O Primeiro Comando da Capital (PCC) suspendeu as vendas de drogas sintéticas no estado paulista em pontos determinados pela maior facção criminosa do país, que perdeu o monopólio do tráfico da substância conhecida como droga K, de acordo com as investigações do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Por outro lado, a facção passou a dominar o fornecimento da matéria prima para a produção da droga no atacado e colocou no mercado variações como estratégia para driblar a fiscalização.
As K2, K4 e K9 são entorpecentes feitos com canabinoide sintético, mas possui uma potência até 100 vezes maior que a maconha, causando efeitos nas pessoas que são comparadas com "zumbis".
As primeiras apreensões da droga, também conhecida como Spice, ocorreram no centro de São Paulo, na região da cracolândia. De acordo com dados da Secretaria Municipal da Saúde, o número de casos de intoxicação por canabinoides sintéticos explodiu no período de um ano. Em 2022, foram registrados 98 casos. No ano passado, o número ultrapassou 420 casos suspeitos de intoxicação por drogas sintéticas.
“No início, a K4 era comercializada dentro do sistema prisional pelo PCC e tinha uma grande importância para a facção, com um setor próprio de contabilidade e comercialização. Esse foi um grande balão de ensaio para comercialização extramuros [fora da cadeia]”, revela o promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Tiago Fonseca, em entrevista à Gazeta do Povo.
Segundo ele, a suspensão na venda da droga sintética foi determinada após o PCC perder o controle sobre o tráfico da substância, antes monopolizado pela facção. “A facilidade da produção, que antes era centralizada, foi pulverizada em centenas de microprodutores. Por isso, o PCC passou a barrar a K4 dentro do sistema prisional. Além da produção feita sem controle, começou a ter problemas com visitas e intoxicação de presos”, ressalta.
Na avaliação do promotor do Gaeco, a restrição do comércio da droga sintética em alguns pontos seria uma estratégia do PCC para driblar a fiscalização. “Essa proibição é muito precária. Não pode mais vender a K4, mas comercializam a K9. É praticamente a mesma droga. Esse jogo é um propaganda da facção criminosa para tentar tirar o foco das autoridades em relação à gravidade da situação”, comenta Fonseca.
Assim, o PCC segue lucrando com a venda dos entorpecentes, principalmente com o fornecimento de matéria prima para a produção da droga sintética. "Subiram um degrau, lucram com o tráfico dos insumos, não apenas com a produção e com o varejo. Isso não interessa mais a facção. O grosso do lucro é o atacado”, aponta o promotor.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo, em 2023, o Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) apreendeu cerca de 157 quilos da droga K. Até março deste ano, foram apreendidos 3,5 quilos do entorpecente sintético.
“São drogas que são produzidas cada qual de um jeito e por um produtor. Quando o usuário chega ao SUS com intoxicação, é difícil saber qual a substância provocou a overdose”.
Promotor do Gaeco Thiago Fonseca
PCC teme perder dinheiro em outros negócios
Segundo a análise do promotor Thiago Fonseca, o PCC não tem mais o lucro primordial no varejo das drogas dentro do território nacional. "As biqueiras, sejam de drogas naturais ou sintéticas, representam uma parte diminuta dos lucros da facção criminosa. Hoje, o PCC lucra muito mais com o tráfico internacional de cocaína, com a lavagem de dinheiro, com contratos públicos e também como intermediário de outras substâncias”, ressalta.
Neste cenário, a droga sintética alavancou os negócios da facção no mercado do crime organizado. “Historicamente, o Brasil sempre foi um intermediário dos países produtores para o destino final das drogas. Recebia da Bolívia e Paraguai e exportava para a Europa e mais recentemente, para a Ásia. O tráfico de drogas sintéticas permitiu que o Brasil evoluísse nesse cenário mundial criminal, passando de intermediário para centralizador de toda a cadeia”, destaca.
Para o promotor, o monitoramento das secretarias municipais e estaduais da Saúde é o principal termômetro para acompanhar o alcance do mercado das drogas sintéticas. “O aumento do número de casos de intoxicação é muito mais fiel para conseguir analisar o aumento ou a diminuição do tráfego desse tipo de droga do que o número de apreensões”, opina.
Gaeco aponta para lucratividade das drogas sintéticas
O promotor de Justiça do Gaeco de São Paulo, Tiago Fonseca, aponta que o aumento expressivo do tráfico de drogas sintéticas ocorre pela facilidade de produção e logística em comparação com os entorpecentes tradicionais.
"Especialistas europeus consideram a droga sintética como o maior fator disruptivo da história do tráfico internacional, em razão das facilidades que a comercialização traz desde a produção até a fiscalização”, comenta.
“Uma das dificuldades é que a química anda mais rápido do que a lei”.
Promotor do Gaeco Tiago Fonseca
De acordo com Fonseca, a droga sintética pode ser feita em laboratórios clandestinos de fundo de quintal com características que contribuem para logística da mercadoria com menor risco de apreensão.
"A K4 é do tamanho de uma folha de papel A4, que comporta subdivisão em 1,2 mil micropontos. Cada microponto é vendido a R$ 30. Uma droga que não deixa cheiro, não tem característica própria que permita uma fiscalização e resulta em um lucro de R$ 36 mil em apenas uma folha. É um celeiro muito frutífero para organizações criminosas”, detalha.
Polícia x PCC: as dificuldades para apreensão das drogas sintéticas
Delegados da Polícia Civil de São Paulo que conversaram com a reportagem da Gazeta do Povo, mas preferiram não se identificar, dizem que as forças policiais não estão preparadas para o combate ao tráfico de drogas sintéticas.
Além disso, portos e aeroportos também não possuem estrutura adequada para combater o comércio ilegal. “O colorimétrico, que são aqueles exames em aeroportos, não existe para essas substâncias. Podem ser fracionadas em micropontos ou diluídas em líquidos que podem ser inseridos nos mais diferentes contêineres ou recipientes. A fiscalização é extremamente difícil, é uma questão de aprender as melhores formas para fiscalizar”, explica o promotor Tiago Fonseca.
Além da preparação e do treinamento das forças policiais para combate ao tráfico de drogas sintéticas, ele aposta na participação da Polícia Técnico Cientifica para aprimorar a fiscalização. “As apreensões podem revelar informações sobre as substâncias, características e as microrregiões onde são usualmente encontradas. A partir daí conseguimos descobrir os insumos dessas drogas e chegar nesses produtores.”
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