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Governo do estado aumentou o efetivo na região da Baixada Santista durante a temporada de verão.
Governo do estado aumentou o efetivo na região da Baixada Santista durante a temporada de verão.| Foto: Sergio Barzaghi/Governo São Paulo

A região do litoral sul paulista tem sido um calcanhar de Aquiles da gestão na área da segurança pública em São Paulo, marcada por confrontos com mortes entre policiais e suspeitos de integrarem facções criminosas.

O panorama é herança de uma conjuntura peculiar da região, pela proximidade com o maior porto da América Latina. O porto de Santos é visado por facções criminosas para o tráfico internacional de drogas e de armas, conforme evidenciado pelo governador paulista.

Dentro da Polícia Militar (PM), a estratégia de forte enfrentamento ao crime organizado colocada em prática pela gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), marcadamente na região da Baixada Santista, não é consenso. A política para o setor, aliás, é apontada como um dos fatores que motivaram a troca de coronéis da Polícia Militar (PM) nesta semana.

Fato é que as ações policiais respondem na medida em que o mundo do crime se mostra mais ousado, em muitos casos com ostentação das suas ações. Em menos de dois meses de 2024, três policiais perderam a vida na Baixada Santista. Em 2023, foram outros cinco.

A situação de enfrentamento ao crime é analisada pelo secretário da Segurança Pública do estado, Guilherme Derrite, em entrevista exclusiva para a Gazeta do Povo.

Na visão dele, o quadro piorou na última década, período em que o tráfico internacional de drogas a partir do Brasil escalou. “A partir de 2014, segundo os dados de inteligência e monitoramento, o tráfico internacional de drogas se intensificou e atraiu lideranças da organização criminosa para o litoral, principal meio de envio da droga para outros continentes. Houve um aumento expressivo das receitas das facções com o mercado ilícito”, diz Derrite.

O secretário enfatizou que as organizações criminosas preferem investir no tráfico de drogas por ser um negócio lucrativo para a facção. “Como o crime é uma atividade econômica como outra qualquer, a facção percebeu que o tráfico internacional é mais vantajoso e oferece menos risco que explodir caixa eletrônico ou cometer roubos a banco, que ficou conhecido como 'novo cangaço', que na nossa gestão registrou o menor número de casos no ano passado, com um trabalho robusto de inteligência e prisões”, avalia.

Outro ponto levantado pelo secretário é a localização da região que contempla o Porto de Santos. “O tráfico tornou-se menos perigoso e mais lucrativo para o crime organizado, atraindo um grande contingente de criminosos: não só aqueles que fazem o comércio regional, mas as lideranças que têm o interesse em exportar o entorpecente. E a condição geográfica da região é um fator preponderante”.

Derrite criticou as gestões tucanas anteriores, à frente da gestão estadual, e disse que o trabalho para recuperar a região não tem prazo. “O trabalho de inteligência de combate ao crime organizado foi negligenciado durante muitos anos, tarefa que demanda tempo e planejamento. Nosso trabalho integrado é para resgatar esses territórios que ficam geograficamente posicionados em locais de alto risco e de difícil acesso. Para isso, tem que ter inteligência policial, preparo e muita técnica, que é o que a gente vem fazendo nessas ações na Baixada Santista, capturando importantes lideranças do crime”, aponta ele.

“Não espere resultado na Baixada Santista nos próximos 25 anos”, diz coronel da PM

Flávio Fabri, coronel aposentado da polícia de São Paulo e ex-comandante do departamento PM Vítima - que tem como objetivo a identificação e prisão de homicidas de policiais - confirma a complexidade na área da Baixada Santista.

“O litoral de São Paulo é uma das áreas mais complexas para atuação da segurança pública. Além de um porto, onde há interesse de organizações criminosas para que ocorra o transporte de drogas para outros continentes, há muitas regiões com desordenamento territorial. Comunidades que se encontram em região de mangue, grande quantidade de trechos que embarcações pequenas podem percorrer e a tentativa de criminosos de estabelecerem black spots (áreas com pouca ou nenhuma governança estatal) dificultam a ação policial”, enumera.

O coronel aponta que eventuais melhorias serão sentidas a longo prazo. “O problema principal do litoral, como em várias outras áreas, é que para a desordem social não basta a polícia. A resposta deveria ser multidimensional e de longo prazo. Política de Estado, não de governo, que demanda vontade, atuação conjunta e tempo. Não espere nada de resultado em menos de 25 anos. Se há gastos questionáveis para o erário público, a alteração de cenários complexos exigirá recursos consideráveis, tempo e paciência”, afirma Fabri.

Ele faz coro a uma crítica perene entre analistas da segurança pública: “Normalmente só os atores da segurança pública dão resposta. E estão dando. Há uma necessidade de que outras áreas efetivamente atuem, além da segurança pública”, reforça.

Tradicional operação promete reforço na segurança do litoral paulista

Para combater a criminalidade, a Operação Verão de São Paulo envia maior efetivo de policiais ao litoral durante a temporada de verão, o que tradicionalmente dura até o carnaval. Em 2024, a operação se estendeu para uma terceira fase, iniciada após o assassinato do soldado Samuel Wesley Cosmo, integrante da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) no dia 2 de fevereiro.

Com a operação em andamento, no dia 7 de fevereiro uma nova baixa foi registrada na corporação: a morte do cabo José Silveira dos Santos, do 2⁰ Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep). No dia seguinte, o secretário estadual da Segurança Pública anunciou a mudança temporária da sede da pasta para o município de Santos, local que concentra confrontos entre o crime organizado e as forças de segurança.

A mudança da sede da Segurança Pública durou 13 dias. Segundo dados do governo do estado, foram presas 706 pessoas, sendo 261 procuradas pela Justiça, além de mais de meia tonelada de drogas apreendida e 81 armas ilegais retiradas das ruas.

Polícia encontra câmeras a serviço do crime

No último dia 21, um vídeo viralizou nas redes sociais: policiais militares foram filmados quebrando câmeras na comunidade da Prainha, no Guarujá. A Polícia Militar informou que as câmeras seriam colocadas por facções criminosas com o objetivo de monitorar ações dos policiais.

“A Polícia Militar recebeu denúncias de moradores que o crime organizado tem instalado câmeras para monitorar as ações policiais e dificultar o trabalho das forças de segurança no combate ao tráfico de drogas e a proteção da sociedade”, diz a nota da PM. A Secretaria da Segurança Pública diz que as imagens encontradas estão sendo analisadas.

Defensoria Pública e ONG pedem o fim da operação na Baixada Santista

A Defensoria Pública de São Paulo, a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog recorreram à Organização das Nações Unidas (ONU), no último dia 16, para pedir o fim da operação policial na Baixada Santista e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais para todos os policiais militares envolvidos.

No documento, as entidades falam em “Operação Escudo”, que foi a designação para a ação anteriormente deflagrada na região. A Defensoria Pública alega que devido à letalidade da operação é necessário o uso de câmera corporal.

"Não há menção ao uso da tecnologia nos respectivos boletins de ocorrência de morte por intervenção policial lavrados. Em quatro boletins de ocorrência houve registro do número de disparos de arma de fogo, contabilizando 19 disparos que atingiram as vítimas fatais, o que totaliza uma média de 4,75 disparos em cada ocorrência", aponta o documento.

Ex-secretário compara o Rio de Janeiro com a Baixada Santista

O ex-secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Beltrame, conversou com a reportagem da Gazeta do Povo e comparou a região da Baixada Santista com o Rio de Janeiro. “O crime está crescendo no país aos poucos e vai ocupando os territórios. Vou falar com relação ao Rio de Janeiro: isso vira um estado paralelo, vira um outro país dentro de uma cidade. Tem os seus próprios poderes executivos, legislativos, judiciários. Talvez na Baixada Santista ou outros lugares no Brasil estejam tomando essas características. Seja pela milícia, pelo tráfico de drogas ou por ausência do poder público, que foi assistindo as pessoas se apoderando e ameaçando outras”.

“A maneira mais republicana [de resolver o problema] é o estado ocupando. É a polícia entrar e permanecer para garantir que o estado faça o seu papel nessas áreas. O estado tem uma dívida enorme com essas pessoas”.

José Beltrame, ex-secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro

Questionado sobre a dificuldade de combater a criminalidade na região do Porto de Santos, o ex-secretário do Rio de Janeiro evidencia o tipo de armamento utilizado pelo crime. "O grande problema hoje é o fuzil, não é só a droga. Onde tem fuzil, você está sujeito a fazer uma guerra urbana. Precisamos entrar nesses lugares e desarmar essas pessoas. A guerra quem faz são as armas. Essas pessoas passam a defender seus feudos com armas de guerra”.

“A droga não sai só pelo Porto de Santos, ela sai pelo Rio de Janeiro, Recife, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nem por isso temos grupos armados como vemos em São Paulo.

José Beltrame, ex-secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro

Sobre a alta no número de mortes de policiais, Beltrame afirma ser preciso estudar toda a situação. “É um fenômeno criminal. Muitas vezes pode ser porque tem um poderio bélico forte do crime organizado. Ou se isso é simplesmente uma relação de ódio que existe entre os bandidos e a polícia. É uma demonstração de força. É um dado que tem que ser aberto como cada episódio desses aconteceu, quais as circunstâncias, o local, os horários”, elenca Beltrame.

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