Líder na movimentação de contêineres e o maior complexo portuário da América Latina, o Porto de Santos, no litoral paulista, tem sido tema de acalorados debates entre o governo de São Paulo e o governo federal, especialmente com o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB). A proposta de privatização do Porto de Santos foi um dos compromissos firmados pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) durante a campanha eleitoral de 2022. Mas, afinal, o que significa desestatizar o Porto de Santos?
Em termos numéricos, o Porto de Santos impressiona. Situado a 70 quilômetros da capital paulista, com 53 terminais e uma área de aproximadamente 8 milhões de metros quadrados, tem a capacidade de atender a uma ampla gama de demandas e tipos de cargas, conectando mais de 600 destinos e movimentando cargas de todos os estados brasileiros e de mais de 100 países. O Porto de Santos desempenha um papel fundamental no comércio exterior brasileiro: é o maior complexo portuário da América Latina e um dos mais importantes do mundo.
Conheça o mapa do Porto de Santos
No último ano, 29% das trocas comerciais brasileiras passaram por ali, totalizando cerca de 174,6 bilhões de dólares, maior do que qualquer outro porto brasileiro. “O Porto de Santos é diferente dos outros portos pela grandeza, pela dimensão que ele tem”, afirmou Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes.
O Porto de Santos opera 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. Em 2022, foram movimentadas cerca de 162,4 milhões de toneladas de bens e mercadorias, abrangendo diversos segmentos, como contêineres, granéis líquidos e sólidos e veículos. Soja, milho, açúcar, café, trigo, algodão, proteína animal, suco de laranja, celulose e maquinário são alguns dos tipos de cargas que circularam por ali. Segundo relatório da Autoridade Portuária de Santos (APS), responsável pela administração do porto, operações e vigilância, foi um novo recorde anual, superando em 10,5% o recorde anterior, registrado em 2021, de 147 milhões de toneladas.
Ainda segundo o relatório, são 5,2 mil atracações anualmente pelo porto de Santos que, em 2022, recebeu as maiores embarcações de sua história, chegando próximas a 350 metros de comprimento. Para dar vazão a toda esta carga, o complexo portuário está integrado a malhas ferroviária e rodoviária, que permitem a conexão com os principais centros de produção e consumo do país.
Apesar dos números impressionantes, na avaliação de Quintella, ainda que “fundamental e estratégico para o desenvolvimento econômico do país”, o Porto de Santos “ainda carece de investimentos. Carece de mais agilidade”.
Para o governador Tarcísio de Freitas, a privatização traz a maior oportunidade de mobilizar capital em pouco tempo. “Falamos de aprofundamento do canal, mobilização das áreas adjacentes, aproveitando toda a extensão do canal até chegar ao de Cubatão. Observe que tenho uma área industrial de Cubatão que morreu. E se tenho aquele canal cuidado, com incentivos tributários, com uma lógica de porto-indústria, eu consigo remobilizar, reindustrializar aquela área, não com aquela indústria siderúrgica antiga, que não vai fazer mais sentido, mas uma nova indústria”, afirmou o governador em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, no fim de abril.
“Eventualmente, eu vou recepcionar insumo no Porto de Santos, vou processar e já vou exportar. O insumo não vai sair daquela região. E do que estamos falando? De emprego", acrescentou Tarcísio. Ele disse ainda que haveria quatro vezes mais turismo para Santos, por meio de navios de cruzeiro, o que “mexeria com a economia local, com a rede hoteleira, com os restaurantes”.
Tarcísio falou também sobre a dragagem do canal. “A gente está falando em aprofundar o canal de Santos 14,5 metros, 15 metros, para 17 metros. Isso significa receber conteineiros de 400 metros [de comprimento], ou seja, sair dos navios 366 – o porto está homologado hoje para navios 366 – os maiores conteineiros do mundo. Então, o Porto de Santos vai movimentar muito mais carga”, defendeu o governador.
Desestatização do Porto de Santos passa por análises
A privatização do Porto de Santos tem sido objeto de análise de especialistas, como o diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, e do engenheiro eletricista, economista e consultor Frederico Bussinger, que foi diretor da Codesp (atual APS) e Departamento Hidroviário-SP, presidente da Docas de São Sebastião, membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização, secretário de Transportes de São Paulo e secretário-executivo do Ministério dos Transportes.
Segundo Bussinger, as operações do porto já são 100% privadas. Desde o final dos anos 1990, são executadas por empresas privadas, que incluem arrendatários, operadores e TUPs – terminais de uso privado. O que está em discussão no momento é a desestatização da administração do porto, no caso, a Autoridade Portuária de Santos, chamada de Santos Port Authority, de 2019 a abril de 2023. “Uma boa analogia é comparar o porto com um shopping center: os terminais são as lojas (cada uma ‘vendendo’ seu produto); a administração [do porto] é a administradora do shopping center, que trata das áreas e dos serviços comuns”.
Para Quintella, a privatização da autoridade portuária se refletiria em mais agilidade para o porto e menos interferência governamental no processo. “Os portos sofrem muita ingerência política. Isso é indesejável para dar mais segurança jurídica para os novos projetos que os investidores têm. Então, tudo isso é uma situação que pode facilitar muito a atividade portuária e a modernização dos portos, que é o que nós precisamos no Brasil”, defendeu.
No entanto, a privatização também suscita questionamentos. “Antes mesmo da entrada do atual governo federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia levantado vários óbices para a privatização da APS com o modelo proposto pelo governo anterior”, afirmou Bussinger. Em plenária de 13 de dezembro de 2022, três conselheiros haviam pedido vista. “Na oportunidade foram colocadas várias questões para serem respondidas”, contou ele, inclusive sobre a modelagem. “Depois de alguns adiamentos este ano, o TCU suspendeu a tramitação do processo, dando prazo de 60 dias para o atual governo se manifestar”, completou Bussinger. No momento, a governança portuária é “a questão que está mais efervescente”, segundo ele, que ajudou a modelar, a licitar e assinou dezenas de contratos de arrendamento como diretor da Codesp (atual APS), quando o programa de arrendamentos estava iniciando.
Para Bussinger, que se considera um “privatista praticante”, uma alternativa caso o atual governo opte por desestatizar a APS (ou alguns dos seus serviços, como a zeladoria), é escolher o modelo condominial (ou de autogestão, como também é chamado), que conta com a participação das empresas privadas que operam o Porto de Santos.
Isso poderia agilizar o processo, na avaliação dele. “Penso que isso possa ser efetivado até ano que vem. Eventualmente, até neste ano”. Neste modelo, segundo Bussinger, estariam envolvidas na administração aqueles que vivem o dia a dia do porto. “Aqueles para quem uma má administração afeta seu desempenho seriam os principais interessados em ter uma gestão eficiente, competente”, afirmou.
Sob nova direção
Em 20 de abril, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, anunciou a nova diretoria da APS, com o advogado Anderson Pomini na função de diretor-presidente. Segundo comunicado, o grupo assume a missão de “consolidar os planos do novo Governo Federal para o Ativo”. Entre eles, a construção do túnel Santos-Guarujá, “anseio antigo da população local e do setor portuário”; a expansão do porto de forma sustentável; e a valorização de trabalhadores e operadores em busca do aumento da produtividade e da geração de empregos, “além de garantir a soberania dos serviços essenciais sob a gestão pública”.
Ainda segundo o comunicado, “o ministro Márcio França, reforça que a Autoridade Portuária será mantida como órgão estatal, para assegurar a manutenção da prestação dos serviços essenciais e estratégicos para o principal equipamento de infraestrutura e logística de transporte do Brasil”. De acordo com o ministro, será dada continuidade aos processos de concessão dos terminais e dos serviços de dragagem, além de atender as necessidades de evolução tecnológica, melhorar a zeladoria do porto e seus acessos e fazer a revitalização do Cais do Valongo.
Ainda durante a entrevista ao programa Canal Livre, o governador de São Paulo disse que não desistirá da privatização do porto. “Tenho uma esperança eterna e lutarei até o último momento para que aconteça, porque é bom, é bom para o estado de São Paulo, é importante. Seria a grande novidade da Baixada Santista”.
Na ocasião, Tarcísio citou uma conversa que teve com o presidente Lula (PT). “Ele disse que não tem dogma. Disse que 'se minha equipe se convencer que isso é bom, eu topo fazer, não tem problema'. Tem uma resistência maior do ministro dos Portos, que não quer, mas entendo”, acrescentou o governador. “Quando falamos da privatização de Santos, o que está em jogo? A competitividade do Porto. O porto que é responsável pelo maior fluxo de comércio exterior do Brasil, mais de 30%, precisa ser cuidado”, completou.
Novos investimentos
Em 2 de maio, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, assinou um contrato de cessão de parte da área de armazéns do Porto de Santos à prefeitura da cidade para a criação do Parque Valongo, um projeto que prevê a revitalização do espaço, transformando-o em um polo turístico da região, afirma um comunicado do ministério.
O armazém 4, que abrigará atividades culturais, ficará sob gestão da prefeitura, fazendo parte do parque. O espaço entre os armazéns 5 e 6, que não existem mais, será utilizado para a área aberta do projeto, e o armazém 7 ficará sob responsabilidade da APS, que, por meio de parceria com universidades, deve destiná-lo a atividades educacionais e tecnológicas.
De acordo com o comunicado, para o ministro, o objetivo é que o Porto de Santos continue operando de maneira eficaz e batendo recordes, mas que também seja um atrativo. "O porto permanecerá público, servindo à sociedade brasileira, e agora com um espaço bonito e turístico para as pessoas desfrutarem", diz Márcio França, titular da pasta.
Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de 5 de maio, para o ministro, tanto a privatização do Porto de Santos quanto a de outras autoridades portuárias no Brasil “estão fora de cogitação”. “Isso [privatizar o Porto de Santos] está fora de cogitação. Foi um certo devaneio”, disse França ao jornal, sobre as tentativas de privatização do governo Bolsonaro.
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