Palco de conflitos com o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) principalmente devido ao viés esquerdista na programação, a TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta (FPA), vem se reaproximando da gestão estadual de São Paulo e da secretária da Cultura, Marília Marton, após um longo período de afastamento e de verbas do governo contingenciadas. Ainda assim, Tarcísio não deve tornar as coisas mais fáceis para a emissora.
Apesar de ter a cadeira garantida nas reuniões do conselho curador, a secretária se ausentou dos encontros por cerca de um ano devido aos desconfortos nos diálogos, com o ápice de ter ouvido um “cala a boca, secretária” de um dos conselheiros, após ela ter sugerido a criação de um programa geek pela emissora.
O retorno de Marília ocorreu em agosto, duas semanas após uma reunião convocada pelo governador Tarcísio com o presidente da Fundação Padre Anchieta, José Roberto Maluf, determinante para o diálogo entre as instituições. Além de Marília, esteve presente a secretária de Comunicação de Tarcísio, Laís Vita.
Os detalhes da reunião constam em ata da reunião de conselheiros da FPA realizada no dia 14 de agosto. Como relatou Maluf, o encontro com o governador foi fundamental para uma “aproximação com o governo do estado para evitar informação equivocada” e esclarecer que a “diretoria da [FPA] é totalmente profissional” e não tem “bandeira política”.
O governador, por sua vez, durante a reunião teria afirmado que é contra a CPI da TV Cultura, uma iniciativa de deputados estaduais da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), entre eles aliados do governo, para apurar supostas irregularidades na emissora. Fontes no governo afirmam que o motivo seria o fato de as CPIs causarem “muito barulho para pouco resultado”.
“O governador disse enfaticamente que ele era contra a CPI, que a CPI não era uma iniciativa do governo e que o governo não via a CPI como uma forma de solucionar problemas, e que ele definitivamente havia desaconselhado, apesar de saber que membros da liderança do governo da Assembleia haviam participado disso”, disse Fabio Magalhães, presidente do Conselho Curador da FPA, em ata.
Repasse de orçamento de custeio pelo estado é calcanhar de Aquiles da TV Cultura
Uma das principais dificuldades da TV Cultura é em relação ao financiamento de suas atividades, principalmente em relação às despesas de custeio, que se referem a conta de luz e de água, compra de veículos, modernização de equipamentos e melhorias via obras internas. De acordo com o presidente da FPA, José Roberto Maluf, o governo é responsável por 45% do orçamento da instituição. Os 55% restantes correspondem à receita própria, como publicidade da Lei Rouanet, produções para terceiros como a TV Câmara Municipal e locação de estúdio.
Em 2019, quando Maluf assumiu a presidência, o governo era responsável por 75% e apenas os 25% restantes correspondiam à receita própria. Ainda que o percentual do governo tenha reduzido, a instituição depende fortemente de recursos públicos para se manter.
Em 2024, por exemplo, R$ 104 milhões foram recebidos do estado para salários com funcionários CLT, enquanto R$ 12,9 milhões foram recebidos para custeio. Uma das reclamações de Maluf, no entanto, é o fato de a despesa com custeio ter sido 100% contingenciada pelo governo Tarcísio até agosto, algo que nunca teria acontecido antes com a emissora, em nenhum governo.
“Tivemos outras receitas e conseguimos ir pagando as contas aqui, tirando de outros lugares para pagar o custeio que fomos colocando em dia. Em setembro recebemos a primeira parcela do governo”, disse Maluf à Gazeta do Povo.
Para o ano que vem, está garantida apenas a verba para salários, de R$ 109 milhões, incluído um aumento concedido de3% a partir de março de 2025, seguindo um reajuste que foi concedido para outras pastas e esferas do governo. As despesas com custeio referentes a 2025, porém, até agora não estão confirmadas. “Para 2025 veio apenas um valor relativo ao salário CLT, não tem nada de custeio nem de investimento. Estamos discutindo com alguns secretários e com a Assembleia Legislativa uma forma de recuperar isso”, disse Maluf.
Governo Tarcísio quer eficiência e que TV Cultura corra atrás de recursos próprios
Na reunião com conselheiros registrada em ata, Maluf contou que, no encontro com o governador, Tarcísio teria cobrado eficiência da emissora, afirmando que na gestão dele tudo passa por isso: “Ele não tem orçamento hoje para aumentar a nossa receita vinda através do governo do estado, [disse] que ele contava conosco na nossa operação junto a terceiros, junto ao particular, ao público particular e às empresas, que trouxéssemos receita publicitária de Lei Rouanet e outras coisas mais.”
Maluf afirmou à Gazeta do Povo que tudo isso já é feito pela fundação. Fontes ouvidas pela reportagem afirmam, no entanto, que o governo espera mais e acredita que o fato de a emissora não precisar ir atrás de mais recursos próprios cria uma cultura de acomodação, principalmente em relação à inovação e a abordagens de programas que consigam atrair uma maior audiência.
Uma das formas de arrecadação de recursos colocadas na mesa seria um modelo semelhante ao feito pela emissora pública de rádio e televisão do Reino Unido, a BBC. A ideia remete a uma proposta de Mário Covas (PSDB), na qual uma taxa voluntária seria cobrada dos consumidores dentro de contas de serviços essenciais como luz e água. No entanto, a proposta não teria sido aprovada pela Alesp e dificilmente avançará. Além disso, a análise é que dificilmente a população aderiria a tal taxa.
Na opinião de Maluf e demais integrantes do Conselho da FPA, no entanto, o desejo é por uma porcentagem do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), semelhante ao modelo das universidades do estado.
“Nós temos feito estudos um pouco diferentes. Por exemplo, eu proporia ao governo que a gente tivesse, como temos nas três universidades de São Paulo - USP, Unicamp e Unesp - uma porcentagem de zero vírgula alguma coisa do ICMS, para evitarmos discutir todo ano o tamanho da verba. Seria uma maneira de resolver a receita da FPA”, disse Maluf.
Dentro do governo, no entanto, essa proposta é vista com ceticismo, uma vez que diversos setores desejam o mesmo e não conseguem e porque o objetivo do governo Tarcísio é aumentar a participação das empresas privadas, e não onerar mais o poder público.
Governo vê com esperança eleições para presidência da Fundação Padre Anchieta em 2025
O ponto de maior otimismo dentro do governo Tarcísio em relação às mudanças da TV Cultura reside nas eleições para presidente da Fundação Padre Anchieta e do Conselho Curador, cargo atualmente ocupado por Fábio Magalhães. Como é permitido se reeleger às cadeiras somente uma única vez, tanto Magalhães quanto Maluf terão de deixar o cargo em abril de 2025 e em junho já haverá novos nomes no cargo.
Com mandato de três anos, os presidentes são escolhidos pela maioria absoluta dos membros do conselho curador, ou seja, metade mais um de seus membros. O estatuto da fundação define que, dos 47 membros do Conselho Curador, três são vitalícios, 20 são natos, um é representante dos empregados da FPA e 23 são eletivos.
Até abril de 2025, haverá também uma nova troca de sete conselheiros. A avaliação é de que a decisão dos novos presidentes seria feita, principalmente, pelos membros eletivos.
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