A Universidade de São Paulo (USP) cancelou na última terça-feira (16) o curso "Parto e Espiritualidade Cristã", que seria realizado no final de fevereiro na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each) com palestras de sete professores e participação de até 60 estudantes e profissionais das áreas de obstetrícia e de enfermagem obstétrica.
Segundo a ementa do curso, o objetivo era refletir a espiritualidade em suas etapas fisiológicas: concepção fetal; desenvolvimento e crescimento fetal; processo do parto, nascimento e pós parto, além de “olhar o luto e refletir a espiritualidade nesse processo da perda fetal”. “O curso respeitará a abordagem cristã ao apresentar cada temática com seu arcabouço teórico e científico”, esclarece a apresentação do programa.
No entanto, a oferta foi vetada após análise da Comissão de Cultura e Extensão, órgão responsável pelas atividades de extensão universitária na USP. “A Comissão deliberou pelo cancelamento do curso de extensão ‘Parto e Espiritualidade Cristã’, do programa de Verão, com o objetivo de zelar pela manutenção da Universidade de São Paulo como uma instituição pública e laica”, afirma a nota enviada pela USP.
O curso na USP sobre o "parto cristão" foi criticado por movimentos progressistas por defender em sua apresentação a “família tradicional” com a união entre homem e mulher. “Para se ter uma família é necessário gametas paternos e maternos, dessa forma a família tradicional se origina no momento em que há uma união de homem e uma mulher e o resultado é a concepção de um novo ser”, diz a justificativa do curso. “A família é a forma de promover a proteção espiritual dos filhos que irão ser concebidos desta união”, acrescenta.
A enfermeira Denise Morais Fernandes de Paula era uma das palestrantes do curso cancelado. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela contou que já deu cursos de aleitamento materno na USP e recebeu o convite da coordenação de enfermagem para participar das palestras no evento de cinco dias na Escola de Artes, Ciências e Humanidades.
“Existem trabalhos científicos que falam sobre a espiritualidade no processo de cura do paciente. Então, quando a gente vê uma gestante equilibrada ou uma mãe assistida no aleitamento durante o pós-parto, todos os conceitos e orientações são bem recebidos e assimilados”, argumenta. “Não é uma luta ou um duelo. As pessoas precisam ter uma visão madura e universal de tudo isso. Talvez, a polêmica seja necessária para levantar essa questão, pois está ocorrendo uma falha nesta abordagem. Existem pessoas que dão muita importância à espiritualidade em um momento como o parto”, completa a palestrante.
Ela lembra que a própria universidade ensina o conceito que o paciente é um ser "bio-psico-sócio-espiritual", assim essas esferas precisam ser trabalhadas para o atendimento da mulher como um todo. “Precisamos fazer algo mais inclusivo. Se a parturiente for de outra seita, religião ou não possui nenhum credo, a equipe precisa saber como usar isso a favor da mãe, pensando no bem-estar dela e do bebê. No nosso caso, o objetivo era preparar os profissionais para a abordagem cristã. Nada impede novos cursos com outras abordagens”, explica.
Paula refuta a ideia de antagonismo entre fé e ciência e defende o atendimento respeitando crenças e vontades da gestante, assim como previsto no próprio Plano de Parto, que aponta em detalhes o que a mulher prefere, desde o tipo de parto aos procedimentos que podem ser adotados.
“Houve uma pequena confusão e não precisamos perder esse viés. Mas trabalhar na inclusão para o atendimento bio-psico-sócio-espiritual, inclusive quando a pessoa não tem nenhuma crença”, afirmou a enfermeira. O conceito de estado laico procura defender as pessoas que não possuem fé religiosa, assim como assegura o direito de livre manifestação da fé do indivíduo.
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