A diversificação de países identificados como receptores de drogas, marcadamente a cocaína, a partir do porto de Santos - o maior do hemifério Sul - tem desafiado órgãos de fiscalização e controle brasileiros. Para contra-atacar a queda de apreensões, a Receita Federal adotou a tecnologia de escaneamento de cargas para uma gama maior de destinos.
De 2016 ao início de julho de 2024, a Receita impediu o envio de 134,6 toneladas de cocaína que partiriam da megaestrutura portuária da Baixada Santista. O alerta é que, ano a ano, esse número vem caindo. No período, as forças de fiscalização e controle viram as rotas dos carregamentos se diversificarem a pelo menos 47 países identificados. Das 320 apreensões no período, quase um quarto - 75 - tinham a Bélgica como destino. Acredita-se que o país seja apenas um ponto do trajeto até outros destinos finais, ao menos para parcela das cargas ilícitas.
60% da cocaína que chega à Europa parte do porto de Santos, estima o Gaeco
Além de Bélgica e outros países europeus, as autoridades aduaneiras observaram a lista de destinos incluir Iêmen, Líbia, Síria, Rússia e, inclusive, Líbano, onde nasceu o grupo terrorista Hezbollah. Autoridades internacionais em segurança alertam para uma parceria entre o Hezbollah e a principal facção criminosa brasileira, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que figura entre as maiores no abastecimento de cocaína pelo mundo.
O PCC tem sido protagonista no envio da droga para continentes diversos, com carregamentos camuflados em meio a cargas lícitas partindo de Santos e de dezenas de outros portos pelo Brasil. Estimativas do Ministério Público de São Paulo, comentadas pelo promotor Lincoln Gakiya - que há investiga a organização criminosa há cerca de três décadas - indicam que anualmente o PCC consegue colocar no mercado europeu cerca de 60 toneladas de cocaína.
No mercado europeu, o quilo da cocaína tem variação estimada entre R$ 200 mil e R$ 400 mil. O Gaeco em São Paulo estima que 60% da cocaína que chega à Europa parta do porto de Santos.
Gakiya calcula que, do volume traficado, em torno de 10% é apreendido. "Podemos entender que houve e que está havendo um esforço das polícias e das administrações portuárias, inclusive das aeroportuárias, para impedir o tráfico. Por outro lado, podemos entender que uma grande parte dessa cocaína acabou saindo sem a devida pressão”, diz.
Apreensões no porto de Santos vêm caindo e Receita amplia fiscalização
A Receita Federal apreendeu 1,6 tonelada de cocaína no porto de Santos neste ano. Os diversos carregamentos do entorpecente seguiam no meio de cargas lícitas, sem o conhecimento dos transportadores. A Receita identificou que a primeira remessa flagrada - 26 quilos no dia 20 de março - tinha como destino Sydney, na Austrália. A cocaína estava camuflada na estrutura do contêiner refrigerado em um carregamento legal de suco de laranja.
Três meses depois, a Receita Federal interceptou 271 quilos de cocaína que tinham como destino Le Havre, na França. A droga estava escondida em uma carga de papel. Poucos dias depois, uma nova interceptação: 44 quilos da droga embarcariam em um navio com destino a Roterdã, na Holanda. Mais uma vez, a cocaína estava oculta na estrutura de um contêiner de laranja.
E, no início deste mês, duas apreensões passaram de uma tonelada. Na primeira delas, no dia 2, foram 882 quilos de cocaína interceptados pela fiscalização. A carga iria para o país africano de Guiné, mas tinha baldeação na Bélgica. A carga estava escondida no meio de um carregamento de açúcar. Dois dias depois foram 380 quilos que seguiriam para um cargueiro com destino a Gotemburgo, na Suécia, também com parada na Bélgica. Desta vez, o entorpecente estava no meio de um carregamento legal de café a granel.
Apesar do volume considerável de entorpecentes retirados de circulação neste ano, desde o início das operações com scanner, o volume apreendido vem caindo. “As facções criminosas diversificam rotas e mercados, utilizam estruturas de portos menores pelo Brasil, onde consequentemente há menos fiscalização, e mudam as técnicas de envio para driblar o controle. Além disso, aliciam profissionais dentro das estruturas portuárias para permitir a operação”, avalia o especialista em Direito Marítimo e Portuário Wilson Carneiro.
Ele evidencia que o porto de Santos é um destaque internacional pelo que representa no movimento de cargas. "É o maior porto do hemisfério Sul e perto dele existe o domínio de criminosos, mas não se pode esquecer que o tráfico internacional de drogas passou a tomar conta dessas estruturas portuárias de Norte a Sul do Brasil”, completa.
Em 2016, a Receita havia apreendido 10,6 toneladas que partiriam do porto de Santos. No ano seguinte foram 11,5 toneladas; número que saltou para 23,1 toneladas em 2018 e chegou a 27 toneladas em 2019, tendo baixado para 20 toneladas em 2020. Mesmo com a queda, 2020 registrou a maior apreensão da história, com quase 3 toneladas de droga interceptadas em um único carregamento, camuflada no meio de bobinas de alumínio que seguiam para a Holanda. Em 2021, a apreensão reduziu para pouco menos de 17 toneladas e ficou próxima de 16 toneladas em 2022. No último ano, foram 7,2 toneladas.
Países para onde a cocaína apreendida em Santos nos últimos seis anos seria levada
- África do Sul
- Albânia
- Alemanha
- Angola
- Arábia Saudita
- Austrália
- Bangladesh
- Bélgica
- Cabo Verde
- China
- Costa do Marfim
- Djibouti
- Egito
- Emirados Árabes
- Espanha
- França
- Gâmbia
- Gana
- Grâ-Bretanha
- Grécia
- Guiné
- Holanda
- Hungria
- Iêmen
- Índia
- Inglaterra
- Israel
- Itália
- Jordânia
- Líbano
- Líbia
- Madagascar
- Marrocos
- Nigéria
- Omã
- Polônia
- Portugal
- Reino Unido
- República do Congo
- Rússia
- Serra Leoa
- Síria
- Somália
- Suécia
- Suíça
- Tunísia
- Turquia
Receita amplia uso de scanners para monitorar cargas com destino a mais 10 países
Neste mês, a Receita Federal começou a testar uma operação com o uso de scanners, como medida para ampliar a fiscalização em cargas para exportação em Santos. A operação-teste segue até dezembro, quando a proposta é ampliar a iniciativa. O escaneamento de cargas, que era obrigatório para exportações aos continentes europeu e africano, agora vale também para Austrália, Indonésia, Hong Kong, Turquia, Rússia, Geórgia, Síria, Líbano, Israel e Arábia Saudita.
A Receita Federal reconhece que há uma diversificação das rotas e a necessidade de ampliação na identificação, no rastreamento e técnicas à investigação, fiscalização e controle. “A estrutura utilizada para o combate aos ilícitos aduaneiros na exportação, tráfico internacional de drogas é um dos exemplos, ela também é utilizada no combate aos ilícitos aduaneiros na importação [para identificação de] produtos falsificados, falsa declaração, produtos não declarados, entre outros”, descreve o órgão.
A Receita Federal destacou que o tráfico internacional de drogas em portos é realizado por organizações criminosas de elevado poder e capacidade, com esquemas logísticos sofisticados, mas que está operante em equipamentos e preparo profissional para o enfrentamento. “É extremamente importante garantir o padrão de fiscalização eficiente, mediante o treinamento e qualificação dos servidores aduaneiros em todos os portos brasileiros. Obviamente, é também relevante garantir a presença da Receita Federal com efetivo de servidores suficiente para a adequada atuação”, destaca.
Para Wilson Carneiro, ter profissionais capacitados é essencial no sufocamento financeiro e logístico das facções. “Tecnologia e equipamentos só trazem respostas eficazes com profissionais em número adequado e treinados, qualificados. O crime organizado não enfrenta barreiras nem burocracia. O Estado precisa ser ágil e dar respostas com a mesma rapidez que os criminosos se reinventam”, analisa.
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