Um dos protagonistas no agronegócio brasileiro, São Paulo tem tido na inovação um elemento de impulso para o setor. As empresas inovadoras que chamam mais a atenção de quem não vive o dia a dia do agronegócio são as as agtechs que trabalham com agricultura digital – um nicho que abarca desde a internet das coisas (IoT), automação, sensoriamento, computação na nuvem, até softwares e hardwares.
Neste quesito, o que mais impressiona são os drones voando sobre as lavouras. Eles são utilizados para a geração de imagens e também para a aplicação de insumos, a chamada agricultura de precisão. Por exemplo: com uma dessas pequenas aeronaves, o produtor descobre onde está o problema e aplica o defensivo apenas no local infestado pela praga, ao invés de utilizá-lo em toda a plantação, gerando não só mais economia, mas também segurança para os trabalhadores rurais.
Mas nem toda inovação vem da tecnologia. Para Sergio Marcus Barbosa, gerente-executivo da EsalqTec e head de Agronegócios do Hub Cocriagro, de Londrina (PR), o que há de mais disruptivo são os novos modelos de negócio. “Principalmente tratando do conceito de servicização, que é quando se vendem mais serviços do que produtos (como insumos), focando especialmente nas maiores necessidades das propriedades: aumentar a produtividade ou diminuir os custos da lavoura”, diz ele.
Segundo o Radar Agtech 2022, o maior mapeamento do setor, existem 1.703 agtechs ativas no Brasil. São Paulo tem a maior concentração delas, com 800 startups (47% do total nacional), além de ser considerada a principal região do hub de inovação agro da América Latina. Quatro cidades do estado respiram, plantam e colhem inovação. São Paulo, Piracicaba, Campinas e Ribeirão Preto estão no top 10 do ranking de municípios com o maior número de agtechs do país, com o total de 516 empresas.
São Paulo brilha aos olhos dos empreendedores por ser a capital do estado e por possuir uma infraestrutura robusta, além de ecossistemas de inovação estabelecidos, o que facilita a conexão entre startups, clientes e fornecedores, além de unidades de pesquisa importantes, como o Instituto Biológico, referência no Brasil e no exterior; o Instituto de Economia Agrícola, a primeira instituição a sistematizar os estudos sobre economia agrícola no país; e o Instituto de Pesca, que tem a missão de melhorar o agronegócio do pescado. Além disso, um terço do território da capital é rural. Ali são produzidas hortaliças, frutas, legumes e até plantas ornamentais.
Já as três cidades do interior – Campinas, Piracicaba e Ribeirão Preto – além de estarem muito próximas à realidade do campo, possuem um ambiente propício para o desenvolvimento de empresas de inovação, combinando universidades e centros de pesquisa renomados, parques tecnológicos e incubadoras de empresas, fornecendo apoio e recursos para empreendedores e empresas que estão apenas começando.
Campinas é um dos mais importantes e tradicionais polos de desenvolvimento tecnológicos do Brasil, graças à existência não só de universidades, como Unicamp e PUC, e instituições de pesquisa. Está cada vez mais voltada para o lado inovador do agro. Em 11 de abril, por exemplo, a Embrapa Digital inaugurou um centro de agricultura na cidade, que se propõe a “estimular a integração de tecnologias digitais nos processos produtivos rurais de forma efetiva e simples, atendendo às necessidades reais dos produtores”, além de oferecer capacitação tecnológica e “o compartilhamento de conhecimento e de práticas para acelerar a adoção de tecnologias digitais”, diz a empresa em comunicado. “Precisamos diminuir o ‘gap’ da tecnologia digital entre os grandes e os pequenos produtores”, afirmou a pesquisadora Silvia Massruhá, da Embrapa, que desde 1° de maio é a primeira mulher a presidir a instituição.
Ribeirão Preto é conhecida como a capital do café e, desde 2004, recebeu o título de “capital brasileira do agronegócio”. O município hospeda anualmente a Agrishow, a principal feira internacional de tecnologia agrícola da América Latina e uma das maiores do mundo - são mais de 800 marcas expostas, daqui e do exterior, além de uma área para startups. Além disso, ainda em 2023, Ribeirão terá seu primeiro programa de inovação aberta, voltado exclusivamente às empresas da cadeia produtiva do agro.
Já Piracicaba é conhecida como AgTech Valley, que remete ao Vale do Silício, no estado americano da Califórnia, lar das mais inovadoras empresas de tecnologia do globo. A cidade do interior paulista reúne 61 empresas e startups, além de instituições de pesquisa, como a centenária Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Esalq.
Referência no ensino de ciências agrárias
Estabelecida em 1901 e uma das unidades fundadoras da Universidade de São Paulo (USP), a Esalq é referência em produção de conhecimento, sendo eleita a 10ª melhor instituição de ensino de ciências agrárias do mundo, segundo ranking do jornal US News and World Report.
Há 17 anos, a escola possui uma incubadora, a EsalqTec, “onde o conhecimento é aplicado na prática em prol das pessoas”, gerando inovação, conta Sergio Marcus Barbosa, o gerente-executivo da entidade. Para ele, a maior virtude da incubadora é transformar o pesquisador em empresário. “Nos traz aquele orgulho de estar contribuindo com o agronegócio e o produtor rural do Brasil”, afirma. O processo dura cerca de três a quatro anos.
Já se graduaram na EsalqTec 21 startups. São empresas que trabalham, por exemplo, com o controle biológico de pragas, com sustentabilidade ambiental e pecuária. Atualmente, a incubadora apoia mais de 120 projetos entre empresas residentes, associadas e em pré-incubação. Na atual geração de agtechs chamam a atenção as de bioinsumos, área que se tornou uma especialidade da região, e as empresas de produção indoor, conhecida como agricultura urbana.
Tendências de inovação no agro
Olhando para o futuro do agro paulista, Barbosa aponta que o grande desafio está na cadeia produtiva da cana-de-açúcar. Há a “pressão de manter o etanol competitivo”, afirma. O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar global, e a cana é a cultura mais forte do estado. Foram mais 5,5 milhões de hectares da cultura plantados em 2018 no território paulista, que sedia mais de 170 usinas (correspondendo a 42% do total brasileiro). Como reportado pela Gazeta do Povo, o etanol é uma das alternativas aos combustíveis fósseis, sendo que os carros movidos por ele são mais sustentáveis que carros elétricos. Grande parte deste etanol (45%) sai de São Paulo, que é o maior produtor do combustível no país.
Expandindo o espectro, Barbosa acredita que as tendências de inovação apontam para a consolidação da sustentabilidade, já que há uma demanda crescente pela agricultura de baixo carbono e pelas tecnologias que proporcionem isso. A produção indoor e a rastreabilidade digital também se destacam como possíveis caminhos. No setor financeiro, as agri-fintechs também estão ganhando espaço, oferecendo soluções para gestão de risco e seguro e crédito rurais. Além disso, uma outra tecnologia começa a ser utilizada no campo: o metaverso pode ser visto em treinamentos virtuais, mas Barbosa acredita que suas aplicações não param por aí. “Será possivel a utilização desta ferramenta para desenvolvimento de produtos, pois replicam cenários reais no ambiente virtual”, afirma.
“Estamos em outro momento de transformação histórica, com a aplicação de novas tecnologias digitais e biológicas que aumentam a produtividade em um contexto de maior compromisso dos principais atores da cadeia do agronegócio com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e também um ecossistema de inovação mais complexo e internacionalizado”, afirma Luiz Ojima Sakuda, um dos coordenadores do Radar Agtech. A compra do piracicabano AgTech Garage, o maior hub latino-americano de inovação aberta, pela PwC, empresa mundialmente conhecida por seus serviços de consultoria e auditoria, em novembro de 2022, demonstra esse movimento de expansão das agtechs dentro do Brasil e também no exterior.
“Acredito que o agro paulista está preparado para os desafios grandes tecnológicos, sociais, econômicos e ambientais das próximas décadas”, afirma Luiz Ojima Sakuda. Já para Sergio Marcus Barbosa, os ecossistemas do Brasil são responsáveis pelo maior movimento agtech do mundo. "E o cenário, cada vez mais, é de evolução”, diz ele.
Pontapé inicial veio com a Embrapa
Referência em ciência e tecnologia, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com cinco décadas de atuação, foi a responsável pelo pontapé inicial às novas empresas de inovação do agronegócio, as agtechs. É uma das instituições responsáveis por transformar o país em um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Com a Embrapa, o Brasil deixou de importar comida, o que fazia até a década de 1960, para se transformar em um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. São mais de 200 países que recebem o que é cultivado e criado aqui.
A Embrapa, com 43 centros de pesquisa e 600 laboratórios, foca na geração de tecnologias agropecuárias, como o desenvolvimento de cultivares (variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras) e de tecnologias como o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que otimiza o uso da terra, conciliando a produção agropecuária com a conservação ambiental e permitindo o uso do solo o ano todo, ao mesmo tempo em que dá mais alternativas de fontes de renda para o produtor rural (que pode vender a madeira, os alimentos que plantou ou ainda carne ou leite de seus animais).
Foram as pesquisas da Embrapa, por exemplo, que ajudaram a ter lavouras de soja no Cerrado, até então uma região inóspita para esta cultura. “A inovação foi fundamental para que o Brasil conquistasse o lugar de destaque mundial, com pesquisa aplicada nas necessidades e potencialidades da produção em diferentes regiões do país”, afirma Luiz Ojima Sakuda, sócio da Homo Ludens e um dos coordenadores do Radar Agtech.
Nas últimas cinco décadas, o Brasil aumentou em cinco vezes a produção de grãos (com aumento de apenas 60% na área plantada); elevou em 240% a produção de trigo e milho e incrementou em 315% a produção de arroz, divulga a instituição em seu relatório social. A produtividade da cafeicultura brasileira triplicou; a produção de carne de frango aumentou 59 vezes e o rebanho bovino aumentou em mais de 100%, afirma o documento.
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