O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos)| Foto: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP
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Está em curso desde fevereiro no estado de São Paulo um ambicioso plano que pode resultar em 15 projetos de privatizações, parcerias público-privadas (PPPs) e concessões. O pacote pretende garantir investimentos de até R$ 180 bilhões e é uma prioridade do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que esteve recentemente em Nova York para participar de uma série de eventos com objetivo de captar investidores privados internacionais.

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Apesar do otimismo em atrair investimentos, o governo Tarcísio encontrará obstáculos para avançar nos planos de PPPs. As ações contemplam áreas como educação, recursos hídricos, transporte de passageiros, rodovias, ferrovias e até loterias e são coordenadas pelo Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas (CGPPP) e pelo Conselho Diretor do Programa de Desestatização (CDPED).

Entre as iniciativas está o estudo de PPP para venda de ativos e exploração de serviços e obras que atualmente estão sob responsabilidade do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Elas incluem a conclusão da implantação das barragens de Pedreira e Duas Pontes, além da operacionalização dessas infraestruturas hídricas e sistema adutor; e a construção e operação de 110 piscinões nos 39 municípios da Grande São Paulo.

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O projeto pretende consolidar, em um único contrato, os serviços realizados no canal Pinheiros, que envolvem desassoreamento e recomposição das margens pelo DAEE; retirada do lixo flutuante pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Semil); limpeza do lixo recolhido e roçagem e conservação das margens pelo Emae; sistema de macrodrenagem do rio Baquirivu-Guaçu e desassoreamento de rios no interior de São Paulo.

Também há a concessão das Linhas 10, 11, 12, 13 e 14 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), do sistema de Trens Intercidades (TIC) Sorocaba e das linhas atualmente operadas e em estudo para implantação e/ou expansão pelo Metrô. A implantação do TIC Eixo Norte também está sob avaliação. Os estudos vão analisar a construção de linhas de trens entre São Paulo, Jundiaí e Campinas, além de Francisco Morato. Parte do projeto integrará a Linha 7-Rubi da CPTM, até Francisco Morato.

Trechos de rodovias que cortam o estado também passarão por estudos nos próximos meses para averiguar a viabilidade de concessão, como a Rodovia Rio-Santos (SP-055), uma das rodovias afetadas pelas recentes chuvas de grande intensidade e consequentes deslizamentos de terra. O trecho a ser concedido contemplará do entroncamento com a Mogi-Bertioga até o Porto de São Sebastião e da Praia de Martin de Sá até a Rodovia Oswaldo Cruz, totalizando aproximadamente 135 quilômetros de extensão.

Além disso, outros 1,8 mil quilômetros de vias no interior também poderão ser leiloados para a operação, manutenção e realização de investimentos pela iniciativa privada, incluindo as atuais concessões da ViaOeste e Renovias. A Estrada de Ferro de Campos do Jordão também é objeto de estudo para possível concessão, incluindo a linha férrea, estação e ativos imobiliários.

Outros planos que estão em fase de estudo e envolvem a iniciativa privada são as loterias paulistas, a revitalização do Museu da Diversidade no Casarão Franco de Mello, a concessão de travessias litorâneas e a construção do túnel seco entre Santos-Guarujá. Há, ainda, a implantação e conservação de um sistema de alerta para eventos geológicos, contenção de encostas e drenagem, a transferência do Palácio dos Bandeirantes para o centro da cidade de São Paulo, a concessão de serviço de manutenção de escolas estaduais e o uso do Conjunto Desportivo Constância Vaz Guimarães (Ginásio do Ibirapuera).

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Desafios das privatizações

Mesmo com os projetos de privatizações em fase preliminar, é possível tirar lições de experiências anteriores para se ter uma ideia dos prováveis resultados e de erros que não devem repetidos. No Rio de Janeiro, por exemplo, recentemente o operador privado SuperVia informou ao governo fluminense que não quer mais operar trens urbanos na região metropolitana da capital, alegando prejuízos financeiros.

Para Alexandre Pires, professor de economia do Ibmec, entre as causas do mau funcionamento de concessões está a falta de um planejamento de longo prazo para a operação do sistema. Como resultado, as empresas que ganham a concessão acabam tendo dificuldade de realizar investimentos mais robustos nos ativos comprados, muitos deles sucateados.

Em São Paulo linhas de trem da CPTM operados pela ViaMobilidade frequentemente apresentam problemas, como atrasos, falhas e descarrilamentos. Os problemas ocorrem ainda que no estado haja um planejamento financeiro maior previsto nos contratos. “O governo de São Paulo costuma fazer investimentos antes da concessão. Ou seja, já vende um pacote que costuma ter um conjunto de ativos que estão em pleno estado de funcionamento e não sucateados”, ponderou o professor.

Sabesp, a "joia da coroa" das privatizações

Apresentada junto com os outros projetos, a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) está em fase de estudos que vão indicar de que forma será executada. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem afirmado publicamente que pretende finalizá-la até 2024. Para Alexandre Pires, o ideal é vender na bolsa de valores ações que pertencem ao estado, da mesma forma como aconteceu com a Eletrobras.

Ainda assim, há riscos: “Muitas vezes o processo de desestatização ultrapassa o tempo de um governo, que muda de opinião. As vezes se inicia a venda da empresa, mas ela acaba sendo revertida ou interrompida lá na frente por outra gestão e, no final, o Estado continua no controle da empresa”, diz ele.

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Oposição já se movimenta na Alesp

Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), opositores tanto ao governo Tarcísio quanto às privatizações já se movimentam para questionar as propostas. No final de abril, deputados estaduais do PT promoveram uma audiência pública contra o que chamaram de "retrocesso da privatização da CPTM", marcado por críticas à proposta de concessão das novas linhas.

A desestatização da Sabesp, por sua vez, considerada a “joia da coroa” das privatizações, já era debatida por governos anteriores e é repleta de controvérsias. Enquanto Tarcísio de Freitas afirma que "a Sabesp é a grande privatização do Brasil hoje", a oposição não perdeu tempo e já em fevereiro se organizou para criar a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp. Com 27 integrantes, entre membros efetivos e apoiadores, o grupo lançou um manifesto contra qualquer projeto para a venda total ou parcial da empresa.

Com maioria no legislativo, no entanto, os aliados do governador preferem se manter em compasso de espera. De acordo com o deputado Altair Moraes (Republicanos), líder da bancada do partido na Alesp, não há por parte da base aliada um movimento em resposta à frente lançada pela oposição. "Vamos aguardar o governador Tarcísio de Freitas encaminhar a proposta que será submetida à apreciação dos nossos pares na Alesp. O projeto certamente respeitará o trâmite legislativo e deverá passar pelas comissões permanentes competentes que vão exarar seus pareceres", declarou.

A oposição, porém, já se movimenta também na esfera judicial. Em abril, o PT acionou o Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo para que emita posicionamentos sobre pontos que considera ilegais na contratação pelo governo do Estado de estudos para a privatização da Sabesp. O documento foi enviado pelo deputado estadual Emídio de Sousa (PT) ao procurador-geral Thiago Pinheiro de Lima.

Entre os pontos questionados, estão a necessidade de autorização do poder legislativo para a contratação dos estudos, que foi feita por Tarcísio via decreto. “A Constituição Federal estabelece a necessidade de autorização legislativa para a prática de atos ainda que incipientes, mas que importem, ao final, na perda do controle acionário por parte do Estado em empresas estatais", diz o ofício.

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O documento questiona, ainda, a dispensa de licitação para a contratação da empresa que está elaborando a análise preliminar. "A dispensa de licitação, por sua vez, só é permitida em situações específicas e previstas em lei, o que não se aplica, evidentemente, num processo em que se busca terminar com a alienação de ativos de uma empresa pública", afirma.

Governo de São Paulo em contraponto ao Planalto

À frente do governo do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Infraestrutura de Jair Bolsonaro, adota um programa de governo totalmente oposto ao do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ainda durante a campanha eleitoral em 2022, o então candidato Lula já se posicionava contra as privatizações e a favor da manutenção de empresas na mão do estado. Eleito, não demorou para cancelar processos que foram iniciados no governo do seu antecessor.

Após reassumir a Presidência, Lula anunciou a retirada de três empresas do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) e de outras sete do Programa Nacional de Desestatização (PND), entre elas a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que foi foco de corrupção durante o seu primeiro governo, em 2005. Na quinta-feira (11), durante evento na Bahia, Lula reafirmou sua posição ao criticar o modelo de privatização da Eletrobras, afirmar que não vai privatizar os Correios e nem "vender mais nada da Petrobras".

Apesar de terem posições completamente opostas nesse quesito, Lula e Tarcísio se encontraram já no mês de janeiro e discutiram justamente o tema das privatizações. Na época, o governador paulista defendeu a privatização do Porto de Santos, administrado por uma empresa pública ligada ao Ministério da Infraestrutura. Apesar da tentativa de Tarcísio, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, vem se posicionando reiteradamente apenas a favor da concessão de terminais portuários, e contra a desestatização da autoridade portuária.

Para Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, um elemento importante é a busca de Tarcísio por marcar posição e se diferenciar do governo federal. Ele diz ainda que isso mostra a força política de grupos que, entre outros pontos, têm esse diálogo com a iniciativa privada como um dos cernes dos seus programas no estado.

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