A empresa chinesa CRRC vai abocanhar uma relevância ainda mais expressiva em projetos ferroviários no Brasil. Ela integra o consórcio C2, único participante que arrematou o leilão para o trem intercidades, ligando São Paulo a Campinas, na última semana. O C2 também é formado pela holding brasileira Comporte, que pertence à família Constantino, fundadora da Gol e que detém 60% das operações do consórcio.
Nos Estados Unidos, a CRRC é temida após vencer uma série de licitações no transporte sobre trilhos. A companhia chinesa também foi fornecedora de trens para o metrô no Rio de Janeiro, na SuperVia, e vai entregar os novos trens à linha 15-prata do metrô de São Paulo.
Na gestão dos trilhos paulista, o consórcio C2 vai operar um projeto de R$ 14,2 bilhões em três eixos distintos: o trem expresso intercidades (TIC) eixo norte de São Paulo a Campinas; o trem metropolitano de Jundiaí a Campinas; e a linha 7-rubi da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Grupo CRRC pode abrir fábrica em São Paulo
Com 40% das operações do consórcio C2 para o TIC eixo norte, a empresa CRRC é controlada pelo governo chinês. Tem sede em Pequim, emprega 180 mil pessoas e conta com 46 subsidiárias, de olho em outras, inclusive no Brasil.
Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) iniciou tratativas para a abertura de uma unidade para fabricar trens no estado. No início da semana passada, executivos ligados à estatal chinesa se reuniram com o governador. A empresa CRRC quer instalar mais uma subsidiária, desta vez no interior paulista, e pelo menos duas cidades estão no radar: Hortolândia e Valinhos. Além do mercado brasileiro, onde a CRRC pretende expandir atuação participando de novas concorrências em leilões, a unidade abasteceria a produção para países vizinhos.
A estatal é considerada a maior fabricante e fornecedora de materiais e suprimentos para ferrovias do mundo, com participação em projetos ferroviários, com fornecimento de trens e locomotivas na Europa, na Ásia, Oriente Médio, América Central e Estados Unidos. Recentemente foi vencedora de licitações do metrô nas cidades colombianas de Bogotá e Medelín.
Do temor da espionagem ao subsídio do estado com risco de concorrência desleal
Nos Estados Unidos, a empresa CRRC tem vencido uma série de licitações e instalou fábricas para facilitar sua operacionalização local. Por outro lado, está no centro de uma polêmica antiga. Há cinco anos, na gestão de Donald Trump, o Congresso proibiu, graças ao apoio de republicanos e democratas, a utilização de recursos públicos para compra de trens e vagões chineses.
Entre as vertentes que justificariam a medida está, segundo o jornal The Washington Post, o risco de espionagem às ações militares americanas ou acesso a informações de americanos que trafegam por trens e metrôs fornecidos e produzidos pelo grupo, com a utilização de redes Wi-Fi. A companhia chinesa nega e diz que jamais operou qualquer unidade após a entrega de empreendimentos.
Uma segunda via de justificativas engloba a estratégia de restringir o acesso de tecnologias chinesas nos EUA como resposta do então presidente Trump sobre a taxação de impostos às gigantes americanas com operação na China.
Críticos americanos alertam ainda para uma concorrência desleal, considerando que a empresa receberia subsídios do governo chinês, tornando mais difícil a concorrência em licitações dos demais grupos que operam sem subsídios, o que poderia formar uma espécie de monopólio. A companhia chinesa contesta, diz que perdeu licitações por não conseguir alcançar valores propostos pelas concorrentes e que não almeja monopolizar o segmento.
Mais recentemente, a estatal chinesa passou a ser investigada pela União Europeia, que pretende saber mais sobre os subsídios do governo chinês à companhia que fatura anualmente US$ 37,8 bilhões (próximo a R$ 190 bilhões).
De olho no mercado regional, a empresa CRRC foi uma das mais relevantes participantes da Exposição Internacional de Equipamentos Ferroviários, realizada em São Paulo. A estatal chinesa aproveitou a feira para demonstrar produtos de trânsito ferroviário e sistemas tecnológicos, incluindo trens de metrô da próxima geração, trens maglev (que utilizam a levitação magnética para flutuar sobre vias), locomotivas híbridas de célula de combustível de hidrogênio e unidades múltiplas a diesel em modelos reais, sistemas multimídia e painéis de exibição de imagens.
A empresa CRRC também fez, durante o evento, o lançamento de produtos e de tecnologia. “Nos últimos anos, os equipamentos e serviços de trânsito ferroviário da China foram amplamente reconhecidos na América do Sul. A CRRC assinou contratos de projetos e fez entregas em massa em locais como Brasil, Colômbia e Chile, demonstrando sólida capacidade de desempenho de contratos. Até agora, a CRRC forneceu soluções sistemáticas e serviços de ciclo de vida completo em diversas cidades do mundo, acumulando ricas experiências em projetos”, destacou.
Comporte: o grupo brasileiro com 60% do controle do C2
A brasileira que responde por 60% das operações da C2 é a holding Comporte, fundada há mais de 21 anos. Teve faturamento de R$ 2,9 bilhões em 2023, segundo seu relatório anual, acréscimo de 18% se comparado ao faturamento do ano anterior. O consórcio conta com investidores no setor de transportes rodoviários, cargas, turismo e fretamento.
O grupo foi criado pela família Constantino, fundadora da Gol, hoje uma companhia aberta e que está em processo de recuperação judicial.
Na lista das controladas pelo grupo há pelo menos 16 empresas ligadas aos segmentos de atuação e, mais recentemente, se voltou de forma mais focada ao transporte sobre trilhos. Em 2022, o Comporte arrematou a concessão do metrô da capital mineira, em um leilão no qual foi o único participante.
A empresa reforça que é uma sociedade por ações de capital nacional fechado e o objeto é a participação no capital de outras sociedades a quem presta apoio administrativo, financeiro e operacional por meios materiais e técnicos, “podendo se associar a outros empreendimentos na modalidade de associação ou consórcio de empresas”.
“A Companhia atua por meio de suas controladas nos segmentos de transporte de passageiros por vias terrestres em linhas regulares ou sob a forma de fretamento contínuo e eventual, transporte de encomendas em compartimentos destinados ao transporte de bagagens e transporte de passageiros sobre trilhos”, esclarece o grupo no site oficial.
No leilão do TIC eixo norte na B3, o diretor institucional da Comporte e coordenador geral do consórcio firmado com a empresa chinesa CRRC, José Efraim Neves da Silva, afirmou que não seria possível dar sequência e participar da licitação sem que estivessem com total confiança no trabalho e condução do governo do estado de São Paulo.
“É uma honra poder gerar exemplos para que outros venham contribuir para o crescimento do estado e da nossa nação”, afirmou. A concessão tem duração de 30 anos a partir da assinatura do contrato e a perspectiva é que os trens entrem em operação no início da década de 2030.
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