O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em leilão da B3| Foto: Rogério Cassimiro/Governo do Estado de SP
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Uma das principais bandeiras do governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é a privatização da Sabesp, levantada com convicção no final do ano passado, antes mesmo de ele assumir o cargo, no dia 1º de janeiro. Apesar de considerada a "joia da coroa" das desestatizações do estado, a missão de Tarcísio não será simples. A Sabesp é a quarta maior empresa de água do mundo em termos de população atendida. A oposição ao governador paulista já manifestou que fará de tudo para impedir a privatização, principalmente no âmbito do Legislativo. Municípios que se sentem prejudicados, bem como o sindicato dos trabalhadores que atuam na estatal, se movimentam para impedi-la. Ainda assim, Tarcísio deu o pontapé inicial para o início do procedimento.

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No começo de março, o governador anunciou que contratará o Banco Mundial para estudar a viabilidade da privatização da companhia de saneamento. De acordo com a Secretaria de Parcerias em Investimentos, o edital será lançado após os estudos técnicos que analisarão questões como as tarifas cobradas após a privatização e se será possível cumprir antes do prazo os requisitos exigidos pelo marco do saneamento.

"O Governo do Estado só avançará na proposta se esta trouxer benefícios como a universalização dos serviços de água e esgoto, previstos até 2033, além de melhorias na eficiência ao minimizar perdas e desperdícios que hoje rondam os 27% (2020), reduzindo, assim, os custos e ônus à população. Nos estudos já estão previstas alternativas para questões como as dos contratos com as prefeituras. O governo reafirma que o objetivo é atingir a totalidade do fornecimento de água e esgoto a preços justos e garantir a segurança hídrica para todo o estado", disse a secretaria em nota.

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O governo Tarcísio deve entrar cinco obstáculos principais no objetivo de privatizar a Sabesp.

1. Oposição dos municípios

Um dos principais empecilhos à privatização da Sabesp será a oposição dos municípios que possuem contratos com a empresa, dos maiores ao menores. Isso porque contratos maiores como o da cidade de São Paulo, por exemplo, devido à importância e alto valor, têm uma cláusula que condiciona a mudança de controle acionário da companhia ao cancelamento do contrato. Em casos como esse, o governo terá de negociar com o respectivo município para evitar o cancelamento da prestação de serviço.

De acordo com José Antonio Faggian, presidente do Sindicato dos trabalhadores em água, esgoto e meio ambiente do estado de São Paulo (Sintaema), que é contra a privatização, municípios pequenos, no interior do estado, se opõem ao controle pela iniciativa privada por eles serem deficitários financeiramente e acreditarem que a Sabesp não manterá o mesmo nível de investimento nestas cidades caso seja privatizada. "A Sabesp acabou de fazer uma obra que custou R$ 2 milhões em um município de 4 mil habitantes. A iniciativa privada não vai fazer uma coisa dessa. Os municípios pequenos estão receosos", diz ele, que está em viagem pelo interior do estado e conta que na região de Presidente Prudente, Tupã e Adamantina o sentimento é de preocupação e contrário à privatização.

2. Risco de aumento da tarifa

Entre os argumentos contrários, o presidente do Sintaema afirma que "há mais de 200 casos de reestatização pelo mundo na área de saneamento, em locais como Paris, Berlim e Buenos Aires, porque a tarifa aumentou e a qualidade do serviço piorou depois da privatização". Além disso, Faggian defende que "não há justificativa razoável para privatizar a Sabesp, uma vez que dos 375 municípios em que ela opera, 309 já tem 100% de coleta de esgoto, 100% de abastecimento de água e 100% de esgoto tratado". De acordo com ele, os outros 66 municípios estão dentro do plano de investimento para ter a universalização antes de 2033, prazo exigido pelo marco do saneamento.

"É uma empresa bem avaliada pela população e que há mais de 20 anos não tira nem um real dos cofres do estado, ao contrário, paga dividendos em torno de R$ 500 milhões por ano. Este recurso é reinvestido nos 645 municípios do estado", diz ele.

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Apesar dos argumentos contrários, em fevereiro o governador Tarcísio de Freitas deu uma declaração garantindo que seguirá com a privatização da Sabesp se os estudos comprovarem que haverá diminuição das tarifas cobradas ao consumidor. "É falso o argumento de que a privatização vai aumentar a tarifa. Não vamos fazer a privatização para fazer com que o cidadão pague mais caro pela água. Vamos estudar para ter absoluta certeza de que a água vai chegar onde não chega e a tarifa vai cair", disse Tarcísio na ocasião.

3. Frente Parlamentar contra a Privatização da Sabesp na Alesp

Outro empecilho para a privatização da Sabesp é a oposição, liderada pelos partidos de esquerda, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Chamada de "Frente Parlamentar contra a Privatização da Sabesp", o grupo reúne mais de 20 deputados do PT, PCdoB, Psol e Rede, junto com sindicatos e representantes da CUT e da CTB. Apesar de o governo ter ampla maioria na Casa, existe certo receio de que haja dissidências de apoiadores. Vale lembrar, porém, que o presidente da Alesp, André do Prado, é aliado do Executivo estadual e um trunfo por seu bom relacionamento com políticos dos demais partidos.

4. Complexidade da operação

Para Fernando Ferri, da empresa de análise de investimentos Empiricus, o tamanho da Sabesp pode ser um fator que dificultará a privatização devido à complexidade da empresa. "Toda a privatização tem um nível de complexidade de operação, de desenho do modelo e de aceitação do público. A Eletrobras, por exemplo, demorou muito tempo e tinha ativos estratégicos que precisaram ficar de fora", diz.

Ferri lembra que a Sabesp é um processo mais simples que a Eletrobras pelos ativos estarem concentrados no estado de São Paulo, mas ainda assim é uma operação repleta de dificuldades. "São dezenas de milhares de funcionários, estações e subestações. Além disso todas as empresas públicas acabam tendo esqueletos escondidos, ou seja, investimentos que são duvidosos", analisa.

5. Mercado especulativo

Ferri afirma que o mercado financeiro está descrente quanto à celeridade com a qual a privatização da empresa será feita. Prova disso é o valor que as ações da Sabesp estão sendo negociadas em bolsa. Com base em um tipo de avaliação que leva em conta o valor da firma dividido pela base de ativos regulatória, o seu valor negociado deveria ser acima de R$ 87 por ação para ser considerada uma empresa bem gerida. Porém, o valor por ação está sendo negociado próximo a R$ 51, um patamar relativo muito parecido com o valor negociado no pior momento da crise hídrica enfrentada pela empresa.

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É preciso considerar nesta desvalorização a Selic alta e o cenário geral de aversão à risco na Bolsa, porém seu baixo valor é um bom parâmetro para avaliar o interesse dos investidores. "Existe uma descrença de que ela vai ser privatizada rapidamente e, por conta desse risco, os investidores estão preferindo alocar em outros papeis", diz Ferri.

Fatores favoráveis à privatização da Sabesp

Apesar dos obstáculos, outros fatores contam a favor da privatização da Sabesp. O novo marco do saneamento, por exemplo, abriu portas para destravar o investimento privado no setor em todo o país. "Há meio trilhão de reais de investimentos necessários até 2033 para universalizar no Brasil todo o serviço de saneamento que é exigido na lei. Isso é muito dinheiro e já há uma necessidade de alocação de capital", diz Diogo Mac Cord, ex-secretário de Desestatização do governo Bolsonaro e atual sócio e líder de Infraestrutura e Mercados Regulados para a América Latina da EY.

Em relação à privatização da Sabesp, Mac Cord afirma que ainda há perguntas a serem respondidas. "A primeira é: vai ter outorgas disponíveis para os titulares do serviço, que são os municípios? O que o governo do estado pretende fazer com os recursos levantados? Ainda não existem informações sobre isso, mas sabemos que o Tarcísio é muito hábil e tem uma experiência enorme em concessões e privatizações. Imagino que o desenho leve ao alinhamento de incentivos, que por sua vez leve à possibilidade da privatização", pontua.

Para Gesner Oliveira, coordenador do Centro de Estudos em Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas e ex-presidente da Sabesp, "qualquer privatização é um processo que exige transparência, avaliação dos ativos e modelagem. É natural que haja um trabalho técnico bastante amplo para a privatização da Sabesp".

Gesner avalia que a Sabesp é uma das empresas mais atraentes do setor de saneamento, principalmente em função do grande número de contratos que possui com os municípios. "É uma empresa com uma base de atuação muito forte e aproximadamente 370 contratos em 370 municípios. Tem uma grande capacidade de investimento, vasta experiência, um padrão de governança muito bom e também ações negociadas em Nova York. Isso tudo faz com que seja uma empresa bem vista e bem avaliada. Nas mãos do setor privado, ela poderá ser ainda melhor e ter mais agilidade", acredita ele.

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