Com o discurso de proteção da vida desde a concepção, deputados da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovaram hoje um projeto de lei que pode dificultar a realização do aborto previsto em lei. O texto também cria uma espécie de "bolsa" para a mulher vítima de estupro que mantiver a gestação.

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Apelidado de "Estatuto do Nascituro", o texto estabelece que devem ser reconhecidos, desde a concepção, "todos os direitos do nascituro, em especial o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física e os demais direitos da personalidade".

Apesar de não alterar o Código Penal para excluir da lei o aborto já permitido no país -em caso de estupro, risco de vida para a mãe ou de fetos com anencefalia-, o projeto abre brecha para que a interrupção da gestação nesses casos seja dificultada ou proibida no futuro, avaliam alguns deputados.

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O projeto serve, sobretudo, como forma de a bancada religiosa marcar sua posição nesse debate. E pode ter impacto no descarte e no uso em pesquisas de embriões congelados.

O projeto foi relatado pelo deputado evangélico Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e é alavancado pelas bancadas religiosas do Congresso. Por outro lado, encontra resistência da bancada do PT e da SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República).

"Se temos a compreensão que a vida começa na concepção, o princípio da proteção integral deve se estabelecer já concepção do ser humano", defendeu o deputado evangélico João Campos (PSDB-GO).O projeto segue agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça e o plenário da Câmara e, se aprovado, vai ao Senado.

"Não digo que o texto acaba com o aborto legal, mas abre margem para o processo de criminalização. Na prática, além de conviver com a vergonha de ser violentada, a mulher vai ter dificuldade de exercer seus direitos", argumentou o deputado Cláudio Puty (PT-PA), que votou contrário ao parecer do relator.

Puty lembrou que o impacto maior seria sobre as mulheres, mas que a discussão era feita maciçamente por homens. "Nós homens, que não seremos estuprados nem teremos a capacidade de gerar vida, estamos decidindo por mulheres que terão como consequência a criminalização do ato de abortar em caso de estupro, hoje previsto na legislação. Não é ser a favor ou contra a vida, gera algo pouco civilizado."

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Relator do texto, Cunha defendeu que o projeto não altera o Código Penal para excluir os casos de aborto legal, mas dá suporte a mulheres que quiserem ter o filho. "Aquela que não quer abortar deve ter o direito mínimo de subsistência. Uma coisa é autorizar o aborto, como a lei prevê, outra é levar a mulher ao aborto por não dar condições de sobrevivência."

Bolsa

Além de dar garantias ao bebê em gestação --inclusive aos embriões congelados--, o projeto define uma espécie de "bolsa" para a mulher vítima de estupro.

"Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe", diz o projeto.

"É uma bolsa-estupro! Significa dizer: eu estou pagando pelo estupro que você sofreu!", protestou a deputada Erika Kokay (PT-DF).

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Deputados contrários ao texto tentaram argumentar que, ao criar despesas de caráter continuado da forma genérica como está escrito, o projeto iria contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.