Iniciativas do poder público avançaram muito pouco no último ano para resolução de um dos problemas mais críticos para população da cidade de São Paulo: a região central conhecida como cracolândia.
Apesar das promessas do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), os recentes arrastões na região e as reclamações de moradores e comerciantes apontam que o problema social do consumo de drogas em locais públicos e abertos está longe de uma solução.
No dia 27 de janeiro, a rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, foi alvo de um arrastão no local conhecido pela venda de equipamentos eletrônicos. Uma das lojas teve todo o seu estoque saqueado pelos usuários de drogas. Segundo o dono do comércio, o prejuízo é de cerca de R$ 300 mil.
Três homens foram detidos por guardas-civis no dia seguinte por suspeita de envolvimento no caso. Dois deles foram liberados e seguem sendo investigados. O terceiro suspeito está preso, já que foi constatado um mandado de prisão preventiva expedido pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) por um outro crime.
Em agosto do ano passado, após sucessivos arrastões na região, o prefeito de São Paulo prometeu que tolerância zero com tráfico de drogas na área onde está instalada a cracolândia. "O que vai ter daqui pra frente é a mão cada vez mais forte do Estado em cima do traficante. Vamos ser implacáveis, contundentes, Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Civil Metropolitana, porque ninguém aguenta mais que uns bandidos vendedores de crack prejudiquem a vida das pessoas", disse Nunes em coletiva de imprensa.
Na mesma linha, o governador anunciou um projeto de revitalização do centro com o objetivo de acabar com a cracolândia, sendo que uma das medidas seria a transferência da sede do governo estadual para a região. “A revitalização do centro da capital paulista é uma estratégia para acabar com a cracolândia”, projetou Tarcísio durante anúncio no último mês de novembro.
Nesta semana, Nunes e Tarcísio voltaram a falar sobre reforço das forças de segurança para combate ao crime no local. Enquanto o prefeito afirmou que planeja colocar mais 500 profissionais da Guarda Civil Metropolitana no centro, o governador de São Paulo anunciou que pretende ampliar o efetivo na região com mais de 2 mil policiais militares até o fim deste ano.
Gestões Nunes e Tarcísio divergem de número de usuários na cracolândia
Segundo dados do painel de monitoramento mantido pela Secretaria Municipal da Segurança Urbana, o número de pessoas que frequentam a cracolândia de tarde e noite (momento de maior concentração do fluxo) aumentou em 46,8% no segundo semestre de 2023 em comparação com os primeiros seis meses do ano anterior. Entre janeiro e junho, a circulação média de pessoas foi de 393 nos períodos da tarde e noite . Já entre julho e dezembro, o número saltou para 577.
Questionada sobre o aumento, a prefeitura justificou que os os dados municipias apontam para uma maior concentração de pessoas na região e não para a elevação no número de usuários de drogas. "No primeiro semestre de 2023, havia maior dispersão de dependentes químicos em situação de vulnerabilidade social no Distrito da Luz. As aglomerações chegaram a ocupar 11 locais diferentes por poucos dias durante o período. A partir do segundo semestre de 2023, ocorreu uma maior concentração dos dependentes químicos em algumas localidades específicas", esclarece a nota.
Neste ano, segundo dados do painel de monitoramento da prefeitura, os usuários de droga na região central diminuíram durante o período vespertino e noturno. Ano passado fechou com média de 577 no período de tarde e noite, este ano o número caiu para 560, ou seja, uma redução de apenas 3%. Porém, o painel de monitoramento captava dados de cerca de 10 ruas da região no ano passado. Já os números do último mês de janeiro correspondem apenas aos dados da rua dos Protestantes, no centro de São Paulo.
Já a gestão estadual afirma que 1 mil usuários de drogas vivem na região central da capital paulista e cerca de 60% possuem antecedentes criminais, sendo que a grande maioria está cumprindo pena nas ruas ou aguardando julgamento em liberdade.
Questionada pela reportagem, a gestão municipal disse que não houve nenhuma internação compulsória na região da cracolândia em 2023. O governo do estado não respondeu esse questionamento.
Governo Tarcísio aposta em revitalização do centro de São Paulo
Em nota enviada para a Gazeta do Povo, a gestão do governador Tarcísio de Fretas respondeu que está empenhada "em revitalizar o centro de São Paulo e cuidar do problema de saúde pública que são os dependentes químicos que frequentam a região".
Para isso, ainda de acordo com o governo estadual, é feita uma abordagem conjunta entre secretarias para combater a criminalidade, reforçar a segurança e oferecer tratamento e acolhimento aos dependentes químicos, incluindo os que estão em recuperação.
“De abril a novembro os esforços de combate à criminalidade resultaram em uma queda de 7,2% nos furtos e uma redução de 16,4% nos roubos na comparação com o mesmo período de 2022. O número de prisões (5.983) foi 26,8% maior do que no ano anterior”, informa o governo na nota. Porém, boa parte desses presos são liberados pela justiça por falta de materialidade.
“Desde a inauguração, em abril de 2023, o Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas recebeu 13.579 pacientes para tratamento na unidade. O último balanço aponta que 7.875 pessoas foram encaminhadas para tratamento clínico após buscarem ajuda no serviço, sendo que 5.016 pacientes foram para Hospitais Especializados e 2.859 para Comunidades Terapêuticas”, afirma.
Médico defende tratamento de usuários da cracolândia
O médico Quirino Cordeiro, diretor do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, defende os serviços prestados pelo corpo clínico do estado com os usuários do centro de São Paulo. “O dependente químico que chega até o Hub passa por uma triagem que tem como objetivo definir a conduta clínica necessária para o caso dele. Se o caso for urgente, o Hub disponibiliza leitos para internação e estabilização dos pacientes, caso contrário, ele pode ser encaminhado para um Caps (Centro de Atenção Psicossocial), uma comunidade terapêutica ou um hospital”.
O médico diz que quase todos os usuários procuram o serviço voluntariamente. “Mais de 95% dos casos que o Hub atende são de pacientes que chegaram até a unidade de forma voluntária. O papel do Hub é avaliar os pacientes e indicar o tratamento adequado e grande parte dos dependentes é encaminhada para internação”, informa Cordeiro.
“A procura tem aumentado nos últimos meses. Estamos atendendo um número expressivo de pacientes, mais de 50 por mês”, completa.
Sociólogo cobra foco da segurança pública no crime organizado
Para o professor Universidade Presbiteriana Mackenzie e sociólogo, Rogério Baptistini, os problemas sociais provocados pelos usuários de drogas do centro de São Paulo não avançou no último ano. “A situação da cracolândia não mudou. O lugar continua a ser um ponto de venda e consumo de drogas. A massa de usuários, originalmente concentrada no espaço entre a rua Helvetia, a Alameda Barão de Piracicaba e o Largo Coração de Jesus, se espalhou e chegou até a avenida Paulista”, analisa.
“No passado, as megaoperações policiais que aconteceram no local não eliminaram o tráfico de drogas e serviram para dispersar os usuários pela cidade”.
Rogério Baptistini, professor Universidade Presbiteriana Mackenzie e sociólogo.
Embora reconheça que apenas a ação policial não resolverá o problema, o sociólogo afirma que é preciso voltar os holofotes da segurança pública para o crime organizado. “Isso não quer dizer que se possa prescindir da ação policial para a resolução do problema. Mas ela não é exclusiva e, tampouco, deve estar focada no usuário ou no morador de rua. Sobretudo, as ações de inteligência das polícias devem estar orientadas para o combate ao crime organizado. Os traficantes de drogas e os receptadores de produtos furtados são os que realmente ganham com a existência da cracolândia”, aponta Baptistini.
O docente também defende que outras áreas podem contribuir para a solução do problema. “O tratamento dos usuários, e não apenas a solução fácil e autoritária da internação compulsória, tem de ser contemplado. No nível social, a reintegração, o trabalho e a formação da renda devem ser objeto de preocupação política. Assim como a questão da moradia. Não há como imaginar que a cidade vai se livrar dos indesejáveis por um passe de mágica”.
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