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O que já se sabe

Veja quais peças os cientistas já conseguiram encaixar nos mais complexos de todos os quebra-cabeças:

O mito dos 10%

A afirmação de que usamos apenas 10% do cérebro para a realizar uma atividade é mito. Com a ressonância magnética funcional, foi possível ver que todas as áreas do cérebro são ativadas, embora a responsável pelo uso do tato, por exemplo, seja mais exigida do que outras quando estamos escrevendo.

Nem mais, nem menos?

Pesquisas permitiram descobrir que somos capazes de criar novos neurônios ao longo da vida, embora o número de "novatos" não ultrapasse nem de longe a quantidade com a qual todo ser humano nasce. O processo, conhecido como neurogênese, foi descoberto nos anos 90, mas ainda não sabemos como ativar essa fábrica, nem sua função em adultos.

A arte da adaptação

Um indivíduo que tenha lesionado o local responsável pela realização de determinada atividade. jamais voltará a exercê-la, certo? O cérebro não é dividido em compartimentos tão estanques quanto se pensa. Hoje, sabe-se que ele é dotado de neuroplasticidade, a capacidade de se adaptar e encontrar rotas alternativas para que a informação continue circulando, a depender do nível de lesão, e mediante atividades que recuperem e estimulem regiões adjacentes.

Corpo são, mente sã

Ainda não se sabe como turbinar o cérebro, mas é fato que exercício físico tem o poder de manter o cérebro ativo e saudável por mais tempo, em especial atividades aeróbicas, que aumentam o nível de concentração e a capacidade de raciocínio.

Fontes: Viviane Zetola (UFPR); Luiz Carlos Benthien (ABN; Hospital Pilar); Edson Amaro (Albert Einstein); Academia Brasileira de Neurociência; Sociedade Brasileira de Neurociência.

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Projeto brasileiro

A mente fora do corpo

As luzes lançadas sobre o cérebro, que se acenderam nos anos 90, não são fruto apenas de esforços de cien­­tistas americanos ou europeus. Existe um brasileiro na briga pelo posto de homem ou mu­­lher que ajudou a entender me­­lhor essa complexa estrutura e a utilizar o conhecimento pa­­ra algo revolucionário, como cu­­rar doenças e fazer um quadriplégico andar.

O paulistano Miguel Nicolelis, for­­mado em Medicina pela Uni­­versidade de São Paulo, é o autor de um projeto que, literalmente, separou a mente do corpo e demonstrou que a ideia de mo­­vimentar algo com o pensa­mento não é somente um delírio de autores de livros de ficção científica. Isso há pelo menos 10 anos.

Em 2001, Nicolelis realizou um fei­­to pelo qual pode vir a ganhar o Prêmio Nobel de Medicina. Na­quele ano, a macaca Aurora foi ensinada a jogar­ vi­­deogame e a acertar, através de um joystick­ comandando por ela, alvos aleatórios numa tela. Os pensamentos de Aurora eram monitorados por um computador e transmitidos a um bra­­ço robótico na sala ao lado, que imitava os movimentos de seu braço.

Posteriormente, o joystick foi retirado, e Aurora foi estimulada a continuar fazendo os movimentos, mas apenas com a mente. O cérebro dela, no entanto, continuava enviando sinais, pelo computador, ao braço "fantasma" da sala ao lado. Provou-se, então, que o pensamento era capaz de mover máquinas, mãos amputadas e até o corpo inteiro de alguém com paralisia.

A partir desse experimento, Nicolelis, um cientista visto por alguns como visionário, e por outros como centralizador e vaidoso, quer fazer com que uma criança quadriplégica ande novamente, e que o evento ocorra durante a abertura da Copa do Mundo no Brasil, em junho de 2014. Para tanto, a criança seria vestida com uma roupa conectada ao seu cérebro através de eletrodos, que se moveria por meio do pensamento dessa mesma criança.

Para tanto, Nicolelis precisa mapear os neurônios responsáveis por 31 tipos de movimentos – o equivalente a 10 mil. Atualmente, ele já decifrou cerca de mil. Com esse mapeamento, também será possível conhecer melhor como funcionam a memória e outras funções desempenhadas pelos neurônios, o que pode propiciar a cura de doenças como Alzheimer. E, quem sabe, um Nobel e um lugar especial para o Brasil no mundo da ciência.

Dúvidas

Confira seis dúvidas a respeito das estruturas e do comportamento cerebral que ainda intrigam os cientistas

• Como é o processo de tomada de decisão do cérebro? Será que fazemos escolhas de forma totalmente racional, ou outros fatores (cansaço ou doenças) podem influenciar e até mesmo pôr em risco essa capacidade?

• É possível manter acesa a chama da paixão nos casais? A ciência já sabe o que mantém as pessoas unidas – por exemplo, os hormônios do amor, como a ocitocina, quando produzida constantemente –, mas como estimular e manter esse processo ativo?

• Como evitar a perda da memória e consequentemente o aparecimento de males como o Alzheimer? E como evitar processos neurodegenerativos, como o mal de Parkinson, outras demências e patologias e síndromes como autismo, depressão, transtorno de déficit de atenção e outros?

• A capacidade de raciocínio e de concentração do cérebro pode ser aperfeiçoada? De que forma turbiná-lo e aprimorar a capacidade de pensamento, tornando-nos cada vez mais inteligentes?

• Como podemos renovar nosso estoque de neurônios e recuperar totalmente áreas que sofreram lesões ou foram retiradas mediante cirurgias?

• Como se dá o processo de formação de identidade? Somos fruto e agimos de acordo com nossas experiências, ou não temos livre-arbítrio e são os processos fisiológicos ocorridos dentro do cérebro os responsáveis por nossas ações?

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Interatividade

Qual outra dúvida a respeito do cérebro você gostaria que fosse sanada pelos cientistas num curto espaço de tempo?

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Ele é o órgão mais importante do corpo humano e uma espécie de maestro responsável por todas as nossas ações, pensamentos, desejos e sensações. Apesar de tamanha importância, o cérebro ainda é um ilustre desconhecido. Embora tratados de Medicina de épocas antigas já tragam esboços de órgãos como coração, útero, estômago e pulmão, o conhecimento a respeito das estruturas cerebrais repousava, até pouco tempo – algumas décadas –, numa verdadeira caixa preta.

O que se sabia do cérebro era o que era pos­sível estudar no período post-mortem. Como não dava ­­para vislumbrá-lo em pleno funcionamento, diferentemente de outros membros do corpo, restava aos médicos fazer testes com animais ou abrir o cérebro do indivíduo após a morte. E assim foi durante boa parte do século 20.

Nos anos 90, porém, a caixa preta começou a se abrir. Como explica a neurologista e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Vi­viane Zetola, um fato foi essencial para que dinheiro e suor fossem injetados em pesquisas sobre o cérebro: o envelhecimento da população. Doenças neurodegenerativas, associadas à idade, começaram a se multiplicar, e governos, laboratórios e universidades perceberam que era hora de redirecionar os estudos.

"A década de 90 ficou conhecida como a ‘década do cérebro’ nos EUA, pois de 1990 a 2000, com o aumento da população idosa, a incidência de doenças como Alzheimer e AVC (acidente vascular cerebral) aumentou, e isso motivou investimentos em duas grandes áreas: o estudo da memória e da parte vascular", diz Viviane. "Com isso, abriu-se uma avenida de conhecimento sobre o cérebro jamais vista antes."

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O salto tecnológico ocorrido nos últimos 40 anos também contribuiu para que se conhecesse melhor essa caixa preta. Nos anos 70, surgiu a tomografia, que permitia a visualização do crânio e de líquidos ao redor da área. Foi um avanço que permitiu o diagnóstico e o tratamento de problemas como traumas, tumores, derrames e aneurismas.

Mas foi a ressonância magnética funcional (RMF) que iniciou a revolução que está em curso até hoje, considerada um espécie de telescópio Hubble da neurociência que permite a visualização de estruturas menores e de como o cérebro funciona em tempo real – e que mostrou que aquela velha ideia de que só usamos 10% do cérebro para uma tarefa é mito, pois todo o órgão fica ativo durante todo o tempo.

A reinvenção da roda, no entanto, veio com o Pet-Scan, a tomografia por emissão de pósitrons, que permitiu aos cientistas visualizar qual a área do seu cérebro é ativada enquanto você lê esse texto ou se apaixona, e assim relacionar "pequenos pedaços" do cérebro com determinada atividade que realizamos ou sentimentos que nos invadem.

Perguntas

Após o cérebro ganhar o destaque merecido e aliados como a tecnologia, é de se perguntar o que, afinal, já se conhece do cérebro, e qual terreno ainda pode ser comparado à metáfora da caixa preta. Para os cientistas, o conhecimento ainda é muito pequeno, mas muitas lâmpadas já foram acesas. Conheça um pouco mais dessas conquistas e desafios.

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A revolução na cura de doenças degenerativas

Com a ajuda da tecnologia, as possibilidades de estudo do cérebro são incalculáveis. Hoje, é possível entender como age o cérebro apaixonado; o de pessoas obesas durante uma dieta ou diante de comida; o privado de sono ou quando seu dono está mentindo ou sob estresse. Apesar desse universo extenso de estudos e testes – procurar no Google por termos como "cérebro + pesquisa" gera mais de 4,7 milhões de resultados –, ainda não temos ideia de como eles podem ser usados a nosso favor.

"Sabemos como se origina o pensamento, mas não como aprimorar a capacidade de pensamento. Sabemos como os neurônios conversam, mas não o que rege ou modifica essa troca de informação", exemplifica o neuroradiologista e coordenador do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, Edson Amaro. "Estima-se que a publicação de pesquisas relacionadas à área cresça a um ritmo de 20% ao ano, mas pouquíssimas têm aplicação. Sabemos o ‘o quê’ acontece, mas não o ‘como’".

Quando se fala em aplicação, fala-se, por exemplo, em como aprimorar o uso da mente, evitar ou curar problemas como vício em drogas, depressão, autismo ou até mesmo paralisias, além de um dos grandes males a ameaçar a qualidade de vida de populações que poderão, num futuro próximo, viver até os 100 anos, ou mais – as doenças neurodegenerativas, como mal de Alzheimer ou Parkinson.

Ainda não se sabe como evitar ou curar tais doenças, embora haja pesquisas em desenvolvimento que prometem fazê-lo.

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"Não adianta o homem viver 100 anos sem qualidade de vida. Por isso, descobrir mais sobre como essas doenças agem no cérebro e como eliminá-las é o próximo grande desafio", diz o neurologista do Hospital Pilar Luiz Carlos Benthien. No futuro, de cada três pessoas com mais de 60 anos, uma terá uma doença neurodegenerativa, e a descoberta da cura para tais patologias será a grande revolução no campo da medicina neurológica.

A criação de um cérebro artificial

Um dos mais ambiciosos projetos envolvendo o estudo do cérebro humano pode ganhar forma já no primeiro semestre de 2012. A Academia Suíça de Ciências, em conjunto com outras instituições científicas europeias, deve decidir se injetará 1 bilhão de euros no chamado "Projeto Cérebro Humano" (numa tradução livre do original, Human Brain Project ou HBP), do cientista sul-africano Henry Markram, que pretende construir uma máquina idêntica ao cérebro.

A ideia de Markram, que tem tantos críticos quanto entusiastas, é reunir toda a informação científica já publicada sobre o órgão e aplicá-la na construção do cérebro artificial. O banco de dados seria formado por universidades e institutos europeus que financiariam juntos o empreendimento, mas outros países que queiram participar, inclusive o Brasil, poderiam fazê-lo, através, é claro, de contrapartidas financeiras, como os demais.

De acordo com o cientista, 60 mil trabalhos são publicados anualmente em todo o mundo a respeito do cérebro, e ele considera uma perda de talento e oportunidade deixá-los "dormindo" em bibliotecas. Os críticos de Markram, no entanto, acreditam que injetar tanto dinheiro em um único projeto é desestimular a criatividade que advém da concorrência entre os pares e concentrar dinheiro na mão de apenas um pequeno grupo privilegiado.

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O cientista, no entanto, parece estar com crédito. Desde 2005, ele comanda o projeto "Cérebro Azul" (Blue Brain), um projeto em menor escala do HBP, que conseguiu simular uma estrutura, chamada de "coluna cortical", de ratos, composta por mais de 10 mil neurônios, o que deixou parte da comunidade científica europeia animada.

O desafio de Markram, no entanto, não é só biológico – é também material. Hoje, a simulação do comportamento de um único neurônio exige 100% da potência de um computador de última geração. E o cérebro humano possui nada menos do que 100 bilhões de neurônios, o que demonstra que os cientistas do cérebro terão de trabalhar em conjunto com os cientistas da informática para levar esse sonho adiante.