O mercado de bets, também conhecido como de apostas de cota fixa, está em plena regulamentação e expansão no país. De acordo com um relatório da XP Investimentos com base em estimativas da BNL Data, as empresas do setor teriam faturado R$ 13 bilhões no Brasil em 2023, um crescimento de 71% em relação a 2020. Já para 2024, de acordo com Ricardo Bianco Rosada, sócio da brmkt.co, a expectativa é que as bets movimentem R$ 150 bilhões.
Diante de cifras tão vultosas, os estados e a União estão travando no Judiciário uma disputa por jogadores, outorgas e impostos desse mercado bilionário cuja ilegalidade está com os dias contados no Brasil. Ainda que o tema tenha vindo à tona recentemente devido aos efeitos nocivos das bets e o próprio PT esteja criticando a legislação que aprovou, a partir do dia 1º de janeiro de 2025 passa a valer a nova regulamentação e só poderão operar no país empresas devidamente cadastradas no governo federal.
Além de precisarem cumprir uma série de exigências como de prevenção à lavagem de dinheiro, as empresas que desejarem operar em âmbito federal deverão pagar uma outorga de R$ 30 milhões, além de 12% sobre o gross gaming revenue (GGR), ou seja, o faturamento menos os valores pagos em prêmios aos jogadores.
Ao mesmo tempo em que a lei 14.790/2023, conhecida como Lei das Apostas Esportivas, regulamentou este mercado, ela estabeleceu condições que desagradaram alguns estados. Os principais pontos de divergência estão no fato de que, pela regulamentação, as empresas de bets estão autorizadas a funcionar no âmbito estadual, porém, tanto a operação quanto os clientes e a publicidade ficam limitados às regiões territoriais do estado em que obtiverem a outorga.
Além disso, uma mesma empresa de apostas pode funcionar em apenas um estado e, caso deseje ampliar a área de atuação, deve adquirir uma outorga federal. Insatisfeitos, diversos estados procuraram a Justiça para tentar reverter a lei.
Estados aguardam STF julgar constitucionalidade da Lei das Apostas Esportivas
Incomodados com a regulamentação da Lei das Apostas Esportivas, os governos de São Paulo, Minas Gerais, Acre, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal. Na ADI 7640, que está sob a relatoria do ministro Luiz Fux, os estados alegam que a restrição imposta a um mesmo grupo econômico de explorar serviços lotéricos em apenas um estado limita a participação das empresas em licitações e podem prejudicar estados de menor pujança econômica.
Além disso, os governos argumentam que as regras sobre a publicidade são desproporcionais e violam os princípios constitucionais da livre concorrência e da defesa do consumidor, bem como as regras sobre delegação de serviços públicos e da competência dos estados para explorar os serviços públicos de sua titularidade.
Ajuizada no último dia 3 de maio, a ação aguarda julgamento. O parecer mais esperado é o do Ministério Público, que ainda não se manifestou nos autos do processo.
Loterj entra na Justiça para questionar lei, mas ação contra bets e Anatel é extinta
A Loterj, Loteria do Estado do Rio de Janeiro, protagonizou uma batalha judicial que chegou a bloquear temporariamente mais de 100 casas de apostas online por não possuírem licença para operar na região. Em 2023, pouco antes da promulgação da Lei das Apostas Esportivas, a Loterj editou um decreto no qual estabeleceu diversas normas a respeito do funcionamento das bets, inclusive argumentando que as empresas devidamente outorgadas no Rio de Janeiro estavam autorizadas a atuar em outros estados.
Para atuar no estado do Rio de Janeiro, a outorga custa R$ 5 milhões, com o adicional de 5% ao mês do GGR. Tendo em vista que a outorga federal custa R$ 30 milhões, com o adicional de 12% sobre o GGR, o estado do Rio de Janeiro concorreria diretamente com a União.
“É o único estado que está tendo um entendimento diferente. Qual é a lógica de ter uma licença federal, mais cara, se o Rio de Janeiro criar uma licença que concorre com a federal? Não tem lógica nenhuma”, questiona o advogado Marcos Sabiá, diretor-executivo do site de apostas Galera.bet.
A Loterj chegou a pedir na Justiça que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) oficiasse os provedores de conexão para bloquear ou suspender as bets indicadas na ação, o que chegou a acontecer, porém a medida foi suspensa. O desembargador do Tribunal Regional da Primeira Região (TRF1) considerou o período de transição estabelecido pelo Ministério da Fazenda, para que as empresas de bets que já operam no país possam se cadastrar no governo federal antes de passar a valer a legislação, a partir do dia 1º de janeiro de 2025.
No dia 20 de agosto, a Loterj desistiu da ação principal ajuizada à Anatel e, no dia 22, o juiz extinguiu a ação considerando falta de legitimidade recursal da Loterj, uma vez que a petição inicial foi assinada pelo presidente da Loterj. Apesar de ser advogado e estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ele não pode exercer a advocacia simultaneamente ao cargo.
Estado de São Paulo prevê guerra de tarifas na regulamentação das bets
O estado de São Paulo pretende regulamentar as bets após o leilão de loteria paulista na B3, procedimento agendado para o dia 28 de outubro e que excluiu essa categoria das modalidades de apostas que serão leiloadas. De acordo com fontes próximas aos trâmites contatadas pela Gazeta do Povo, provavelmente será adotado um modelo de credenciamento, no qual “todo mundo que tem interesse em operar poderá se credenciar junto ao estado”.
A previsão é de que haverá uma guerra de taxas, uma vez que o estado precisará criar condições atrativas para as empresas optarem por adquirirem a outorga em São Paulo, e não em outro estado ou até mesmo em todo o país, por meio da outorga federal. A reportagem da Gazeta do Povo apurou que, entre as empresas interessadas no próprio leilão de concessão da loteria paulista, pelo menos metade já tem atuação em outros estados.
Ou seja, caso o STF entenda, no julgamento da ADI 7640, que a Lei das Apostas Esportivas é constitucional, o contrato deverá ser rescindido, seja com o estado de São Paulo ou com o outro estado onde a empresa já opera.
Ministério da Fazenda afirma que União é detentora privativa da legislação sobre o tema
Questionado sobre a “guerra” entre estados e União por valores que serão arrecadados com as bets, a Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda, afirmou que “entende que os âmbitos de competência da União estão previstos na Constituição Federal, como detentora privativa da legislação sobre o tema”.
Além disso, afirmou que “as Leis nº 13.756/2018 e a nº 14.790/2023 definem perfeitamente as regras a serem cumpridas para o desempenho das atividades e visam garantir a convivência harmônica entre as explorações das apostas de quota fixa pela União e pelos estados e Distrito Federal.”
Sobre a destinação dos recursos arrecadados, respondeu que “há diversas formas de arrecadação para o setor de apostas” e que a contraprestação de outorga para começar a funcionar, no valor de R$ 30 milhões, está prevista para ser recolhida “à conta única do Tesouro Nacional, assim como ocorrerá com os impostos federais (Pis-Cofins, IRPJ e CSLL).”
Afirmou ainda que “também há Taxa de Fiscalização, cujo repasse para a unidade do MF responsável pela fiscalização tem previsão legal”, e que “há ainda um rol de destinações, listadas no artigo 30 da Lei nº 13.756/2018, cuja repasses são regulados pela Portaria SPA/MF nº 1.212/2024.”
Especialistas divergem no entendimento sobre a ADI 7640
João Eloi, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), chama a atenção para a perda de receitas aos estados caso a ADI 7640 seja julgada improcedente e os estados perderem autonomia. “Se centralizar na União, os estados vão perder as receitas provenientes da loteria, e ele já tem no orçamento gastos previstos com saúde, educação, segurança. É bastante prejudicial para os estados e uma decisão completamente fora da Constituição”, diz ele.
“A tese tem bastante razoabilidade e os estados têm razão, agora não sabemos como o STF vai agir nessa questão, muitas vezes a decisão é mais política que técnica, mas se tudo for julgado dentro da constitucionalidade, os estados têm grande chance de ganhar”, complementa.
Já Plínio Lemos Jorge, presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), afirmou que a entidade “entende que é plausível esse tipo de correção da Lei, em relação à restrição de concessão, uma vez que limita a concorrência no setor”. Porém, no que tange à publicidade, a associação entende que “não cabe interferência pelos Estados, uma vez que se trata de matéria cuja regulamentação é prerrogativa da União (inciso XXIX do artigo 22 da Constituição), além de autorregulamentação pelo próprio setor, por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar)”.
A Loterj, por sua vez, afirmou à Gazeta do Povo que os governadores que moveram a ADI “contestam no Supremo Tribunal Federal (STF) os dispositivos contidos na lei federal por restringirem a exploração do serviço lotérico no âmbito dos estados e do DF”. A Loterj afirmou ainda que “a importância da ADI 7640 decorre justamente porque impacta de maneira constitucional e negativa na atuação das loterias estaduais bem como na arrecadação, conforme descrito na própria ADI.”
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