Apesar de se apresentar como um candidato católico praticante e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com o coronel Ricardo Mello Araújo, indicado por Bolsonaro, compondo a chapa como vice, o prefeito e candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB) permanece "em cima do muro" quando o assunto são pautas conservadoras e relacionadas ao bolsonarismo, como o aborto.
Em entrevista ao portal de notícias G1, Nunes foi questionado sobre as denúncias da não realização de abortos previstos em lei – o que inclui as assistolias fetais – na rede pública municipal de São Paulo, e sobre a interrupção do serviço no Hospital de Vila Nova Cachoeirinha.
As denúncias se iniciaram após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes enviar, em junho, uma determinação à prefeitura de São Paulo para que os estabelecimentos comprovassem, em 48 horas, a realização de abortos depois de 22 semanas, “sob pena de responsabilização pessoal de seus administradores”.
Em resposta, Ricardo Nunes disse que o aborto previsto em lei é realizado na rede municipal e enfatizou que as decisões são tomadas com base em critérios técnicos e não políticos. “Aquele hospital estava fazendo o procedimento”, disse Nunes.
“Não é o prefeito, não é o jornalista, não é alguém fora daquele contexto que tem melhor condição de definir onde que o procedimento pode ser realizado que o médico que está ali”, disse ele. “Nem o Alexandre de Moraes tem melhor condição de definir do que o médico que está lá na ponta no dia a dia”, complementou.
Além disso, Nunes adicionou à resposta o discurso padrão adotado pela prefeitura de São Paulo a respeito da interrupção do serviço no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, afirmando que as pessoas estão sendo encaminhadas para “outros equipamentos” e o hospital passou a se dedicar a demais procedimentos ligados à saúde da mulher, como cirurgias de endometriose. “Nós havíamos feito 13 endometrioses e eu não sei se as pessoas sabem o quanto é importante aquele hospital fazer [o procedimento], que era o melhor para fazer endometriose. Agora já passamos de 200 com essa adequação”, afirmou.
“O objetivo foi esse, de você adequar para melhor atender as pessoas. Agora pegue matéria e faz, aí vem alguém lá de Brasília, de não sei da onde, querer opinar no dia a dia do trabalho de técnicos. Isso é técnico, isso não é político, são decisões técnicas”, complementou.
Prefeitura de São Paulo omite ações e dados sobre abortos e assistolias fetais
A despeito da resposta padrão dada por Nunes durante a entrevista ao G1, tanto o prefeito quanto a assessoria de imprensa da prefeitura de São Paulo omitem os dados referentes aos procedimentos de aborto e de assistolia fetal realizados na rede pública de São Paulo.
Questionados pela Gazeta do Povo via Lei de Acesso à Informação Pública sobre o número de abortos e assistolias fetais realizados na rede municipal nos últimos cinco anos, a Secretaria da Saúde respondeu que verificou “impossibilidade de atendimento, vez que não atende aos requisitos legais dos incisos II e III do artigo 13 do Decreto Federal nº 7.724/12.”
Os incisos citados afirmam, respectivamente, que não serão atendidos pedidos de acesso à informação “desproporcionais ou desarrazoados; ou que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade.”
Além disso, a reportagem da Gazeta do Povo questionou a prefeitura sobre o impacto da determinação de Moraes sobre o aborto a partir de 22 semanas, no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1141, em cinco hospitais da cidade de São Paulo, e também não foi respondida. Tendo o pedido reiterado, a Secretaria Municipal da Saúde respondeu apenas que "não fornece informações sobre aborto legal realizado visando proteger o anonimato de pacientes, conforme determina a legislação."
Fluxo de encaminhamento de pacientes que buscam o aborto previsto em lei
Apesar de não ter obtido resposta oficial da prefeitura, a Gazeta do Povo apurou, junto a profissionais que atuam nas unidades de saúde municipais, e constatou que a gestão de Ricardo Nunes criou e está colocando em prática um procedimento de aborto e assistolia fetal que será padronizado em toda a rede.
Trata-se de um fluxo de encaminhamento das mulheres que buscam as unidades de saúde da rede municipal para realizar o aborto previsto em lei, ou seja, em casos de bebês anencéfalos, risco de morte para a mãe ou estupro.
- 1. Formulário e exames na unidade de saúde
O fluxo criado pela prefeitura de São Paulo consiste em receber as mulheres que desejam realizar o aborto nas próprias unidades de saúde espalhadas pela cidade. No local, elas são encaminhadas para atendimento com psicólogo e assistente social, preenchendo formulários em cada etapa. Depois são encaminhadas para a realização do exame de ultrassom.
A idade do feto que aparece no ultrassom deve ser compatível com a data de estupro alegada para que os profissionais de saúde possam afirmar que a gestação é ou não fruto do estupro alegado. A compatibilidade da idade gestacional do ultrassom e a data do estupro alegada no relato da mulher é, atualmente, a única prova necessária para que a gestação seja enquadrada como fruto de estupro.
- 2. Após o exame, encaminhamento para um centro especializado em assistolia fetal
Depois de verificada a consistência do relato com a idade fetal detectada no ultrassom, a mulher é encaminhada para a marcação da realização do aborto, na maioria dos casos na própria unidade. Quando a gestação ultrapassa as 22 semanas, ela é encaminhada para uma unidade de saúde em que haja profissionais e material especializado no procedimento de assistolia fetal.
- 3. Depois de realizada a assistolia fetal, encaminhamento para maternidade para a realização do parto do bebê morto
Depois de realizada a assistolia fetal, a paciente é encaminhada para uma maternidade onde será feita a indução do parto do bebê morto.
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