Ferramentas tecnológicas auxiliam a Secretaria da Educação de São Paulo nas avaliações de fluência leitora para 100 mil estudantes do 2º ano do ensino fundamental da rede estadual.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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A Secretaria da Educação do estado de São Paulo (Seduc-SP) iniciou a aplicação de avaliações de fluência leitora para 100 mil estudantes do 2º ano do ensino fundamental da rede estadual, na última semana. A ação ocorre após a divulgação dos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que ocorreu em agosto de 2024, e que mostraram queda significativa no desempenho das escolas paulistas em todos os níveis de ensino.

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Além dos alunos da rede estadual, a avaliação será aplicada em municípios parceiros do programa "Alfabetiza juntos SP". A iniciativa visa reverter o cenário - considerado preocupante - e melhorar os índices de aprendizagem.

De acordo com Márcia Bernardes, técnica da secretaria responsável pela Cooperação Pedagógica com os Municípios, a partir da implantação do programa "Alfabetiza juntos SP" e de toda a avaliação de fluência leitora, a educação de São Paulo tem mostrado aos educadores que a leitura é tão importante quanto a escrita. "Para um aluno estar alfabetizado, ele precisa ter a capacidade de ler fluentemente, compreender o que lê e escrever. Acreditamos que a leitura ficou deixada de lado por um tempo, principalmente a leitura em voz alta. É a leitura em voz alta que traz a fluência na leitura para o aluno”.

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Para a professora Maria Anita Viviani Martins, da PUC-SP, o debate transcende questões político-partidárias. “Não se trata deste ou daquele governo, mas da necessidade de gestores com domínio técnico e científico sobre o ensino”, afirmou. Ela ressaltou que, ao longo das últimas duas décadas, políticas públicas nos âmbitos federal e estadual têm sido conduzidas por profissionais leigos no setor educacional. Isso, segundo ela, reflete um desconhecimento das reais condições do ensino e das necessidades dos estudantes, sobretudo nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Na opinião da especialista, avanços na educação exigem superar a tradição de desprezo pelos estudos quantitativos que embasam ações pedagógicas. “A competência de gestão demanda um domínio técnico-científico prático. No entanto, as discussões frequentemente se limitam ao campo político-partidário, deixando de lado a ciência”, observou.

Estudantes de São Paulo têm queda no desempenho educacional

São Paulo, que em 2019 ocupava posições de destaque no Ideb, apresentou uma queda expressiva em 2023. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o estado caiu do 2º para o 6º lugar no ranking nacional. Nos anos finais, saiu da liderança para a 6ª posição. Já no ensino médio, que antes era o 5º melhor do país, caiu para o 8º lugar.

Essa comparação com os números de 2019 é relevante já que os resultados de 2021, em meio à pandemia de Covid-19, ficaram aquém do esperado, refletindo os desafios do ensino remoto. Em 2023, a rede paulista alcançou 6,2 pontos nos anos iniciais do fundamental, enquanto o Ceará liderou com 7,7. Estados como Paraná, Goiás, Espírito Santo e Piauí também superaram São Paulo nessa etapa.

O governo estadual reconheceu as defasagens no aprendizado, reforçando que medidas estão sendo adotadas para recuperar o desempenho. De acordo com Márcia, a iniciativa não foi lançada depois do resultado do Ideb. Ela começou em 2023 quando, no mês de junho, foi realizada a primeira avaliação de fluência leitora com mais de 500 municípios.

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“Antes mesmo da criação do lançamento do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, o governador vinha desenhando um programa de alfabetização em regime de colaboração com a rede municipal, uma vez que a maior parte das matrículas de anos iniciais, ou seja, de alunos em fase de alfabetização, está sob a responsabilidade dos municípios”, disse ela.

Para Maria Anita, ainda é possível melhorar. “Parece que há um longo caminho de aprendizagem para nossos gestores (macro). Não se trata deste ou daquele governo, é a necessidade de gestores com domínio da ciência do ensinar".

Alfabetização como prioridade

Com a meta de tornar 90% das crianças fluentes em leitura até 2026, o governo paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos) estabeleceu parcerias com municípios para fortalecer o aprendizado na alfabetização. Para o professor Américo Amorim, doutor em Educação pela Johns Hopkins University, é necessário investir em metodologias eficazes para superar os desafios da leitura.

“Precisamos ensinar um vocabulário amplo e trabalhar a consciência fonológica e fonêmica. Esses aspectos ajudam as crianças a desenvolver habilidades essenciais de decodificação e compreensão”, destacou Amorim, que desenvolveu jogos lúdicos para fortalecer a leitura e a escrita ainda na educação infantil.

Sobre a busca pelo “melhor método” de ensino para alfabetizar alunos do Ensino Fundamental, Maria Anita criticou o foco excessivo na escolha de técnicas específicas, sem considerar o contexto mais amplo. Ela explicou que ensinar vai além de métodos predefinidos: “É preciso entender o sujeito da aprendizagem, o objeto de conhecimento, sua função social e os aspectos cognitivos envolvidos.”

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Ela também pontuou que a tradição de escolher um método antes de compreender esses elementos é um resquício de práticas do início do século XX, quando a pedagogia era baseada em passos rígidos e padronizados. “O bom método é aquele que forma leitores críticos, capazes de interpretar e construir conhecimento a partir do que leem, e isso exige competência técnica e científica por parte dos professores.”

Para Márcia, a melhor metodologia é colocar o aluno em contato com a leitura e exercitá-la de várias formas diferentes, como ler em voz alta, além de trabalhar a consciência fonológica para que a criança entenda e faça a leitura corretamente. “Para desenvolver uma leitura fluente é necessária a prática exaustiva de diversas modalidades de leitura com as crianças, principalmente a leitura em voz alta”, afirmou.

“Um bom leitor por certo com fluência leitora consegue interpretar uma manchete até por antecipação. O bom método é aquele que consegue produzir um leitor (não somente o que decodifica) eficaz na construção do conhecimento acerca daquilo que ele lê. Exige competência técnico-científica e a condição de realizar o ato de ensinar não é uma tarefa para leigos que aplicam um método e uma metodologia”, concluiu.

Uso da tecnologia na avaliação

As avaliações de fluência leitora na educação de São Paulo estão sendo realizadas por meio de duas ferramentas principais:

  • Aplicativo do CAEd: Utilizado para gravar e validar a leitura das crianças do 2º ano, o sistema fornece uma análise detalhada do desempenho.
  • Plataforma "Elefante letrado": Voltada para estudantes do 2º ao 5º ano, a plataforma será usada por 420,7 mil alunos.
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Na plataforma "Elefante letrado", os alunos leem textos, e os áudios das leituras são disponibilizados em uma área exclusiva para os professores. O sistema registra automaticamente os resultados, permitindo que os docentes acompanhem a evolução das turmas ao longo do ano. Os desempenhos são classificados em quatro níveis: abaixo do básico, básico, adequado e avançado.

“Quando a criança começa a ler palavras e escrever frases, trabalhamos a fluência de leitura, que é um componente essencial para a compreensão de textos. Isso envolve velocidade, precisão e entonação. Ler rápido sem entender ou cometer erros não ajuda no aprendizado”, explicou Amorim.

A técnica da secretaria responsável pela Cooperação Pedagógica com os Municípios analisa que ainda há resquícios dos efeitos da pandemia no processo de alfabetização, "considerando que as crianças que estavam no processo de alfabetização até o ano passado, no período da pandemia estavam na educação infantil”, comentou Márcia. “E nós sabemos o quão importante é a educação infantil para o processo de alfabetização. No entanto, percebemos que a leitura não era uma prática recorrente e sistematizada dentro da sala de aula. Havia uma preocupação maior com a escrita do que com a leitura”, pontua ela.

A plataforma também oferece acesso a 500 obras de literatura infantil, que podem ser exploradas por computador, tablet ou celular. Cerca de 550 mil alunos da rede estadual já utilizaram o sistema e concluíram a leitura de 3,8 milhões de livros.

Ler rápido sem entender ou cometer erros não ajuda no aprendizado.

Américo Amorim, doutor em Educação pela Johns Hopkins University
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Pandemia e o impacto nas habilidades de leitura

Outro tema abordado por Maria Anita foi o impacto da pandemia e do uso de telas no desempenho dos alunos. A educadora reconheceu que a pandemia trouxe desafios sem precedentes, alterando radicalmente formas de ensinar e aprender. “O período pandêmico demandou uma adaptação extraordinária, e seus efeitos ainda são perceptíveis. É preciso aceitar as consequências e trabalhar para superá-las, especialmente em habilidades complexas como a leitura e a escrita.”

Sobre a associação entre o baixo índice de leitura e o uso exagerado de tecnologias, a professora da PUC-SP destacou que o foco nas telas implica um tipo diferente de leitura e interpretação, envolvendo sistemas simbólicos distintos. Embora reconheça a relevância da tecnologia no processo educacional, ela alerta para a necessidade de um uso crítico e planejado. “Os recursos tecnológicos não são, por si só, garantia de aprendizagem. É essencial que os educadores liderem esse processo com intencionalidade pedagógica”, concluiu.

Amorim enfatizou o papel das telas na aprendizagem, apontando tanto riscos quanto oportunidades. “O problema vem de antes da pandemia. Precisamos analisar o que as crianças consomem nas telas. Se é conteúdo no YouTube, por exemplo, isso pode ser tão prejudicial quanto assistir TV sem controle. Porém, jogos educacionais voltados para a consciência fonológica podem acelerar o desenvolvimento da leitura em até quatro vezes”, explicou.

Educação em São Paulo tem futuro de desafios e oportunidades

A análise de Maria Alice aponta que, para transformar a educação, é necessário romper com paradigmas ultrapassados e investir em gestores e professores capacitados. Além disso, a combinação de ciência, planejamento técnico e uso estratégico da tecnologia deve guiar as políticas públicas no setor. Com a queda no ranking do Ideb e os desafios impostos pela pandemia, o caminho à frente exige mais do que métodos: demanda uma visão holística e integrada da educação.

Em 2023, 64% dos alunos do 2º ano foram classificados como leitores fluentes. A comparação entre os dados iniciais de 2024 e os resultados finais do ano anterior será fundamental para ajustar as estratégias e garantir o cumprimento das metas educacionais. Com as avaliações realizadas pelo CAEd e pela "Elefante letrado", a Seduc-SP espera mapear o progresso dos estudantes e reverter a queda no Ideb, reafirmando o compromisso de oferecer uma educação de qualidade para os estudantes paulistas.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]