No corredor formado por torres luxuosas pela larga avenida, edifícios espelhados refletem o trânsito paulistano e a movimentação pelas calçadas de executivos e funcionários de empresas, bancos e startups no principal centro financeiro do Brasil. A avenida Brigadeiro Faria Lima é a imagem do dinamismo de São Paulo e se tornou o ecossistema empresarial da capital econômica do país nas últimas décadas.
Enquanto a economia paulistana se industrializava e acumulava riqueza, a avenida Faria Lima "hibernava" às margens do rio Pinheiros. Da várzea ao processo de urbanização no bairro Itaim Bibi, até assumir o protagonismo de avenida capital da metrópole financeira do Brasil, a Faria Lima percorreu uma jornada de mais de meio século marcada pelo desenvolvimento da maior cidade do país.
“São Paulo não foi o centro político, que saiu do Rio de Janeiro para Brasília com a construção do Distrito Federal, e ocupou o protagonismo econômico e financeiro do país com a industrialização, que deu uma diferença brutal no padrão de vida. A agricultura tinha uma determinada produção, mas com a industrialização passou a ser muito maior. Quando a cidade acumula capital, ela passa a ter mercado financeiro”, analisa o economista e coordenador do curso Negócios Imobiliários da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Alberto Ajzental.
Na avaliação dele, São Paulo teve um crescimento “vertiginoso e radial” que acompanhou a migração dos “centros financeiros” até o sudoeste da capital com o projeto da Nova Faria Lima. O centro antigo, localizado entre as praças da Sé e da República, foi o epicentro comercial nas décadas de 1950 e 1960, quando foram inaugurados prédios de escritórios icônicos como o Edifício Itália (1965). Nessa época, segundo ele, o “luxo” era morar e trabalhar na região sem necessidade da utilização de automóveis, sendo que as vagas de garagens nos prédios corporativos não existiam, pois o trânsito ainda não era um problema para o paulistano.
Depois disso, a avenida Paulista se tornou o novo centro empresarial de São Paulo e, consequentemente, do Brasil, quando a região onde está localizada a avenida Faria Lima ainda estava "afastada geograficamente e economicamente" do núcleo do mercado financeiro. “O centro saiu da rua Líbero Badaró e foi para a avenida Paulista, que se tornou nobre a partir de 1970 e se consolidou nas décadas seguintes como o centro financeiro do Brasil. Nessa época, a Faria Lima era uma região de várzea na marginal Pinheiros. Quando o Shopping Iguatemi, o primeiro do país, foi inaugurado em 1966, ele ainda estava longe de pertencer ao centro financeiro da cidade”, comenta o economista, que ressalta o papel do construtor Alfredo Mathias como um "visionário" pelo empreendimento em uma chácara da Família Matarazzo. O shopping levava o nome da rua Iguatemi, incorporada futuramente pela avenida Faria Lima.
Apesar de começar a receber os primeiros escritórios corporativos ainda na década de 1980, o novo centro financeiro de São Paulo ganhou forma a partir de 1995 com a “Operação Urbana Faria Lima” na gestão do ex-prefeito Paulo Maluf. Segundo a arquiteta e urbanista, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Mauá de Tecnologia, Paula Katakura, as plantas dos prédios da avenida Paulista já não eram consideradas adequadas para as grandes sedes dos grupos financeiros e a Operação Urbana incentivava a compra de áreas potenciais na avenida Faria Lima para verticalização e adensamento da população.
“As plantas são maiores e permitem pisos elevados para colocar toda infraestrutura de informática e pé-direito para instalação de ar-condicionado, por exemplo. Ao invés de trabalhar no retrofit naquele período nos edifícios do centro e da Paulista, o mercado optou por novas construções e torres que se adaptassem às necessidades das grandes empresas”, afirma.
Por trás das diretrizes da Operação Urbana, a arquiteta lembra que o objetivo da prefeitura de São Paulo era “diversificar a cidade” e levar mais pessoas para habitarem a região, o que não aconteceu como pretendido. A avenida Faria Lima foi dominada pelas grandes empresas e o adensamento foi menor que o previsto.
Um alto investimento público foi feito na região, hoje chamada de “Vale do Silício brasileiro”, com melhorias viárias, arborização, canteiro central, iluminação e manutenção de equipamentos. Além disso, a área possui restaurantes, cafés, espaços de lazer e cultura que passaram a fazer parte do cotidiano dos “faria limers”, assim como os congestionamentos nas ciclovias pelo uso de bicicletas para locomoção até os escritórios corporativos e empresas localizadas na avenida.
“A Faria Lima se especializou em atender o mercado financeiro e, hoje, é um dos metros quadrados mais caros da cidade. Os edifícios ficaram mais altos, atendendo muito bem a imagem que as grandes empresas querem passar para o mundo. O próprio vidro, espelhado, passa essa ideia de tecnologia, de modernidade e contemporaneidade. Ao mesmo tempo vai contra a sustentabilidade. Hoje, os edifícios estão se preocupando mais com questões como consumo de energia e ilhas de calor”, analisa Paula Katakura.
Ecossistema financeiro valoriza bairros na região da Faria Lima
O economista e coordenador do curso Negócios Imobiliários da FGV, Alberto Ajzental, avalia que apesar de não existir a necessidade de instalação de um escritório específico em uma determinada região, por conta dos avanços tecnológicos e modelo híbrido de trabalho, muitas empresas migraram para a Faria Lima por uma questão “aspiracional”.
“A sede de um banco sempre foi um representante de solidez e confiança. Existe essa valorização nos negócios. Estar bem localizado, ter um bom escritório e ser apresentável, obviamente, contribuem para a imagem da empresa. Além disso, proporciona aos funcionários e colaboradores um espaço de orgulho e prazer por trabalhar naquele local”, comenta.
“É um ecossistema onde o funcionário é bem remunerado, tem boas empresas para trabalhar, localizadas em uma área nobre com bons restaurantes e teatros. As empresas pagam e querem estar lá”, acrescenta Ajzental.
O jeito “faria limer” de ser também teve consequências no mercado imobiliário com a valorização de residências nos bairros da zona oeste de São Paulo. De acordo com o levantamento da Loft, divulgado em dezembro, os cinco bairros com metro quadrado mais caro da capital, em 2023, estão na área de influência da Faria Lima: Jardim Europa (R$ 23 mil), Vila Nova Conceição (R$ 16,1 mil), Vila Olímpia (R$ 13 mil), Itaim Bibi (R$ 12,9 mil) e Brooklin (R$ 12,2 mil).
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