Um kit para fazer testes de DNA em casa tem gerado polêmica nos Estados Unidos. O produto que seria vendido nas prateleiras das farmácias a partir de hoje teve a sua venda cancelada.
Criticado pela comunidade médica, o exame seria supostamente capaz de revelar a origem biológica de uma pessoa e, desta forma, indicar possíveis doenças futuras de caráter genético como hipertensão arterial, diabetes e câncer de mama.
Embora já existam no mercado americano há quatro anos é possível comprá-los pela internet de qualquer parte do mundo, inclusive do Brasil somente agora um teste desse tipo teria venda em farmácias. Suspeitas em relação à eficiência, porém, levaram o departamento responsável pela liberação dos medicamentos no país (Food and Drug Administration FDA) a suspender a comercialização. Os fabricantes apontam, por sua vez, que o teste é confiável.
No Brasil, o geneticista e presidente de Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, é categórico ao afirmar: "os testes não funcionam". Segundo o profissional, os kits oferecem resultados que confundem e não representam a real predisposição genética às doenças. Confira a entrevista concedida à Gazeta do Povo:
Gazeta do Povo:Os testes em questão são americanos. Os brasileiros têm acesso a eles?Salmo Raskin: São três empresas que oferecem esses testes no mundo. Duas americanas e uma da Islândia. Em todas elas, o consumidor consegue trazer um kit para o Brasil, até mesmo pela internet. O risco é grande.
GP: Testes genéticos podem ser corretamente interpretados por uma pessoa comum, que não tem entendimento de genética?
SR: Não. E por vários motivos. O mais importante deles é o fato de serem genéticos. Uma coisa é recorrer a um teste de gravidez ou de nível de colesterol. Nesses casos não é tão grave, em um primeiro momento, não ter o acompanhamento médico. Outra coisa completamente diferente é tratar da informação genética.
Pela complexidade do assunto, é impossível para um leigo saber interpretar os resultados de um possível teste desse tipo. Somente um especialista poderia compreendê-los. Não se trata de avaliar se a cor de um material ficou azul ou vermelha, como nos exames de gravidez. Em um teste genético, os resultados não são pontuais.
GP: Os resultados podem enganar o comprador?
SR: Com certeza. Vamos supor que uma paciente faz um teste desses para saber de sua tendência ao câncer de mama. O resultado mostra que ela tem 10,5% de chance de ter a doença. Dependendo da pessoa, ela vai pensar que tem um risco muito alto. Outra avaliará seu risco como sendo muito baixo e não se preocupará.
O paciente dificilmente terá a ideia de contextualizar esse dado. Talvez se ela fosse a um médico, ele a informaria que o risco normal de todas as mulheres é de 10%. E isso para um teste supostamente preciso. No caso destes exames proibidos de irem às prateleiras americanas especificamente, a realidade é muito pior. Eles fornecem resultados cientificamente imprecisos.
GP: De que forma é essa imprecisão?
SR: Eles são vendidos como verdadeiros check-ups genômicos. Mas, por incrível que pareça, ainda não têm sequer embasamento científico. Nos Estados Unidos existem cerca de 700 laboratórios de genética. Mas apenas duas empresas, que nem mesmo são laboratórios genéticos, oferecem estes testes. Elas são extremamente criticadas pela comunidade médica mundial justamente porque seus produtos não têm a menor validade.
Elas comercializam testes que prometem avaliar o risco à hipertensão arterial, por exemplo, mas só estudam os cinco genes que já se sabe estarem associados à doença. O que os usuários não sabem é que ainda não conhecemos por completo todos os componentes genéticos responsáveis pela hipertensão arterial. E se amanhã ou depois descobrirmos que a hipertensão pode ser causada por 200 genes diferentes? Ou seja, o resultado deste teste dificilmente condiz com a realidade.
GP: Qual é o procedimento correto para quem quer saber sua predisposição a uma doença de caráter genético?
SR: É procurar um especialista em genética médica. Ele é o profissional que pode fazer uma consulta e um aconselhamento genético, que é uma pesquisa sobre a árvore genealógica da família. Por mais que testes como esses sejam vendidos como check ups genômico, isso ainda não existe de fato. Muito se tem avançado nesse sentido e acredito que em cinco anos já tenhamos um teste universal das doenças genéticas. Vai ser um instrumento fundamental para a prevenção ou diminuição de sintomas desses males. Mas isso, só daqui a alguns anos.
GP: Outros testes de farmácia, que não são de DNA, são eficientes?
SR: Sim. Todos eles trazem na bula a informação de que são testes de rastreamento. Em um primeiro momento não vejo mal em fazê-los sem um acompanhamento médico. No teste de gravidez, por exemplo, a mulher que constatar estar grávida vai precisar, na primeira consulta médica, se submeter a um exame oficial: o de sangue. Portanto, esses testes mais simples funcionam apenas como um instrumento preliminar.