O secretário da Educação do estado de São Paulo, Renato Feder, fez um balanço do primeiro ano de gestão à frente da pasta em entrevista concedida à Gazeta do Povo. Feder destacou avanços, voltou a reconhecer erros, esclareceu polêmicas e respondeu sobre o futuro político.
A reformulação do novo ensino médio pretendido para São Paulo foi um dos destaques da entrevista de Feder. À reportagem da Gazeta do Povo, ele aproveitou para esclarecer que a adesão ao modelo de escolas cívico-militares no estado será um projeto construído junto com a vontade da sociedade, falou sobre o trabalho desenvolvido com o objetivo que o estado suba na classificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e reforçou a defesa de que o Brasil pode ter uma das melhores educações públicas do mundo.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como o senhor vê a educação pública brasileira no futuro?
Vejo que é possível o Brasil ter uma das melhores educações públicas do mundo. Então esse é o meu grande objetivo de vida: entregar uma educação pública de qualidade a nível mundial. O Brasil, quando eu era criança, era só bom no futebol e no carnaval. Hoje o Brasil se destaca em muitas áreas: empreendedorismo, agronegócio, multinacionais e exportações. O Brasil evoluiu muito. E eu acredito que o Brasil tem como ser uma nação que dá um exemplo de educação pública e eu quero fazer parte desse time. Sou um idealista da educação pública e vislumbro que a gente vai conseguir estar entre as melhores educações do mundo. É um sonho que está distante, mas a gente vai caminhar nessa direção.
Após muitas polêmicas envolvendo a Secretaria da Educação, como está a sua relação com o governador?
A relação com o governador Tarcísio se constrói à medida que ele divide esse caminho, esse sonho comigo. O governador tem a vontade muito forte de melhorar a vida da população. A educação salvou a vida dele: ele vinha de uma origem muito humilde, estudou muito e a educação transformou a vida dele. É isso que ele vislumbra também, e foi por isso que ele me apoiou tanto, porque ele vê essa vontade, essa força de realmente dar uma educação de qualidade. Isso fez o apoio dele pela minha gestão ser tão forte em todos os momentos.
Logo no primeiro ano o senhor propôs uma grande mudança no novo Ensino Médio. Por quê?
A gente teve muitos avanços. A questão mais urgente que a gente encontrou foi o novo Ensino Médio, que foi desenhado com amplitude muito grande em São Paulo, com 11 itinerários e 300 possíveis disciplinas. E a educação profissional muito pequena, só tinham 25 mil alunos. Diminuímos para dois itinerários com nove disciplinas focadas na vida profissional e vida futura do estudante. Essas nove disciplinas incluem oratória, liderança, empreendedorismo, educação financeira e mídias digitais, que são disciplinas que o aluno provavelmente vai usar na vida adulta. Quando o estudante vê que tem essa possibilidade, ele fica muito animado. Como são só nove disciplinas e não 300, a gente consegue treinar os professores para dar aulas focadas com cada conteúdo correto. A gente vai apoiar para o aluno ter um conteúdo relevante e bem oferecido. Isso foi muito bem aceito entre os estudantes e os professores. Em uma das pesquisas que fizemos, a aprovação ao novo modelo ficou em quase 80%.
Para alguns especialistas, São Paulo voltou ao modelo antigo de ensino. O senhor concorda?
O novo Ensino Médio não pode ser implementado de maneira exagerada. É isso que acabou acontecendo em alguns estados, incluindo São Paulo. O novo Ensino Médio propõe que o estudante faça escolhas e decida caminhos, só que o que aconteceu em São Paulo foi um movimento exagerado. Por exemplo, um aluno do terceiro ano do Ensino Médio tinha duas aulas de matemática, e não tinha mais história e geografia. A gente foi corrigindo os exageros que aconteceram no estado de São Paulo. A gente devolveu mais matemática, língua portuguesa, história, geografia, química e física, mas também conseguimos disciplinas inovadoras que o novo Ensino Médio permite.
Como tornar as aulas mais atrativas na busca por reduzir a evasão escolar?
A gente via alunos evadindo principalmente no Ensino Médio e a gente mudou esse cenário radicalmente. Começamos a medir a frequência diariamente e fornecemos essa informação para a escola e o diretor da escola. O que é mais eficiente: a busca ativa ou aulas cativantes com muito conteúdo? Descobrimos que os dois são importantes. As escolas fizeram um esforço por aulas melhores e conseguimos subir a frequência escolar durante o ano: começou com 78% e acabou com 83%. Embora ainda seja baixa, esse aumento de 5% representa 150 mil alunos a mais em sala de aula todos os dias. A frequência escolar é muito importante, considero isso um sucesso.
O governo do estado trata o programa Prova Paulista como um êxito da atual gestão. Como o senhor avalia?
Prova Paulista foi outro sucesso. Tinha uma prova, mas era só de português e matemática e a resposta sobre o que os alunos aprenderam chegava um mês depois. Agora a gente colocou todas as disciplinas: história, geografia, física, química, biologia, sociologia, filosofia e inglês, e a resposta chega no dia seguinte. O professor consegue ver o que a turma dele aprendeu e não aprendeu, quais alunos foram bem, quais alunos não evoluíram. Vimos que os professores entravam em média 10 vezes na plataforma do Prova Paulista para ver os resultados, ou seja, eles realmente estudavam o que aconteceu. Na primeira prova a gente teve 84% de participação, na segunda prova teve 88% e, na terceira e última do ano, 92%. É muito acima das gestões anteriores.
Sobre a polêmica envolvendo a Multilaser - empresa da qual o senhor foi sócio - e a Secretaria da Educação, que adquiriu computadores da companhia, gostaria de explicar o que aconteceu?
Os contratos foram feitos na gestão anterior e as entregas feitas durante a minha gestão. Os fornecedores se comprometeram a entregar até agosto e todos entregaram. O Ministério Público arquivou a acusação de que tinha algo errado na minha gestão. Fui presidente e sócio [da Multilaser]. Entregaram tudo durante o primeiro semestre e o compromisso de até agosto foi cumprido pelos quatro [contratos assinados com a empresa]. Esse foi um tema polêmico, mas não havia nada de errado e o próprio Ministério Público comprovou.
E quanto aos outros contratos firmados entre a Multilaser e a Secretaria da Saúde, quando o senhor já havia tomado posse na Educação?
São contratos muito pequenos, que realmente foram fechados na área da Saúde, mas não são ilegais. Eu sou secretário da Educação e não é ilegal a Multilaser vender para a Saúde, mas a própria Multilaser soltou um comunicado dizendo que não vai mais participar de licitação no estado de São Paulo. Estou fora da empresa há cinco anos.
Outra polêmica ao longo do último ano foi a substituição de todo o material físico fornecido pelo Ministério da Educação por um material próprio virtual. O senhor chegou a reconhecer que isso foi um erro. Gostaria de acrescentar algo sobre aquele período?
A gente voltou, sim, atrás, mas de uma maneira correta. A gente sempre foi a favor do material impresso e do material digital trabalhando conjuntamente, a gente nunca foi contra o impresso. O que aconteceu foi que a gente queria o nosso impresso. O erro foi abrir mão do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) antes de ter o nosso impresso pronto. Realmente foi uma medida que a gente tomou no final de julho que causou toda essa polêmica no início de agosto. Conversando com o MEC, a gente conseguiu voltar atrás, aderiu ao PNLD e também produziu o nosso material impresso. Mas foi sim um erro da minha gestão, um erro meu de ter saído do PNLD antes de explicar melhor essa questão do material impresso. Vamos ter três materiais: o PNLD (livro do MEC), o material do estado impresso e também o material do estado digital disponível para os professores.
Depois de serem observados erros de história, português e matemática no material digital das escolas, na época, o senhor trocou o coordenador pedagógico responsável. Como está essa situação?
Quando a gente começou a produzir o material digital, o total por ano era de 14 mil aulas, por bimestre aproximadamente 3 mil aulas. A primeira vez que a gente foi produzir isso tinha um processo revisório, mas infelizmente algumas dessas aulas continham erros. É lógico que é muito grave, mas acontece nas editoras também, que imprimem livros com erros. Já chegou a ter erros em materiais aprovados, por isso que eles estão sob constante revisão. A vantagem do material digital é que é muito rápido de arrumar, então nesses materiais a gente identificou os erros e trocou algumas pessoas por vários motivos, não foi só por esse erro, como o caso do coordenador [pedagógico]. Corrigimos os erros rapidamente, isso que é importante. Se você imprime um livro com erro, ele fica com o aluno o ano inteiro. No material digital você arruma no dia seguinte. Foram alguns erros no meio das 3 mil aulas naquele terceiro bimestre de 2023.
Quantas escolas cívico-militares devem ser entregues até o fim de 2026?
A gente não tem esse número ainda. É algo que a gente precisa conversar melhor com a sociedade. São Paulo tem um número reduzido, mas para ao menos manter esse número pequeno de uma escola estadual e sete municipais precisa de uma lei do Executivo. São Paulo já teve uma lei no passado que foi revogada pela Justiça. São Paulo precisa dessa lei, que é compromisso do governador Tarcísio e que vamos mandar para a Assembleia Legislativa neste início de 2024.
O modelo das escolas cívico-militares é uma prioridade da sua gestão?
A prioridade da gestão é atender a população. À medida que a gente tem a lei e o governo entende quanto a população quer, é isso que a gente vai construir no ano.
São Paulo ocupa o sexto lugar no Ideb, atrás de estados com um orçamento muito menor. À frente da Educação no Paraná, o senhor deixou o estado vizinho em primeiro lugar no indicador. Qual a expectativa para o estado paulista?
Estamos buscando a subida no Ideb, através dos alunos aprenderem mais e conseguirem demonstrar isso na prova que o MEC propõe. Já nesse primeiro ano estamos esperando uma subida para São Paulo, que nesse momento é o sexto colocado do Brasil. A gente busca a liderança, mas provavelmente não nessa primeira prova, porque em somente um ano de gestão é difícil.
Se o senhor permanecer até o fim dos quatro anos da gestão Tarcísio, dá para entregar São Paulo na primeira colocação do ranking de educação?
Dá para chegar. O Paraná ainda vai avançar bastante, então é um desafio. Mais importante do que o primeiro lugar é diminuir a diferença da escola pública para a escola particular. Hoje tem uma distância muito grande. Por exemplo, no Paraná, era uma distância de 30% na nota entre a particular e a pública, um abismo. Na minha gestão [no Paraná] conseguimos reduzir pela metade essa distância. Em São Paulo também quero ver essa distância diminuir. É a notícia que mais vai me agradar: ver a escola pública junto com a escola particular.
A PEC da Educação está dando o que falar sobre a possibilidade de transferência de 5% do orçamento da sua pasta para a Secretaria da Saúde. O governador disse que tem muita desinformação sobre isso. O senhor pode esclarecer essa proposta?
Esses 5% não vão diminuir o dinheiro da Educação, muito menos o da educação básica. Nosso orçamento em 2024 vai ser recorde histórico: vai passar de R$ 30 bilhões, não considerando o dinheiro dos professores aposentados. Estamos protegidos pelos 25% da lei federal, que é o que a Secretaria da Educação utiliza. O adicional era um recurso principalmente para professores aposentados. O Supremo Tribunal Federal determinou que o dinheiro para pagar os professores que estão aposentados não pode compor os 25% obrigatórios pela lei federal. O dinheiro do aluno e do professor em sala de aula está totalmente protegido. Esses 5% que o governador propõe é que, com a arrecadação subindo e os salários dos aposentados garantidos, ele possa aplicar esse excedente na Saúde, que é muito importante também. Vejo essa lei com bons olhos.
Portanto, diferente do que estão dizendo os partidos de esquerda e sindicatos, a PEC não vai tirar dinheiro da educação, correto?
O orçamento do Centro Paula Souza não está comigo e o orçamento das universidades também não, estão na Secretaria de Ciência e Tecnologia. O que está em discussão nessa PEC é o governo ter o direito de decidir o que é mais importante: um campus universitário novo ou mais dinheiro para a Saúde, por exemplo. O dinheiro da educação básica das nossas crianças está garantido. Se a PEC não for aprovada, o que pode acontecer é o dinheiro ir para uma universidade, para um campus novo ou para uma obra nova, sendo que às vezes poderia ser mais importante na Saúde. O governo quer poder fazer essa escolha que hoje não pode, então por isso eu sou a favor dessa PEC.
A pasta sofreu pressão dos sindicatos neste primeiro ano. Como o senhor avalia essa relação com os sindicalistas?
Temos feito movimentos para que os alunos aprendam mais e que apoiam os professores e profissionais da educação. A sociedade de uma maneira geral vem reconhecendo esses movimentos. Isso para a gente é o importante. Os alunos estão vendo que as aulas estão melhores. Temos um currículo mais focado, eles estão vendo que a gente traz inovações: as plataformas digitais. Os alunos estão fazendo muito mais uma matemática. Estão escrevendo mais; só para ter uma ideia: 3,4 milhões de redações foram escritas na plataforma Paulista. Estão aprendendo a programar no computador.
Os professores estão vendo também o apoio à formação, que é inovadora. Pediram duas modificações nas leis que a gente aprovou agora no final do ano: uma em relação ao tempo de preparação para enviar a aula - nós atendemos - e outra em relação às faltas, porque era uma cobrança injusta. O professor faltava uma aula do dia e era descontado o dia todo. Isso era prejudicial também para o estado, porque o professor pensava “poxa, se eu vou perder meu dia todo, então porque vou dar outras aulas?”, então quando descontamos exatamente o que o professor faltou, ele faltará menos. É melhor para o professor, para a escola e para o aluno.
Pediram um concurso público e a gente fez para 15 mil professores: tivemos 132 mil candidatos; os professores querem vir dar aula no estado. Ao fazer essas políticas, a sociedade entendeu que estamos focando nos nossos objetivos, que é atender o aluno com mais aprendizagem, com aulas com conteúdo útil para o aluno.
Estávamos com cerca de 25 mil estudantes na educação profissional nas escolas estaduais, agora vamos abrir 2024 com 100 mil alunos. É um desejo muito grande desses alunos de educação profissional. O diálogo tem sido de construção com sindicatos, sociedade, deputados e com os partidos. Temos diálogo, mas em geral reconhecendo esse mérito de quem realmente são os profissionais que estão lá na ponta.
Sobre o seu futuro político, pretende se candidatar para algum cargo?
Não vislumbro nenhuma eleição. Uma candidatura a deputado ou a senador não é do meu perfil, não vislumbro de maneira nenhuma algo desse tipo. Me dá muita satisfação trabalhar pela educação, ver os resultados. A educação paulista avançou muito esse ano: a gente tem 5% a mais de alunos na escola, todos fazendo Prova Paulista, melhorando notas, fazendo redações, fazendo matemática, aprendendo a programar. No ano que vem a gente vai ter robótica, empreendedorismo e educação financeira. São transformações que vão dando um senso de realização muito forte que eu sinto à frente da pasta da Educação. Me vejo nessa posição por muitos e muitos anos e não me vejo numa candidatura política, numa corrida eleitoral. Eu estou fazendo o que eu acredito que é o meu papel.
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