O "apagão" de energia que durou quase uma semana - em decorrência de um temporal com ventos que ultrapassaram 100 km/h - fez o debate sobre privatização de serviços essenciais escalar em São Paulo. Até então criticada por vozes da esquerda, a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) - uma das bandeiras prioritárias para o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) - começou a ver integrantes da direita se unirem às vozes dissonantes à proposta.
Durante a semana que passou, a base aliada do governador de Sao Paulo tentou blindar a proposta de privatização da Sabesp e dissociá-la das críticas atribuídas à Enel, empresa privada que é responsável pelo fornecimento de energia no estado paulista desde 2019 e que teria cometido falhas que prolongaram o “apagão”, segundo análise de alguns especialistas do setor.
Apesar dos problemas recentes relacionados à Enel, não se discute a possibilidade de reestatização do serviço de energia no estado. Porém, deputados governistas na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) reconhecem que a percepção popular sobre o serviço prestado pela companhia pode afetar avanços do projeto para a privatização da Sabesp.
O deputado estadual e vice-líder do governo na Alesp, Guto Zacarias (União Brasil), concorda que as falhas da Enel podem respingar na Sabesp. “É possível (prejudicar a privatização da Sabesp). A função dos deputados de direita no geral é desmistificar alguns mitos que o PT e a oposição fazem na internet. Se não tivesse essas chuvas e ninguém tivesse ficado sem luz, ainda assim eles estariam espalhando várias mentiras sobre a questão da privatização”, opina ele.
Zacarias ressalta que o modelo de privatização da Sabesp será bem diferente da Enel. “Aprovação da privatização da Enel não foi no governo Tarcísio nem com esses deputados da Assembleia Legislativa e também não foi com o estudo encomendado do Banco Mundial, como está sendo com a Sabesp”, diferencia. E promete que o projeto deve ter novidades até o fim deste ano.
“Tenho certeza que esse projeto vai ser aprovado ainda em 2023. Quando falamos sobre o Estado brasileiro, os serviços públicos são, via de regra, piores do que os serviços privados, independente dos erros”, diz Zacarias.
O projeto de lei 1.501/2023 que trata da privatização da Sabesp foi discutido na última semana no Congresso de Comissões da Alesp. É uma forma de o governo acelerar o processo em vez de passar, em sequência, pelas três comissões obrigatórias: Constituição e Justiça, Infraestrutura e Finanças e Orçamento.
Pelo Congresso das Comissões, a discussão acontece de uma só vez, e tem próxima reunião para discutir o PL 1501/23 nesta segunda-feira (13). Se aprovado nesta esfera, o passo seguinte é colocar a proposta para discussão e votação em plenário pelos 94 parlamentares.
Oposição quer usar caso da Enel para barrar privatização da Sabesp
Antes do "caso Enel", PT e PSOL haviam ingressado com processo no Supremo Tribunal Federal (STF), na tentativa de barrar a privatização da companhia de água de São Paulo. Em outra tentativa judicial, os mesmos partidos entraram com um mandado de segurança alegando inconstitucionalidade na iniciativa.
Para a esquerda paulista, ao invés do projeto de lei apresentado, a desestatização deveria ser apreciada por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). De forma prática, uma PEC requer mais votos: mínimo de 55 entre os 94 deputados, enquanto um projeto de lei necessita de 48 votos para ser aprovado.
O deputado estadual e líder da federação PT/PV/PCdoB, Paulo Fiorilo, acredita que a avaliação popular sobre o serviço prestado pela Enel pode interferir na privatização da Sabesp. “Deve dificultar aprovação por parte do governo. Traz uma série de problemas a serem explicados. A energia é uma coisa fundamental, mas a água é um bem público comum, todo mundo precisa para sobreviver”, diz o parlamentar.
Para ele, um ponto crucial é a falta de fiscalização por parte do governo do estado. “Não dá para fazer uma análise 'se fosse pública' e se 'não fosse pública'. Dá para fazer uma análise de como é feita a prestação do serviço e, nesse caso, se mostrou insuficiente para o estado de São Paulo. É preciso ver se empresa que ganhou a concessão está dando as respostas que deveria dar. Precisa haver fiscalização. Não basta conceder um serviço público importante e vital e não fiscalizar”, critica Fiorilo.
O petista alega que a iniciativa privada nem sempre vai pensar no bem da população e que pode tomar decisões, como reduzir mão de obra, com foco num retorno financeiro maior, além de estabelecer uma distância maior com o usuário do serviço.
Enel enfrenta CPI na Alesp e Câmara de Vereadores convoca presidente da empresa
O deputado estadual Thiago Auricchio (PL), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a prestação de serviço da concessionária, confirmou a convocação do presidente da Enel na condição de testemunha para prestar esclarecimentos. "Moro numa cidade afetada diretamente pela empresa, que há anos deixa de prestar um serviço de eficiência e como deveria", diz Auricchio, que foi quem propôs a criação da CPI.
O parlamentar avalia que a empresa não vem cumprindo com as suas obrigações. "Vamos trabalhar para que a empresa seja responsabilizada pelo que aconteceu e vem acontecendo. Esse último episódio é apenas mais um grave retrato do descaso da empresa. Tudo o que foi relatado será considerado na apresentação do relatório final da CPI", afirma Auricchio, que está entre os que apontam para a necessidade de que esse modelo de concessão tenha fiscalização efetiva do poder público.
Na Câmara de Vereadores de São Paulo, João Jorge (PSDB) foi eleito presidente da CPI da Enel na última quarta-feira (8). O vereador disse que nesta semana serão feitas as primeiras convocações. "Vamos buscar todas as informações de prejuízo, o que houve e, principalmente, fazer as convocações. É claro que estará entre os primeiros convocados o presidente da Enel em São Paulo”.
“Vamos cobrar a falta de competência da Enel. Quem vai pagar? Nós vamos exigir ressarcimento”.
João Jorge (PSDB), presidente da CPI da Enel na Câmara de Vereadores de São Paulo
Jorge enalteceu o feito de partidos de esquerda e direita estarem unidos para investigar o “apagão”. “Essa CPI é plural. Tem governista e oposição. Tem gente de direita, de centro e de esquerda. O que interessa mesmo é a defesa do povo da cidade de São Paulo. É isso que conta. O presidente Milton Leite (União Brasil) fez questão de dar representatividade a todos os partidos”.
Apoiadores de Bolsonaro são contra a privatização da Sabesp
Além dos deputados de esquerda da Alesp que contrários à privatização da Sabesp, o governador Tarcísio de Freitas encara um novo desafio, que é convencer parte da sua própria base aliada a votar favoravelmente no projeto que altera a gestão da companhia de água. O União Brasil agrega no Executivo estadual oito deputados com opiniões divergentes sobre o assunto.
Daniel Soares (União Brasil) se posicionou contra e por isso o partido trocou-o de duas comissões que deliberam o projeto da privatização da Sabesp. "Meu desligamento está atrelado ao posicionamento contrário à privatização da Sabesp. A defesa desse patrimônio é também a defesa do direito da população a um serviço público de qualidade", publicou o parlamentar no Instagram.
De acordo com apuração da Gazeta do Povo, ele não é o único deputado da base aliada com o mesmo posicionamento contrário. Novos posicionamentos públicos podem vir à tona no início desta semana. Na terça-feira (14) será lançada a Frente Parlamentar em apoio à privatização da Sabesp, liderada pelo vice-líder do governo, Guto Zacarias. Já na quinta-feira (16) está marcada a primeira audiência pública para debater o tema.
O ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo Jair Bolsonaro (PL), Fabio Wajngarten, tem sido uma das vozes de direita mais enfáticas contra a privatização da Sabesp. "Existe uma direita preocupada com a soberania do Brasil. E a Sabesp é um ativo estratégico do país, é uma das maiores empresas do mundo na distribuição de água e também na área do saneamento básico", publicou ele na rede social X (antigo Twitter).
Wajngarten argumentou que que "não faz sentido sair do monopólio público para cair no monopólio privado. Não podemos deixar a população refém de grupos empresariais que mal conhecemos".
Para economista, problema na concessionária de energia não afetará privatização da Sabesp
Fora do âmbito político, o economista e professor da FGV Joelson Sampaio acredita que os problemas recentes enfrentados pela concessionária Enel não afetarão o processo de privatização da Sabesp. Mas ele consideram que ficam algumas lições de como melhorar os procedimentos futuros. “São duas áreas bem distintas, mas ambas precisam ter o mesmo cuidado. Para isso, tem que fazer o monitoramento de regulação e precisa estar presente nesse processo”, afirma o professor.
Sampaio atrela uma expressiva redução nos custos, colocada em prática pela empresa privada, a riscos que podem se materializar em uma situação de emergência. “É um grande desafio para empresas privadas não ter descuido de trabalhar com um nível muito baixo de pessoas para atender esse tipo de problema”.
O economista alerta que o Estado não pode privatizar uma estatal e não se preocupar mais com a empresa. E aponta que o caso Enel deixa lições. “Temos que ter uma certa cautela. Não é ruim privatizar, mas o Estado não pode achar que é só privatizar e não estar presente para monitorar e fiscalizar. Precisa ter uma presença atuante para que essas empresas gerem valor. O ato apenas de privatizar não garante a melhoria da qualidade”, diz Sampaio.
“Acho que é algo para se monitorar os pontos, desenhar melhor os processos de regulação de fiscalização de serviços públicos", acrescentou Sampaio.
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