• Carregando...
Imóveis ociosos no centro de São Paulo são problema crônico cuja solução caminha a passos lentos.
Cinco imóveis ociosos serão destinados para unidades habitacionais, porém outros 110 ainda não tiveram destinação| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Os imóveis ociosos na cidade de São Paulo contribuem com deterioramento da região central da maior capital do Brasil. O problema crônico está entre as principais preocupações do paulistano e a revitalização da área foi colocada como prioridade por diversas gestões municipais, mas a solução segue distante da realidade.

Esse problema se acentua ainda mais quando contrastado com o aumento da população em situação de rua na capital paulista, que alcançou 80.369 pessoas em junho de 2024, de acordo com Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua).

Os motivos que levam os imóveis a ficarem ociosos são diversos. Em muitos casos, prédios inteiros pertencem a um único proprietário, o que dificulta a locação; há, ainda, imóveis que pertencem a muitos herdeiros, impedindo a sua utilização ou destinação; um grande número de propriedades ainda pertence a igrejas que receberam o ativo como doação de fiéis sem herdeiros; e também há muitos casos de imóveis retidos para a especulação imobiliária.

“Se você anda pelo centro e só observa na altura dos olhos, a impressão é que os imóveis estão com atividades, mas é só levantar o olhar para perceber que muitos prédios estão desocupados nos andares de cima”, diz Ana Gabriela Akaishi, pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).

“Com menos de frequência, encontramos terrenos vazios, que são considerados imóveis ociosos, sendo utilizados como estacionamentos rotativos”, complementa.

Especialistas cobram celeridade para IPTU progressivo e nas desapropriações

De acordo com a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (Smul) da prefeitura de São Paulo, desde 2014 até outubro de 2024, 2.296 imóveis foram notificados por descumprirem a Função Social da Propriedade. Desses, apenas 19% ou 436 imóveis cumpriram integralmente com as obrigações após a notificação, sendo 267 por meio de ocupação (no caso de imóveis não utilizados) e 169 através da edificação (no caso dos imóveis não edificados ou subutilizados).

Em uma decisão inédita, no primeiro semestre deste ano, a prefeitura de São Paulo determinou a desapropriação de cinco imóveis na região central da cidade após os proprietários passarem por todas as tentativas de notificações para atribuírem uma função social às unidades (confira as etapas abaixo).

De acordo com a prefeitura, os imóveis serão transformados em Habitação de Interesse Social (HIS), ou seja, moradias para famílias com renda mensal de até seis salários-mínimos. Porém, o processo caminha a passos lentos e ainda está em tramitação na Procuradoria-Geral do Município. Após a conclusão, as unidades serão repassadas à Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP).

A prefeitura afirma que esses cinco imóveis receberam essa destinação por terem características apropriadas para unidades habitacionais. Porém, dados da Smul apontam que também há pelo menos outros 110 imóveis ainda sem encaminhamento e que atingiram o limite das notificações. Portanto, podem ser desapropriados pela legislação.

“É um instrumento que está voltando, mas de forma muito lenta. Precisamos ter um acúmulo de ações como essa para criar escala em uma cidade com problemas do tamanho de São Paulo e construir um parque de imóveis que cumpram a função social”, diz Fernando Bruno, professor universitário de direito urbanístico e ambiental e ex-gerente do Departamento de Controle e Função Social da cidade de São Paulo.

Em junho de 2024, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) publicou um decreto que permite encaminhar os imóveis para desapropriação por meio de leilões, procedimento também chamado de hasta pública. Porém, essa nova ferramenta nunca foi utilizada.

Em relação ao baixo índice de reversão de imóveis notificados para habitação de interesse social, Akaishi cobra continuidade da política pública nos governos paulistanos, independente da relação partidária. “Os instrumentos que levam à desapropriação têm um grande potencial, mas precisam ser uma política de Estado e não de gestões municipais”, analisa.

O subsecretário de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do estado de São Paulo, José Police Neto (PSD), avalia como positiva a aplicação das políticas públicas pela prefeitura de São Paulo.

Police foi vereador por mais de cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo e criou o Projeto de Lei que originou a lei municipal 15.234/10, que instituiu instrumentos para o cumprimento da função social da propriedade urbana no âmbito municipal. “Há um avanço importante pois a atual gestão não interrompeu os processos de notificação, e utiliza todos os instrumentos disponíveis para avançar”, opinou.

Entre estes instrumentos, está a desapropriação de imóveis mediante pagamento em dinheiro ao proprietário - após os descontos das alíquotas de IPTU. Na opinião de Police Neto, essa foi uma saída encontrada tendo em vista que o caminho previsto na legislação é complexo. O pagamento se daria por meio dos Títulos da Dívida Pública, o que só pode ocorrer com autorização do Senado Federal.

“Nenhuma campanha foi feita para anunciar que isso existe. Não deu tempo do [Fernando] Haddad (PT) fazer, depois o [João] Dória (PSDB) interrompeu o processo de notificação. Houve um esforço pequeno de resgate pelo Bruno Covas (PSDB). No período Ricardo Nunes, as pessoas passaram a confundir o não cumprimento da função social e o dever de pagar o IPTU”, afirma o subsecretário ao comentar a falta de conhecimento da população sobre o tema.

Outro motivo levantado por fontes ouvidas pela reportagem é a falta de caixa disponível na prefeitura de São Paulo para adquirir os imóveis em grande volume e pagar os proprietários na modalidade que foi encontrada, ou seja, com o pagamento em dinheiro, tendo em vista o não encaminhamento da emissão de Títulos.

"[Esse instrumento] libera espaço no orçamento para outros investimentos, como a reforma de unidades para oferta de habitação de interesse social no centro. Mas a emissão de títulos depende de uma articulação com o governo federal e o Senado que não vem sendo priorizada pelo município", comenta a advogada e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mariana Chiesa.

Legislação paulistana teve início em 2010

Desde 2010, a capital paulista possui mecanismos legais para impedir que um imóvel fique ocioso e, dessa maneira, deixe de cumprir o exigido pelo inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a propriedade atenderá a sua função social”.

Durante o mandato do ex-prefeito Gilberto Kassab pelo então DEM, a lei municipal 15.234/10 passou a exigir a notificação dos proprietários de imóveis com solo não edificado, não utilizado ou subutilizado.

Em 2013, na reforma administrativa do então prefeito Fernando Haddad (PT), foi criado o Departamento de Controle da Função Social da Propriedade (DCFSP) para aplicar essa legislação, atividade que era exercida pelas subprefeituras.

Posteriormente, os decretos nº 55.638/2014 e nº 57.562/2016 vincularam o DCFSP à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e tornou-o responsável pelas notificações dos proprietários, exigindo ainda a publicação de dados anuais e mensais sobre as notificações.

Os decretos instituíram ainda o instrumento de Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (Peuc) dos imóveis com base nos perímetros e Zonas Especiais de Interesse Social definidos no Plano Diretor.

O passo a passo da desapropriação dos imóveis em São Paulo

  1. O Departamento de Controle da Função Social da Propriedade (DCFSP) notifica os proprietários de imóveis ociosos;
  2. Após a notificação, o proprietário tem o período de um ano para demonstrar à prefeitura o aproveitamento de seu imóvel por ocupação ou edificação;
  3. Caso não atenda no prazo, a Prefeitura aplica o IPTU Progressivo, conforme o Plano Diretor Estratégico (Lei nº 16.050/14 e Lei nº 17.975/2023) e Decreto nº 56.589/15;
  4. Após atingir o limite de cinco anos ou alíquota de 15% e sem as devidas providências para o cumprimento da função social, os imóveis podem ser desapropriados.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]