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Facções avançam sobre portos do Brasil para o tráfico internacional.
Facções avançam sobre portos do Brasil para o tráfico internacional.| Foto: Divulgação/Receita Federal

Os 380 terminais portuários brasileiros - 210 de uso privado e 170 arrendado em portos públicos - devem alcançar US$ 324 bilhões em exportações no ano, segundo estimativa da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Mas os portos não se resumem a escoar as cargas lícitas nacionais. Em um país com proporções continentais, os portos brasileiros têm se transformado em bases e canais de transporte cruciais para facções criminosas que operam no tráfico internacional de drogas.

Com estruturas que chamam mais a atenção por serem os maiores do Brasil, os portos de Santos (SP) e de Paranaguá (PR) não estão sozinhos no avanço desenfreado do crime organizado para escoamento da carga ilícita. “Nos portos alfandegados, por meio dos quais as mercadorias podem ser importadas ou exportadas, a ação da Receita Federal acontece todos os dias, tendo em vista a tendência dos criminosos de diversificar os pontos utilizados para a consecução da atividade ilícita. Existe um grupo de trabalho formado encarregado de disseminar e padronizar a ação da aduana em todos os portos brasileiros, de forma a tornar a repressão ao tráfico mais eficiente, independentemente do local”, destacou a Receita Federal à Gazeta do Povo.

O especialista em Direito Marítimo e Portuário Wilson Carneiro destacou que as rotas marítimas vêm sendo exploradas por traficantes há anos, mas ganham uma importante projeção escalonada. “No Nordeste, no porto de Suape, em Ipojuca (PE), por exemplo, já teve vários casos do tráfico internacional e, como lá, são dezenas de outros. Os portos de Santos e de Paranaguá chamam mais a atenção, claro, porque neles o movimento de cargas é muito maior e, consequentemente, o despacho de drogas também, mas hoje essa situação ocorre de Norte a Sul”, corroborou.

Para o especialista, os portos mais próximos às fronteiras são bastante vulneráveis, cabendo destaque, segundo ele, à região Norte do país próxima da Bolívia e da Colômbia, grandes fornecedoras de cocaína às facções brasileiras. “A questão do tráfico pelos portos se tornou um problema nacional”, reforçou.

O especialista destaca ainda que, além da diversificação portuária, as quadrilhas operam com diferentes formas para o envio ilegal, na tentativa de dificultar ou ludibriar a fiscalização. “A audácia é tanta que no Pará, recentemente, foi descoberto um submarino que levava drogas. Além disso, são diversas as técnicas utilizadas para o trânsito deste ilícito no corredor marítimo, com destaque aos carregamentos escondidos no meio de produtos legais ou mesmo colando fardos de entorpecente com o auxílio de ímãs aos cascos de navios”, evidenciou.

Diferentes portos, ações idênticas para o tráfico internacional de drogas

Uma evidência de que os traficantes estão se consolidando por todos os portos: neste mês de agosto uma ação conjunta entre a Polícia Federal (PF) e a Receita Federal aprendeu 760 quilos de cocaína no porto de Navegantes (SC), o terceiro maior porto do Brasil (atrás de Santos e de Paranaguá). Segundo as forças de segurança e controle, essa foi a maior apreensão de drogas naquela estrutura neste ano. A cocaína estava escondida em contêineres com esmalte cerâmico.

No ano, a PF e a Receita noticiaram três apreensões naquela base, somando 1,5 tonelada de cocaína apreendida. Se considerada toda a região Sul, a apreensão em áreas portuárias passa de dez toneladas.

No Nordeste brasileiro foram apreendidas 27 toneladas de cocaína que deixariam o Brasil via portos, no acumulado de 2023. Só no porto em Natal (RN) foram retiradas de circulação 7,5 toneladas. A própria PF acredita que, além de facções regionais, há criminosos ali que migraram de Paranaguá e Santos. Entre os motivos estariam condições mais precárias de fiscalização em portos menores.

Nove a cada dez quilos de cocaína traficada viaja por portos

O Relatório Mundial sobre Drogas 2023 da ONU, realizado pelo Escritório sobre Drogas e Crime (Unodc), revelou que, só de 2021 a 2022, o aumento global da produção e cocaína foi de 35%. O mesmo relatório considera que são os corredores marítimos as principais formas de escoamento do entorpecente. Por eles circulam nove em cada dez quilos de cocaína traficados no mundo.

“Com tanta droga circulando, todos os canais portuários são interessantes para os criminosos e oferecem menos riscos. Se a droga for pega, dificilmente algum traficante é preso. Enquanto para quem trafica por rotas aéreas, a prisão no flagrante é certa”, completou o especialista em Direito Marítimo.

O Relatório da ONU alertou ainda que parte da cocaína que chega ao Brasil serve para abastecer o mercado interno, mas que “grandes quantidades são traficadas (do Brasil) para mercados de destino como a Europa, notadamente em embarques em contêineres através dos numerosos portos marítimos ao longo da costa atlântica do Brasil”.

A Polícia Federal calculou cerca de 200 toneladas apreendidas nos portos brasileiros nos últimos quatro anos. Se o ritmo de apreensões deste ano for mantido, estima-se que o volume tirado de circulação possa beirar as 100 toneladas só em 2023. “E não temos como dimensionar deste volume que é pego quanto de fato é enviado e chega ao seu destino”, lembrou Carneiro.

A diversificação e a descentralização

Em maio deste ano, em uma única apreensão, PF e Receita aprenderam 1,1 tonelada de cocaína escondida em contêineres no Porto de Santos. O próprio governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem entre seus projetos a privatização da estrutura, afirmou que "o Porto virou o maior ponto de exportação de drogas do planeta". Tarcísio disse ainda que "se a gente não fizer nada, a gente perde para o crime, jovens vão perder suas vidas para o crime".

Nas últimas semanas, a morte de um policial militar na Baixada Santista desencadeou uma série de debates sobre o avanço da criminalidade e a segurança pública na região portuária do estado mais rico do país. Após o assassinato do PM, ações policiais resultaram em cerca de duas dezenas de mortes na Baixada Santista.

Entre os argumentos do governo paulista está o de que as facções, sobretudo o Primeiro Comando da Capital (PCC), se consolidaram naquela região, focadas justamente no porto e no tráfico internacional de drogas, a principal fonte de renda do grupo criminoso. O PCC é considerado a maior facção brasileira e figura entre as cinco maiores do mundo.

Concomitante à apreensão realizada em Santos naquele mês de maio, policiais de uma Base Fluvial da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) apreenderam cerca de sete quilos de cocaína em duas abordagens no porto da cidade de Coari (a 363 quilômetros de Manaus). “Esse é mais um dos exemplos do uso das estruturas dos mais diferentes portos do Brasil, com os mais diferentes volumes traficados por eles. Não podemos esquecer também que alguns desses portos podem servir para o tráfico doméstico, entre uma região e outra do Brasil”, lembrou Wilson Carneiro.

Mais profissionais para a fiscalização contra o tráfico nos portos brasileiros

Questionado sobre as ações portuárias de enfrentamento ao crime organizado, o Ministério da Justiça e Segurança Publica (MJSP), a quem a Polícia Federal está vinculada, não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo.

A Receita Federal disse que a Secretaria Especial do órgão desenvolve o combate ao tráfico de drogas ilícitas em todo o território aduaneiro, especialmente nas zonas primárias, que são os locais autorizados de entrada e saída de mercadorias, veículos e pessoas do Brasil.

A Receita reconheceu ainda que, como os esquemas criminosos aproveitam o fluxo legítimo do comércio exterior para a entrada ou saída clandestina de drogas ilícitas do Brasil, o órgão combate este tráfico “mediante o uso de tecnologias e procedimentos que têm como base o gerenciamento de riscos”. A Receita destacou ainda que o grande desafio é identificar os carregamentos contaminados, realizando as apreensões, sem prejudicar a fluidez do comércio internacional, garantindo a competitividade do país no cenário mundial.

“É extremamente importante garantir o padrão de fiscalização eficiente, mediante o treinamento e qualificação dos servidores aduaneiros em todos os portos brasileiros. Obviamente, é também relevante garantir a presença da Receita Federal com efetivo de servidores suficiente para a adequada atuação”, seguiu

Um concurso recente promete melhorar “um pouco a situação”, avalia o órgão, após um período de mais de sete anos sem ingresso de novos servidores. “Seria interessante ocorrer concursos com maior frequência para manter um nível alto de presença estatal nos portos do Brasil”, ponderou.

Além de profissionais habilitados à fiscalização aduaneira, a Receita Federal disse que trabalha com cães farejadores, com sistemas de controle de recintos, equipamentos de inspeção não invasiva, sistemas de análise com uso de inteligência artificial, entre outros mecanismos tecnológicos para realizar a fiscalização. “Vale repetir a necessidade de manter o efetivo da Receita Federal em nível alto, para garantir a adequada fiscalização e a necessária presença do Estado para o combate aos ilícitos”.

A Receita lembrou que “o tráfico internacional de drogas em portos é realizado por organizações criminosas de elevado poder e capacidade, com esquemas logísticos sofisticados”. Questionado sobre as técnicas de investigação, o órgão disse que deixaria de comentar este tema com mais profundidade por sua sensibilidade, para não haver prejuízo às investigações.

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