Pegue um desses jogos de “exercitar o raciocínio” e passe um tempo jogando, que você vai se tornar um exímio jogador desses jogos. Mas não vai necessariamente melhorar muito em nenhuma outra atividade.
Essa é a conclusão de um estudo extensivo publicado na última semana no periódico Psychological Science in the Public Interest, ligado à Associação de Ciências Psicológicas (APS, na sigla em inglês), com sede em Washington, nos Estados Unidos. Uma equipe de psicólogos realizou uma revisão da literatura científica atrás de estudos que defendem os jogos que exercitam o raciocínio, procurando provas de que a técnica funciona – e tiveram dificuldade em encontrar tais pesquisas.
As ferramentas de exercício de raciocínio melhoravam o desempenho das tarefas que elas testavam, o que faz sentido: é só passar uma determinada quantidade de tempo combinando cartões coloridos ou memorizando sequências de letras que qualquer um começa a ficar muito bom em combinar cores e memorizar letras. Mas há “poucas provas de que os exercícios melhorem o desempenho em tarefas que não tenham relação imediata com eles ou que melhorem o desempenho cognitivo cotidiano”, segundo os autores. Eles também defendem que os estudos que costumam promover essas ferramentas tinham muitos problemas, ou com a forma como elas são projetadas ou com sua análise, o que impossibilita derivar quaisquer conclusões gerais desses estudos.
Há anos que os programas de exercício de raciocínio são polêmicos. Começando em meados dos anos 2000, um número de experimentos sugeria que seria possível induzir melhorias cognitivas assombrosas através de simples intervenções com jogos. Um dos estudos de maior destaque, publicado em “Proceedings of the National Academy of Sciences in 2008”, descobriu que cerca de quatro semanas de exercícios de raciocínio serviam para melhorar dramaticamente a capacidade de jovens adultos de resolver problemas que eles nunca haviam encontrado antes. A grande hipótese era que a técnica poderia produzir a “transferência vertical” de capacidades cognitivas – em outras palavras, que os jogos melhoravam a capacidade do cérebro de realizar tarefas mais sofisticadas.
Mas outros pesquisadores tiveram dificuldades em reproduzir esses resultados. Em 2014, um grupo de 70 cientistas publicou uma carta aberta no site do Centro de Longevidade de Stanford questionando se havia qualquer prova científica de que esses jogos eram capazes de provocar melhorias reais nas funções cognitivas gerais.
Mais de 100 defensores de jogos de exercício de raciocínio responderam com cartas abertas de sua própria autoria no site Cognitive Training Data. Eles argumentavam que, apesar de ser necessário pesquisar mais sobre o assunto, há provas de que os regimes de treino cognitivo funcionam, listando 132 estudos para apoiar as suas alegações. Alguns desses eram os mesmíssimos estudos que os céticos citaram para questionar a técnica.
“Como pode que duas equipes de cientistas examinem a mesma literatura científica e cheguem a ‘consensos’ conflitantes quanto à eficácia do exercício de raciocínio?”, escrevem Simons e seus colegas. Com a esperança de trazer alguma clareza ao debate, eles analisaram todos os 132 estudos e tentaram aplicar alguns padrões objetivos.
Para provar de forma definitiva que os resultados dos exercícios de raciocínio resultam em transferência vertical, os estudos deveriam ter um bom grupo de controle, que realizaria uma mesma tarefa comparável ao exercício para comprovar se é de fato alguma técnica específica que levava aos resultados. Era necessário ter um grande número de participantes no experimento para eliminar a possibilidade de resultados derivados de aberrações estatísticas. E eles deveriam estar preparados para projeções de expectativas e vieses – é provável que as pessoas que fazem esses exercícios já tenham a expectativa de se tornarem mais inteligentes, assim como as pessoas que tomam uma pílula de placebo têm a expectativa de se sentirem melhores.
Segundo Simons e seus colegas, quase nenhum dos estudos de exercícios de raciocínio que eles revisaram cumpria com esses padrões de avaliação. Os estudos que se alinhavam às melhores práticas da psicologia sugeriam que o exercício de raciocínio fazia com que os participantes melhorassem seu desempenho na tarefa sendo testada, o que não levava, no entanto, a quaisquer melhorias generalizadas.
Esse trabalho de revisão da literatura atraiu elogios dos 70 cientistas que coassinaram a carta de 2014 que lançava dúvidas sobre o exercício de raciocínio, bem como críticas vindas dos defensores da técnica, como era de se esperar. Em entrevista à revista The Atlantic, Henry Mahncke, neurocientista e executivo-chefe de sua empresa de treinamento Posit Science, acusou a equipe de Simons de ter sido enviesada. “Eles distorceram cada um daqueles estudos para que encaixassem em suas teorias de que o treinamento cognitivo não funciona”, ele afirmou.