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O bem-estar do bebê também é avaliado pelos médicos no acompanhamento de uma gravidez | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
O bem-estar do bebê também é avaliado pelos médicos no acompanhamento de uma gravidez| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Estopim

Veja como foi a história que gerou a polêmica em torno do parto:

O fato

A dona de casa Adelir de Goes, grávida de 42 semanas, foi ao hospital com dores abdominais e passou por uma avaliação médica.

Recomendada a fazer uma cesárea devido à condição obstétrica, Adelir se negou e assinou um termo de responsabilidade.

O hospital acionou o Ministério Público e a promotoria determinou a intervenção do Estado.

Um oficial de Justiça e policiais foram à casa de Adelir e a levaram ao hospital, onde foi dirigida diretamente ao centro cirúrgico e passou por uma cesariana. A filha, Yuja Kali, nasceu com 3,6 quilos e 49 centímetros. Havia indícios de sofrimento por parte da criança.

Pontos polêmicos

Circunstâncias em torno da gravidez. Para alguns médicos, a cesárea era inevitável. Para outros, era possível fazer o parto normal, que "exigiria mais do profissional".

Limites na relação médico X paciente. Após a recusa, o termo de responsabilidade foi assinado pela paciente, mas a médica acionou o Estado para intervir na segurança do feto.

Direito de escolha. A mãe diz ter tido o direito de escolha pelo procedimento violado.

Ação policial. Especialistas questionam a necessidade de policiais acompanharem a mãe para o centro cirúrgico.

Desrespeito ao direito a acompanhante. Durante a confusão, o pai não pôde acompanhar a esposa durante o parto, o que é garantido por lei.

O caso da mãe que foi levada por policiais a um hospital gaúcho para fazer uma cesárea traz à tona a discussão sobre os limites médicos e do Estado sobre a gravidez. De um lado, há a alegação de que a mãe teve violado o direito à escolha do parto e que a maneira como o caso foi conduzido foi desproporcional. Do outro, o fato de as circunstâncias trazerem riscos em parto normal e a questão da responsabilidade do médico sobre o paciente. A soma de fatores fez com que situação se tornasse inédita no país – especialistas afirmam que agora é preciso debater o assunto para que haja diretrizes claras de como agir em novos casos.

Na semana passada, a dona de casa Adelir Lemos de Goes, 29 anos, grávida de 42 semanas, foi ao Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres (RS), com dores abdominais e foi aconselhada a fazer uma cesárea. De acordo com o hospital, a avaliação médica constatou que, além da gestação estar prolongada, o bebê estava sentado e a mãe já havia passado por duas cesarianas, o que inviabilizaria um parto normal com segurança. A mãe, decidida a ter a filha por parto normal, assinou um termo de responsabilidade para sair do hospital.

Sabendo da situação, a diretoria do hospital acionou o Ministério Público, que expediu uma liminar para que o parto fosse realizado conforme a orientação médica. Adelir recebeu a visita de um oficial de justiça e, acompanhada de policiais, foi levada ao hospital, onde ela passou pela cesárea e deu à luz uma menina. Seu marido, porém, não pôde acompanhar o parto.

O caso gerou polêmica por ter sido o primeiro em que o Estado interveio para garantir o nascimento do bebê conforme orientação médica. A mãe alega que teve o direito de escolha sobre o parto violado. O hospital informa que se baseou em quatro laudos técnicos independentes e que seria um erro forçar o parto normal nas circunstâncias em que a mãe chegou ao hospital.

Helena de Souza Rocha, da comissão de estudos de violência de gênero da Ordem dos Advogados do Brasil seção Pa­raná (OAB-PR), avalia que o mé­dico deve tomar ati­tu­des quan­do há risco iminen­te de morte, mas critica a desproporcionalidade na ação policial. "É preciso que haja consenso quando não há riscos iminentes para o paciente. É um questionamento: é um risco grande ou iminente? Além disso, havia realmente a necessidade de um efetivo policial chegar e levá-la ao hospital? Que risco uma mulher grávida oferece?", questiona Helena, que acrescenta que comissão vai acompanhar as investigações.

Ouvimos dois especialistas em obstetrícia e ginecologia para que eles analisassem a situação do ponto de vista ético e médico.

A favor

"Busca pelo consenso é regra, mas médico não pode se omitir"

O consenso deve ser sempre buscado, mas é a avaliação médica no momento do parto que vai determinar o procedimento. Essa é a opinião de Edson Tizzot, professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e ginecologista e obstetra há 30 anos. Ele considera que a soma de circunstâncias em relação ao parto de Adelir justificava o parto cesariana. "A paciente recebe orientações, mas é o momento do parto que determina o procedimento. O fato de ela já ter passado por duas cesáreas, de ter uma gravidez de 42 semanas e o feto estar sentado reuniu as condições para isso. A médica agiu corretamente, buscando segurança para o bebê. O médico obstetra tem dois pacientes, a mãe e o feto. Na relação, o mais vulnerável é o feto", analisa.

Ele concorda que a mãe tenha se sentido invadida pelo Estado no momento do parto, mas como, na sua opinião, não há jurisprudência no país sobre casos semelhantes, a médica tomou a decisão com base em princípios éticos. "O Estado determina que o médico tenha obrigação de agir quando há perigo para o paciente e é o médico que tem mais capacidade para decidir o que é melhor na hora do parto. Na minha prática, converso com a paciente para chegarmos a um consenso sobre a situação, mas não se pode ser omisso. A médica poderia ser responsabilizada por omissão", pontua.

Contra

"Autonomia da mulher deve ser respeitada na hora do parto"

Grosseira e brutal. É dessa forma que o médico gaúcho Ricardo Herbert Jones, obstetra há 29 anos e defensor do parto humanizado, classifica a atuação do hospital e do Estado em relação ao parto de Adelir. Para ele, a soma das três circunstâncias (gravidez de 42 semanas, posição do feto e o histórico de cesáreas) não impediria a realização de um parto normal, "que seria mais trabalhoso e exigiria mais conhecimentos do médico, mas não seria impossível". Ele defende que a autonomia da mulher deve ser sempre respeitada na hora do parto. "Um princípio básico da medicina é o respeito pelo paciente. A gravidez é da mulher e é ela quem escolhe o procedimento. Ela não pode ser forçada a nada", analisa.

Para ele, ao recusar o procedimento, a paciente assina o termo de responsabilidade e busca outro profissional. "O hospital estaria protegido com o documento", observa. Na opinião de Jones, a situação abre precedente para outras situações como essa. "É terrível. Uma mulher grávida de 41 semanas pode passar a ter medo de ir ao médico por temer que, ao chegar ao hospital, seja obrigada a uma cesárea. O médico passa da figura de conselheiro para juiz e executor", ressalta. "É preciso uma discussão ampla na sociedade para entendermos quais são os direitos da mulher sobre seu parto", acrescenta.

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Qual a sua opinião sobre a ação do hospital e do Estado no caso? Houve abuso ou proteção à mãe e ao bebê? Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

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