O professor da rede pública de Curitiba Paulo*, 40 anos, é soropositivo há 15. Vive um relacionamento estável, não enfrentou preconceito ao expor o seu problema no trabalho e conta com o apoio constante de amigos. Pessoas como ele, que vivem normalmente e sem grandes "marcas" do HIV são cada vez mais comuns. Dados de um levantamento feito com 292 pacientes em tratamento na Casa da Aids, do Hospital das Clínicas de São Paulo, mostra que quase 60% têm relacionamento afetivo estável, 75% estão empregados e 68% residem com familiares ou amigos.
Para a diretora da Casa da Aids, Eliana Gutierrez, "os resultados mostram que esses pacientes estão inseridos na sociedade do ponto de vista afetivo e econômico, seja porque dissimulam sua condição ou porque estão sendo aceitos."
Paulo resolveu contar que é soropositivo para a pedagoga do colégio onde trabalha há dois anos, quando começou a tomar os antirretrovirais. "Senti vontade de ter alguém que pudesse me ajudar, caso eu adoeça. A reação dela foi natural, mas preferi me preservar e não contar para o restante." Seu parceiro, também soropositivo, se contaminou na mesma época que ele e, desde o início do relacionamento, conversaram sobre o assunto. "No começo existiam dúvidas, mas de nenhuma parte houve medo de contar", diz.
De acordo com Eliana, os soropositivos estão fisicamente mais aptos para o trabalho e demais atividades do cotidiano do que há 20 anos. "Os infectados pelo vírus já se permitem pensar no futuro." Segundo o Ministério da Saúde, 35 mil novos casos são diagnosticados anualmente e 190 mil pacientes estão em tratamento com antirretrovirais, medicamento que em 2010 terá investimentos de R$ 884 milhões.
Ao descobrir o vírus aos 19 anos, há mais de 21 anos, Douglas Miranda, idealizador e presidente do Grupo Amigos (de apoio a pessoas com aids, em Curitiba) recebeu uma sentença de morte: sua sobrevida seria de, no máximo, dois anos. "Naquele momento, pensei: ou me entregava ou lutava pela minha vida e de outros com o mesmo problema. Escolhi a segunda opção."
Pela convivência com os participantes da ONG, fundada em 2001, Miranda observa que a doença está cada dia mais desmistificada. "Uma grande maioria trabalha, o que sempre apoiamos, já que possibilita recuperação da autoestima e da independência financeira." Na questão afetiva, o diretor conta que muitos frequentadores do grupo passam pela crise do "conta ou não conta". "Existem casais sorodiscordantes que levam a relação sem grilo. Muitos parceiros acompanham o outro no médico e cobram para que a medicação seja tomada corretamente. Sempre digo que não escolhemos por quem vamos nos apaixonar e que o HIV é irrelevante, desde que haja prevenção."
Omissão
Por outro lado, soropositivos como João*, de 53 anos, preferem não falar sobre o HIV, principalmente para os familiares. "Seria um problema a mais para eles, é um pouco complicado." Nos relacionamentos, João também opta por omitir. "Me previno, mas fico quieto. Tenho medo de ser rejeitado. O preconceito melhorou, mas ainda existe." A médica infectologista da coordenação municipal DST/Aids Maria Esther Graf ressalta que, apesar da diversidade de pacientes atendidos nas unidades de referência em Curitiba, a queixa do preconceito ainda é comum entre eles. "No trabalho, quando alguém descobre, são motivos de chacota. Muitos pulam de um emprego para outro e termos pejorativos, como aidético, infelizmente ainda são usados."
*Nomes fictícios.
Serviço:
O Grupo Amigos realiza reuniões às quartas-feiras, das 19 às 21 horas, na Rua Cap. João Zaleski, 635, Vila Lindoia. Informações: (41) 3346-5651 ou pelo e-mail grupoamigosctbapr@hotmail.com. O Centro de Orientação e companhamento (Coa), referência de atendimento para portadores do HIV em Curitiba, fica na Rua do Rosário, 144. São Francisco. Fone: (41) 3223-1339.