PCC que estava em liberdade. No mesmo período, o empresário conheceu Antônio Corona Neto, o “Sem Sangue”, também integrante do PCC.

Gritzbach convenceu "Cara Preta" a investir em criptomoedas pela possibilidade de lavar dinheiro sem rastreio. O traficante internacional aceitou a proposta e investiu R$ 200 milhões na moeda digital. Após dois anos, o empresário e o traficante entraram em atrito pela cobrança dos valores de "Cara Preta", que precisava de 50% dos investimentos nas criptomoedas para alavancar os negócios da facção.

Depois de desentedimentos sobre a quitação da dívida, "Cara Preta" e "Sem Sangue" foram assassinados no Tatuapé. Para o Ministério Público, Gritzbach foi o mandante do crime. O empresário negou o envolvimento.

Após os homicídios e o desvio do dinheiro, Gritzbach se tornou inimigo da "sintonia" e foi sequestrado pelo “tribunal do crime”, conhecido por ser a instância a partir da qual os líderes do PCC decidem quem deve ser morto pela deslealdade às regras da facção. O empresário ficou por mais de 10 horas em um cativeiro até conseguir a devolução de um valor de aproximadamente R$ 100 milhões ao PCC.

Gritzbach foi preso por envolvimento nos assassinatos da cúpula do PCC

O empresário foi acusado pelo Gaeco de ser o mentor dos assassinatos de "Cara Preta" e "Sem Sangue". Eles foram mortos no dia 27 de dezembro de 2021. Em 16 de janeiro de 2022, Noé Alves Schaum, de anos 42, acusado de ser o autor dos tiros fatais, também foi assassinad ono bairro do Tatuapé.

Logo depois, o empresário foi preso pela Polícia Militar em São Paulo. Gritzbach ficou custodiado na Penitenciária 1 de Presidente Venceslau (SP). A defesa do empresário entrou com um pedido de soltura alegando que Gritzbach poderia ser assassinado, já que penitenciária abriga integrantes do PCC. Após pouco mais de um ano preso, a Justiça concedeu a soltura a ele em junho de 2023, com a obrigatoriedade da utilização de tornozeleira eletrônica.

A defesa de Gritzbach nega a autoria dos assassinatos e afirmava que o “cliente seria inocentado durante o curso legal do processo”. Durante a delação premiada, o empresário negou a relação com os assassinatos, mas reconheceu que fazia negócios para a facção criminosa.

De aliado a inimigo número 1 do PCC

A facção criminosa teria oferecido R$ 3 milhões para quem matasse Gritzbach. Com o aumento da tensão, o Ministério Público sugeriu a adesão ao programa de proteção a testemunhas, mas Gritzbach negou a oferta sob a justificativa de que "não se encaixava no estilo de vida”.

As ameaças começaram em 2021 após os assassinatos de "Sem Sangue" e de "Cara Preta", e ganharam forma a partir de março, após o acordo de delação premiada.

A defesa de Gritzbach passou a ser feita pelo advogado Aristides Zacarelli Neto. Na delação, Gritzbach nega ser o mandante dos assassinatos, mas reconhece que fez negócio com a facção criminosa, auxiliando nos serviços de compra e venda de imóveis e na parte administrativa e jurídica da transação, colocando em nomes de “laranjas” (terceiros) os imóveis adquiridos.

“Admito que participei dessas transações, foi uma venda comercializada onde meu escritório fez análise jurídica, rodou os contratos e onde acabei fazendo no nome do meu tio e do meu primo”.

Vinicius Gritzbach, assassinado pelo PCC no aeroporto de Guarulhos.

Ordem para o assassinato do empresário partiu das ruas

Segundo policiais penais ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo, não houve nenhum “salve”, ou seja, nenhuma ordem de dentro dos presídios onde ficam as lideranças da facção para o assassinato de Gritzbach. No entanto, como ele estava na mira da facção há pelo menos dois anos, os líderes do PCC já haviam autorizado a execução.

Em dezembro, Gritzbach sofreu um atentado dentro do próprio apartamento localizado na zona leste de São Paulo. O empresário chegou a ser atingido por um disparo no braço. O caso está sendo investigado pelo DHPP da Polícia Civil de São Paulo.

Gritzbach havia denunciado policiais civis por furto e extorsão

Oito dias antes do homicídio no aeroporto de Guarulhos, Gritzbach denunciou policiais civis por corrupção. A delação ocorreu no dia 31 de outubro, na sede da Corregedoria da Polícia Civil. O inquérito foi instaurado há mais de um mês e está sendo instruído pela Corregedoria da Polícia Civil, porém corre em segredo de Justiça.

Segundo apuração da Gazeta do Povo, entre os acusados de extorsão e furto por Gritzbach estão integrantes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa, dois dos principais departamentos da Polícia Civil.

"Esses trechos da delação foram enviados para a Corregedoria [da PC] e o primeiro a ser ouvido foi o próprio Vinícius. Achei essa atitude extremamente correta, haja vista que todos nós sabemos que, como ele estava delatando membros de organizações criminosas, acusados inclusive de duplo homicídio contra integrantes do PCC, poderia acontecer com ele algo nesse sentido, que foi o que aconteceu no sábado", disse o secretário estadual da Segurança Pública, Guilherme Derrite.

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