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Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Renato Feder querem utilizar inteligência artificial para auxiliar na produção de material didático.
Medida do governo Tarcísio foi criticada por sindicatos pela suposta substituição de professores por IA| Foto: Fernando Nascimento/Governo de São Paulo

O secretário da Educação do estado de São Paulo, Renato Feder, anunciou na semana passada o uso da Inteligência Artificial (IA) para produzir material digital para os alunos do ensino fundamental II e Ensino Médio.

O anúncio da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) impactará cerca de 3,5 milhões de alunos no estado paulista. O objetivo da pasta é usar a IA para ajudar na formulação ou atualização dos slides utilizados pelos professores.

A Secretaria da Educação do estado de São Paulo (Seduc) explicou que o “projeto-piloto” não prevê a produção dos materiais "do zero" a partir do uso da IA, mas sim como ferramenta de apoio aos professores curriculistas, especializados na produção de materiais pedagógicos. Segundo a pasta, existem 90 professores curriculistas no estado paulista.

Em nota, enviada à Gazeta do Povo, a secretaria informou que a implementação da IA ainda está na fase de testes. “A Seduc-SP planeja implementar um projeto-piloto para incluir a IA como uma das etapas do processo de aprimoramento de aulas do 3º bimestre dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio”, esclarece.

No estado paulista, alguns colégios particulares já utilizam programas de IA com o mesmo objetivo. Nas escolas estaduais do Espírito Santo, a IA Letrus analisa os acertos e dificuldades de cada aluno nas redações.

Sindicatos e movimentos de esquerda reclamaram de uma possível substituição do corpo docente do estado por programas de inteligência artificial.

O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do estado de São Paulo (Apeoesp) se posicionou contra o uso da IA nas escolas públicas. "Consideramos essa decisão irresponsável e absurda. Ela representa uma nova e grave tentativa de precarização dos profissionais da educação e um ataque aos direitos dos estudantes", declara a Apeoesp em um comunicado.

A Secretaria da Educação rebate as acusações do sindicato e afirma que a substituição do corpo docente pelo ChatGPT ou por qualquer outra ferramenta de Inteligência Artificial não procede. "A Seduc-SP planeja implementar um projeto-piloto. Esse processo de fluxo editorial ainda será testado e passará por todas as etapas de validação para que seja avaliada a possível implementação”, pondera

Ainda de acordo com a Seduc, a IA não produzirá novos conteúdos, mas aprimorará o conteúdo feito pelo professor curriculista. “As aulas que já foram produzidas por um professor curriculista e já estão em uso na rede são aprimoradas pela IA com a inserção de novas propostas de atividades, exemplos de aplicação prática do conhecimento e informações adicionais que enriqueçam as explicações de conceitos-chave de cada aula", explica.

"Na sequência, esse conteúdo será avaliado e editado por professores curriculistas em duas etapas diferentes, além de passar por revisão de direitos autorais e intervenções de design”, completa a Seduc.

Ministério Público cobra esclarecimentos do governo por uso de IA

Embora ainda não esteja em prática, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) se antecipou e solicitou explicações para a gestão estadual sobre o uso da Inteligência Artificial na produção de aulas digitais para as escolas estaduais.

O promotor Bruno Orsini Simonetti afirma que há a necessidade de esclarecimentos da Secretaria da Educação sobre a decisão de substituir os professores que faziam a produção desse material didático pela ferramenta de IA.

"Esclareça se foram realizados estudos prévios a respeito de evidências científicas ou experiências bem-sucedidas em âmbito nacional e internacional a respeito do uso de referida ferramenta de inteligência artificial", cobra o documento assinado pelo promotor. A Seduc respondeu que deve responder os questionamentos do MP-SP e prestar os esclarecimentos solicitados dentro do prazo estipulado.

Colégio começou a utilizar Inteligência Artificial no ano passado

Diretor de Tecnologia Educacional do Colégio Bandeirantes, Emerson Pereira disse à Gazeta do Povo que desde 2023 a escola passou a utilizar ferramentas de Inteligência Artificial. “Assim que houve o “boom” do Chat GPT, foi organizado um grupo de estudo aberto para todos os professores participarem e compartilharem suas impressões sobre o assunto. A equipe de Tecnologia Educacional da escola oferece suporte para explorar ferramentas e integrá-las às necessidades dos professores e alunos. Este ano criamos um Comitê Interno de IA. O objetivo é promover uma educação mais personalizada, eficiente e inovadora com o suporte da inteligência artificial”.

O diretor detalha como é feito o uso da IA em algumas disciplinas:

  • Inglês - a IA é usada para a criação de rubricas de avaliações, obter frases com o vocabulário que estão estudando, gerar exercícios de gramática e pesquisas em geral.
  • Filosofia - os alunos devem fazer duas dissertações. Na primeira entrega, podem, se quiserem, utilizar abertamente o ChatGPT. Na segunda, que é a entrega final do trabalho, o aluno é convidado a refletir e criticar o primeiro texto.

Pereira aponta que o colégio faz pesquisas internas para avaliaçao sobre o uso da IA no processo de aprendizagem dos alunos. “Ainda enxergamos apenas a ponta do iceberg. A transformação cultural profunda causada por essa tecnologia ainda está por vir. Aqui no colégio, 71% dos alunos declararam que usam a IA, assim como 40% dos professores se sentem muito ou moderadamente familiarizados com o uso de IA”, revela.

“Em 2023, a troca de dados entre nossa rede wi-fi com os servidores do OpenAI, se convertidos para páginas A4, somariam mais de um milhão de páginas de informação”.

Emerson Bento Pereira, diretor de Tecnologia Educacional do Colégio Bandeirantes.

Mas Pereira ressalta que é necessário cuidados extras no uso da IA pelos professores, principalmente na checagem de veracidade das informações. “Os professores procuram questionar a veracidade do conteúdo problematizando questões como autoria, fonte, relevância, inteligência das máquinas, algoritmo, bem como ensinando a checar os fatos, evitando disseminar conteúdos ligados à desinformação”, pondera.

Especialista defende uso da Inteligência Artificial nas escolas

Coordenador de Inteligência de Dados do Insper, Pedro Burgos esclarece em quais situações a IA pode colaborar com o ensino dentro de sala de aula. “O corpo docente pode usar a IA em diversos momentos. Ajudar a planejar aulas, criar slides, adaptar material didático, gerar perguntas/quiz a partir de um conteúdo", sugere.

Burgos defende que para o uso da IA seja proveitoso na eduçãção é preciso que as ferramentas sejam usadas como complemento ao material existente. "O ideal é que ela seja 'retreinada'. Então modelos que são customizados usando material antigo — como parece ser a sugestão do governo de São Paulo — tem mais chance de produzir melhor resultado, quase sem erros, do que perguntar algo no ChatGPT. A outra questão é a presença de um humano experiente no início e fim do processo, checando erros e ajustando a entrada para produzir melhores resultados”.

“Em um futuro não muito distante vamos ver a aplicação de modelos parecidos com o ChatGPT como tutores individualizados”.

Pedro Burgos, coordenador de Inteligência de Dados do Insper.

Sobre eventuais erros cometidos pelas ferramentas de inteligência artificial, o coordenador afirma que a tecnologia está em constante evolução. “A quantidade de ‘alucinações’ diminuiu bastante, especialmente em modelos pagos, mas é importante sempre revisar e adaptar o conteúdo que a máquina traz. Outro ponto de atenção é que apesar de entender e falar português fluentemente, os modelos de linguagem estão na maior parte do tempo traduzindo do inglês para o português, ao invés de “raciocinar” nativamente na língua. Então dada essa realidade posta, é positivo que governos assumam as rédeas e tentem padronizar ou criar guias-mestras para o uso”.

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