Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília| Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF
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No início de fevereiro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que gerou revolta tanto no meio jurídico quanto tributário e empresarial. Trata-se da mudança sobre a "coisa julgada", nome atribuído a uma decisão considerada definitiva, que terá efeito sobre tributos retroativos.

Nesse caso, a modificação do entendimento envolveu o recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Empresas que não recolhiam o imposto com base em sentenças transitadas em julgado terão de recolher os tributos retroativos desde 2007, quando o STF decidiu pela sua constitucionalidade.

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A maior crítica à decisão é a repercussão em tributos julgados em todas as esferas – municipais, estaduais e federais – e a insegurança jurídica que traz tanto às empresas quanto aos contribuintes.

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"São mudanças de regras que na maioria dos países democráticos não existe e que afugentam os investidores externos. Entendemos ser um julgamento mais político que técnico, porque vai de encontro ao princípio da coisa julgada", diz João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

As empresas e instituições que as representam aguardam a divulgação do acórdão, a decisão do órgão colegiado do STF, para decidir que caminho irão tomar. A alternativa vista como possível é entrar com embargo de declaração solicitando a modulação do efeito da decisão, ou seja, que o recolhimento do tributo passe a valer da decisão do STF em diante, e não retroativamente.

"O maior problema dessa decisão não é o mérito em si, mas a falta de modulação dos seus efeitos. É possível entender que quando um tributo for julgado constitucional, ele passe a ser devido por todos. No entanto, os efeitos da decisão deveriam valer apenas para o futuro e não para o passado, sob pena de criar uma insegurança jurídica muito grande”, afirma Fábio Tomkowski, advogado especialista em direito tributário e conselheiro da Fecomercio-SP.

Efeito cascata em tributos retroativos

De acordo com Olenike, do IBPT, a decisão do STF pode impactar os 64 tributos que são cobrados no país. Entre os principais impostos que são alvo de ações da Justiça, em que as empresas obtiveram decisões favoráveis, está o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPIs).

"O caso mais comum é de uma empresa que se considera prestadora de serviço e prova na Justiça que estava recolhendo o IPI indevidamente, de maneira que consegue receber esse valor de volta ou compensá-lo. Pela decisão do STF, isso poderá ser revisto", diz ele.

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O prejuízo estimado pelas empresas que não recolheram os tributos devido a causas ganhas na Justiça e terão de fazê-lo retroativamente é milionário. O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, soltou um informativo de fato relevante no mês passado revisando a probabilidade de perda nos processos em andamento desde 2007 no valor de R$ 290 milhões.

A confusão sobre a cobrança de tributos no país é grande e, principalmente, sua judicialização. Um levantamento realizado pelo Valor Data em demonstrações financeiras de 30 de setembro de 2022 mostrou que as 19 maiores empresas abertas do país questionam na Justiça a cobrança de R$ 559 bilhões em impostos nas esferas federais, estaduais e municipais. O valor corresponde a 74,3% do total estimado em ações judiciais dessas demonstrações. As companhias, na maioria, não provisionam os recursos devido às grandes chances de vitória judicial.

O Valor Data mostrou ainda que, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023, as ações judiciais tributárias no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) classificadas como risco possível somam R$ 862,9 bilhões.

Projetos de lei tramitam no Congresso

Diversas iniciativas estão sendo criadas no âmbito do Legislativo para evitar ou amenizar o impacto da decisão do STF aos contribuintes. Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar 26/2023, de autoria do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), prevê que os tributos devidos em decorrência da decisão terão abatimento de 100% dos juros, multas e encargos legais e parcelamento em 12 vezes mensais do valor principal, podendo ser quitados em até sete anos.

Já o Projeto de Lei 512/2023, do deputado Gilson Marques (Novo-SC), propõe instituir o Programa Especial de Regularização Tributária do Fim da Eficácia da Coisa Julgada (PERT-Fim), podendo ser aderido por pessoas físicas e jurídicas, e permite parcelamento dos débitos tributários em até 20 anos com redução gradativa de até 100% de multas, juros e encargos.

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No Senado Federal, quatro propostas foram apresentadas, entre elas a do senador Hamilton Mourão (Republicanos - RS). O PL 596/2023 concede remissão à CSLL, do período até dezembro de 2022, que não foi paga devido à decisão do Supremo, zerando também juros, multas e encargos.

Já o PL 589/2023, de Izalci Lucas (PSDB-DF) propõe que "é nulo de pleno direito qualquer entendimento, decisão ou interpretação proferido por qualquer juízo ou tribunal, inclusive Tribunais Superiores e o Supremo Tribunal Federal, que altere, relativize ou modifique os efeitos de decisão judicial protegida pela autoridade da coisa julgada material", alterando o Código de Processo Civil.

De Jorge Seif, o PL 588/2023 propõe que obrigações, incluindo juros e multas decorrentes de decisões que alterem a coisa julgada valham "apenas a partir do ajuizamento do pedido de revisão". O PL 584/2023, do senador Eduardo Girão (Novo-CE), por sua vez, propõe que o STF pode restringir os efeitos da inconstitucionalidade ou constitucionalidade de lei ou ato normativo ou decidir que terá "eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, desde que preservada a coisa julgada".

Independente do desfecho do assunto após o trânsito em julgado da decisão do STF ou por meio da evolução de projetos de lei, fato é que o tema impacta negativamente a economia brasileira, em um momento em que a expectativa pela reforma tributária e a simplificação da tributação são duas das mais urgentes demandas do país.